Lembranças do passado

«Ao lado direito do hospital [chamado de Todos-os-Santos], do norte para o poente, está situado o templo de São Domingos e um colégio (1), de grande fama. Na frontaria oposta, passando um largo rossio a ocidente, levanta-se o terceiro monumento: edifício na verdade grandioso, digno de ser visto, pela sua arquitectura admirável, mandado erigir, à custa da nação, pelo infante Dom Pedro, filho de Dom João I. Mandou-o edificar, quando regeu o reino em nome de Dom Afonso V, seu sobrinho, com a intenção de que servisse para receber os embaixadores das nações e dos reis estrangeiros; também ali se hospedavam, por conta da nação, com todas as honras e grandezas. (2)
Continuando em linha recta até à praia, ficam à direita, em lugar mais elevado, os conventos das Carmelitas (3), dos Franciscanos (4) e da Santíssima Trindade (4), notabilíssimos pela construção magnífica e sumptuosa. Passando ao longo da Rua Nova, onde abundam os gravadores, joalheiros, ourives, douradores e casas de escambo, voltando sempre à esquerda, chega-se a outra rua chamada também Rua Nova dos mercadores, muito mais vasta do que as outras ruas da cidade, adornada, dum lado e doutro, com belos edifícios. Aqui se juntam, todos os dias, os comerciantes de quási todos os povos e partes do mundo, com extraordinário concurso de gente, por causa das facilidades que o comércio e o porto oferecem.
Indo na mesma direcção e pelo mesmo caminho para o norte, fica, à esquerda, o antigo posto fiscal, onde, há pouco, se pagavam ao rei os impostos pelas mercadorias importadas.
Em frente do posto, aparece a praça que se chama Pelourinho Velho; aqui se vêem sempre muitos homens, sentandos diante de mesas, aos quais se pode dar o nome de tabeliães ou amanuenses, embora não tenham cargo oficial. Ganham a vida deste modo: ouvindo os que a eles acodem e lhes expõem as suas intenções, escrevem folhas de papel que entregam aos requerentes, recebendo a paga conforme o assunto, de modo que sempre estão a postos para redigir cartas, mensagens amorosas, elogios, discursos, epitáfios, versos, louvores, orações fúnebres, petições, notas e coisas deste jaez que lhes pedem. Nunca vi fazer coisa semelhante noutras capitais da Europa. Por tudo isto facilmente se pode avaliar a grandeza de Lisboa e o número dos seus habitantes.»

(1) Damião de Góis escreve: collegium. Será colegiada o que ele quer dizer?
(2) Era o famoso Palácio dos Estaus, onde se encontra agora o Teatro Nacional, ao Rossio, embora não tivesse exactamente a mesma orientação que tem o actual Teatro.
(3) Mais ou menos o convento do Carmo, com as suas ruínas e Largo do Carmo, Rua do Carmo.
(4) Onde é agora  [ ou seja, em 1937 ]  a Biblioteca Nacional, Museu de Arte Contemporânea e Escola de Belas Artes, Governo Civil. Ainda se conserva o nome de Calçada de São Francisco.
(5) O convento da Trindade ruíu com o terramoto.

Damião de Góis, « Lisboa de Quinhentos - descrição de Lisboa », texto latino, tradução de Raúl Machado, Livraria Avelar Machado, 1937, p.47 a 49    

Lembranças do futuro

E em menos de nada passaram cinco anos! Refiro-me ao último Congresso dos Advogados, realizado em 2005, lembro-o agora, porque face ao disposto no art.º 30. n.º 1 do EOA, o Bastonário está obrigado a convocá-lo para se realizar este ano. Do anterior Congresso recordo, pela actualidade do tema, as conclusões aprovadas sobre as alterações à estrutura da Ordem, que passo a transcrever:
«41. Deve promover-se uma profunda reflexão acerca do modo de funcionamento e de eleição dos órgãos da Ordem dos Advogados o que deverá ser feito pelos actuais órgãos dirigentes da Ordem dos Advogados até final do mandato, com um esquema de debate e contraditório que permita que, por todo o país, todos os advogados se possam pronunciar acerca desta matéria;
42. Deverá ser introduzido o método de Hondt na eleição do Conselho Superior;»
Lembro, igualmente, a circunstância de ter sido apresentada uma proposta de definição de «um rigoroso «numerus clausus» quanto à inscrição de novos estagiários» com a submissão dos licenciados a «um exame nacional de acesso ao estágio», o que veio a ser rejeitado pela maioria dos delegados presentes. Lembro, finalmente, que quem apresentou esta proposta de exame nacional defendeu, igualmente, que «ninguém melhor do que os delegados a este [VI]  congresso pode representar os Advogados portugueses» e por isso entendia  ser de criar um novo órgão,  que seria constituído «por todos os delegados eleitos ao VI Congresso dos Advogados Portugueses e teria todas as atribuições e competências da actual Assembleia Geral. A partir do VII Congresso dos Advogados Portugueses a Assembleia de Representantes seria constituída por todos os delegados eleitos a esse congresso.»
Lembro na esperança que sejam muitos os Advogados que guardam memória.

