O desgoverno das mudanças

Em tempos idos, algures entre os anos de 1982 e 1987, escreveu o Embaixador José Cutileiro, sob o pseudónimo A.B. Kotter, a propósito das «Mudanças de Governo» portuguesas: «O mal é vocês mudarem tantas vezes de Governo», atalhou o Lowater. «Desde 25 de Abril de 1974 este país teve dez primeiros-ministros. São primeiros ministros a mais». «A mais ou a menos», contrariou o senhor J. Fonseca, metendo-se na conversa. Todos nós nos virámos para ele, espantados com a impertinência. Sem se perturbar, o ex-comando esclareceu. «Depende do intervalo que o senhor professor considerar para o cômputo. É verdade que, se contar desde Abril de 1974 até agora, chega a dez chefes de Governo, o que é de mais, mas se contar desde 1932 não passa de doze, o que é de menos. Doze primeiros-ministros em cinquenta e três anos não me parece ofender os padrões europeus». [«Bilhetes de Colares, 1982-1998», Assírio & Alvim, p.68]
Tenho uma teoria, só minha, segundo a qual a vida é como os crepes: tem sempre dois lados. Lembrei-me dela ao ler este «bilhete», tão actual, do Embaixador Cutileiro, nesta semana em que vou ter de me virar do avesso para ver se descubro, esquecido nalguma prega de mim mesma, um resquício de vontade de exercer o meu direito de voto...

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