O preço das coisas sem preço



António Ramos Rosa, poeta, nascido em Faro, em 1924, é um dos nomes grandes da língua portuguesa. Urbano Tavares Rodrigues, escritor, nascido em Lisboa, em 1923, é outro. Ambos já ultrapassaram os oitenta anos, mas, felizmente, ambos estão vivos. Descobri, agora, que em 1961 António Ramos Rosa publicou o livro «Sobre o Rosto da Terra» e ofereceu um exemplar a Urbano Tavares Rodrigues, no qual apôs a seguinte dedicatória: "A Urbano Tavares Rodrigues, com um abraço de sincera estima e viva admiração". Uns tempos depois, mais precisamente em 1964, voltou a publicar, desta vez o livro com o título «Terrear», que dedicou a Urbano Tavares Rodrigues, e do qual lhe ofereceu um exemplar, no qual manuscreveu, em aditamento à dedicatória, "a quem devo este livro, com a maior admiração e um grande abraço do António Ramos Rosa".  Como é que eu sei tudo isto? Simples: descobri aqui que ambos os exemplares estão à venda, o primeiro por quinhentos euros e o segundo por setecentos e cinquenta. Não faço ideia como nem por que razão estes livros raros  foram parar ao mercado, mas sejam quais forem as razões, é triste, para quem observa de fora, ver uma amizade entre dois homens, que são duas referências na cultura portuguesa, exposta desta maneira aos olhos de todos e com preço... 

A beleza dos justos


No Público do passado sábado, dia 6, no caderno comemorativo dos vinte anos daquele jornal, o professor José Mattoso escreveu: «O que a vida me tem ensinado é que existem mais "justos" neste mundo do que se pode saber através dos jornais. Há muitas formas de santidade oculta, nem que seja por meio do sofrimento assumido, do apaziguamento, da noção do dever. A religião católica aliada ao individualismo atrofiou o conceito de "justo". A história do Genesis propõe que se creia no efeito da acção do "justo" sobre a comunidade a que pertence em virtude do princípio da solidariedade. Os justos são a porção viva e sã, mas escondida, da comunidade a que pertencem. Garantem a sua capacidade de regeneração. O fundamento da esperança no futuro é o reconhecimento dos "justos" que nos rodeiam, seja qual for o meio em que vivem e o apoio que somos capazes de lhes dar na sua luta pela "justiça". Talvez isso sirva de antídoto contra a desilusão que nos causam os poderosos da finança, da política ou do espectáculo.» Vem isto a propósito de há pouco ter encontrado aqui a fotografia de Irena Sendler, polaca, falecida em 12.05.2008 com 98 anos. Sendler, que viveu em Varsóvia durante a II Grande Guerra Mundial, conseguiu retirar, do gueto que os nazis aí construíram, duas mil e quinhentas crianças judias, feito que lhe valeu, em 1965, a atribuição do título "Justo Entre as Nações", pelo memorial israelita Yad Vashem, mas, ao que parece, insuficiente para, em 2007, lhe ser atribuído o prémio Nobel, que acabou por distinguir o ex vice presidente americano Al Gore. No dia em que o calendário oficial manda lembrar as mulheres e os jornais estão repletos de imagens delas, com doses industriais de «glamour», a verdade é que a minha atenção ficou presa ao deslumbrante sorriso desta anciã, capaz de fazer inveja a todas as Monas Lisas deste mundo.

A ciência da treta

De quando em vez lá aparece uma notícia com potencial para contribuir para a felicidade de alguém. Vejam esta: «Estudo associa infidelidade masculina a QI mais baixo». Fica-me a dúvida: como se medirá a estupidez das mulheres?

Casa roubada...

Chegou-me por email. Parece-me importante demais para circular exclusivamente por esse meio. Decidi, por isso, afixá-lo aqui, com uma breve nota. Estive na Madeira há pouco tempo, considero os madeirenses uma gente notável, em coragem e resistência, porque ambas são necessárias para viver naquelas paragens. As imagens que tenho visto desde o último fim de semana têm-me partido o coração. Não mereciam aquela sorte. Espero que quem de direito retire de tudo o que se passou as devidas conclusões. E agora, por favor, vejam isto:   

Mais do mesmo...

Há uns anos, era eu vogal do Conselho de Deontologia da Lisboa, li neste jornal a transcrição de uma parte de um acórdão que eu tinha votado, em plenário do órgão, e que era suposto não poder ser divulgado, por se tratar de matéria em segredo de justiça. Escrevo isto agora porque o processo judicial a que tal acórdão se reportava já foi julgado, e a questão que decidimos em sede disciplinar era meramente incidental. O que interessa - e por isso aqui deixo testemunho - é que me recordo que eram três as conclusões do acórdão e apenas a última foi divulgada, o que desvirtuou completamente o sentido do decidido. Não tenho, por isso, qualquer problema em afirmar que a informação que chegou ao público era falsa, uma mentira, portanto, que só ficou impune porque quem cometeu a malfeitoria estava ciente que todos aqueles que podiam desmenti-la estavam vinculados ao cumprimento de regras legais que impunham absoluta reserva e não teve dúvida que seriam cumpridas. A consequência foi só esta:  mesmo que a notícia em causa não tenha influenciado a tramitação do processo judicial (o que é sempre de difícil ponderação),  não tenho dúvida que  influenciou decisivamente a forma como certas pessoas foram apreciadas no dito «tribunal da opinião pública», e tudo isto à custa do bom nome e prestígio do órgão a que eu pertencia e da própria Ordem. Enfim, uma ignomínia que me deixou péssima memória, hoje reavivada quando li isto. Até quando os Catilinas que por aí andam vão continuar a abusar da nossa paciência?...  

Sociedades em liquidação?

Ao que parece, o «Instituto dos Registos e Notariado liquidou por via administrativa 37 370 empresas no ano passado e só 11 159 foram extintas pelos donos» (cfr. aqui ). Lembro-me que quando comecei a advogar, há mais de duas décadas, constituir uma sociedade não era fácil, mas dissolvê-la era um trabalho capaz de desmoralizar o mais paciente dos indivíduos. Essa, a meu ver, a principal explicação para as matrículas das sociedades sem actividade permanecerem nos registos décadas a fio. Em 2006, num louvável arroubo de desburocratização, o governo, através do Dec. Lei 76-A/2006, decidiu alterar a situação e, para tanto,  introduziu no Código de Procedimento e Processo Tributário uma regra com o seguinte teor: «Independentemente do procedimento contra-ordenacional a que haja lugar, em caso de sociedades, cooperativas e estabelecimentos individuais de responsabilidade limitada cuja declaração de rendimentos evidencie não desenvolverem actividade efectiva por um período de dois anos consecutivos, a administração tributária comunica tal facto à conservatória de registo competente, para efeitos de instauração dos procedimentos administrativos de dissolução e de liquidação da entidade, no prazo de 30 dias posteriores à apresentação daquela declaração» (cfr.art.º 83.º). Espero que os números agora divulgados sejam apenas a consequência da limpeza de registos que se encontravam desfasados da realidade há décadas porque, a não ser assim, então nem sei bem o que pensar disto...

Vejam esta prosperidade!



Eu percebo a inquietação das pessoas. É muito difícil manter um mentiroso como primeiro-ministro mas a situação do País impõe-o”. A afirmação é do professor Marcelo Rebelo de Sousa, ouvi-a aqui. Não consegui evitar que me viesse à memória outro político, incompatibilizado com este mesmo professor por causa de uma certa vichyssoise. Neste país há sempre uma coincidência irónica, a ligar tudo. O que é que se pode escrever sobre Portugal e os portugueses que não tenha sido já escrito? Vou à procura  de algo menos óbvio, de preferencia da autoria de um estrangeiro, e escolho  um texto, de Miguel de Unamuno, datado de Novembro de 1908: «Esta tarde, uma vez mais em Portugal, complava eu o formoso monumento a Eça de Queirós. A grave inspiração de Teixeira Lopes conseguiu dar uma expressão muito íntima ao rosto do terrível psicólogo, do homem implacável para com as fraquezas da sua terra./Aquele enfastiado, aquele céptico, inclina-se para contemplar com um olhar esquadrinhador a figura da Verdade, sobre cuja "nudez forte" quis lançar "o manto diáfano da fantasia". (A frase gravada aos pés do monumento.) No entanto, a força da nudez parece quebrar e desfazer o manto da fantasia. Aqui não há fantasia nem sequer para cobrir a verdade.»[ in «Por Terras de Portugal e Espanha - Um povo suicida», Nova Vega, p.69]. Recordo que o monumento que Unamuno refere, no qual a Verdade está nua,  foi inaugurado cinco anos antes, em 1903, e no blogue O Carmo e a Trindade  encontro a notícia da Illustração Portugueza sobre a inauguração, que termina assim: «Eça de Queiroz ficou-se, olhado pela Verdade, no seu manto transparente, ali a meio da rua, como a esfurancar as almas para as trasladar ao livro ironico, de face arrepanhada, esperando a sua primeira noite de gloria na praça publica, ali no largo do Quintella, onde por deshoras vagueiam vultos suspeitos e onde chegam os palavrões dos cocheiros, por onde passam os Basilios e os Reynaldos, após as perfídias, por onde passam os Amaros com os homens conhecedores da Historia e da Politíca, condemnando a revolta./Hão de parar por vezes em frente do monumento e um senhor de Ribamar exclamará: - Vejam esta prosperidade!/Lá em cima param as tipoias, passam lestos os americanos, inglezas de bandós lisos galgam a escada da Arcada de Londres, e de cima, do Camões, vem o zumbir da turba que procura pão, surgindo dos bairros do crime e do vicío./Todos os dias, mulhersinhas magrisellas, cahidas, de peitos achatados, tossicando, olheirentas, com crianças pela mão, uns petizes famelicos, de olhos pisados, hão de passar diante da estatua para a Assistencia Nacional./O senhor conde de Ribamar ha de repisar: - Vejam que prosperidade! .../ Eça de Queiroz, como outr'ora o João da Ega, assestando o monoculo, dirá ao vel-os buscando salvação: - Já não merece a pena correr na vida! .../ Ali ficará para sempre o supremo artista, vendo a obra forte de verdade nas misérias da rua, sob o manto diaphano das propseridades, que são a phantasia; ali ficará ironico e critico como em vida./E um dia o conselheiro Accacio ha de escrever o seu panegyrico, com a mira na gran cruz de S. Thiago, e quem sabe se com a ambição justa de uma cadeira na Academia. [Rocha Martins, em Chronica, na Illustração Portugueza (Nov. de 1903)]».

A justa medida


Arrumando livros veio-me à mão um, que comprei em 1982, era então estudante, intitulado «D. Duarte e os Prosadores da Casa de Avis», selecção, prefácio e notas de Rodrigues Lapa. Nele encontrei um excerto do «Leal Conselheiro» onde D. Duarte apresenta para «a guerra contra os mouros» a justificação moral que passo a transcrever, com as notas de Rodrigues Lapa:

«A guerra dos mouros tenhamos que é um bem de fazer, pois que a Santa Igreja assi o determina e nom dá lugar a fraqueza do coraçom, que faça consciencia [escrúpulos] onde aver se nom deve. E sobr'ela eu vi fazer ua questom, que per eles se dizia seer feita, em esta guisa. Diziam: por que razom fariamos contra eles peleja ou moveríamos guerra, pois soportávamos antre nós viverem judeus e outros mouros taes como eles? Ca, se todos aqueles [judeus que viviam entre nós] primeiro matássemos ou tornássemos a nossa lei, razoado lhes pareceria que os guerreássemos; mas soportar estes e matar eles [aqueles], por lhes ocupar e filhar as terras, nom pareceria justamente feito.
A qual respondo que, assim como eles per poderio temporal e deliberaçom de suas voontades contradizem nossa fé, daquela guisa perteece aos senhores contrariar ao temporal poderio e poê-los de sô [debaixo de] a obediência da Santa Igreja, em a qual ela nom os manda forçar pera filharem nossa lei, mas quer que sejam de tal guisa sogeitos que, se alguus a ela se quisessem tornar, livremente o poderem fazer, e per os outros aos cristãos nojo ou mal se nom faça [isto é: «se alguns mouros quisessem converter-se ao cristianismo, deviam poder fazê-lo livremente, sem que os seus antigos correligionários os molestassem»]; e porem mui justamente nós e todos senhores católicos lhe devemos fazer guerra pera tornar suas terras a obediencia da Santa Madre Igreja e poer em liberdade todos aqueles que a nossa fé quiserem viir que livremente o possam fazer; e os outros aos cristãos nom façom empeecimento [obstáculo].
E desque som em nosso poder, nom é razom fazer-lhes mais prema [constrangimento, opressão, violência] da que per o Santo Padre for mandado. Porque assi como cada uu dia [todos os dias] contra os desobedientes aos mandados da Santa Igreja somos chamados em ajuda de braço sagral [do braço eclesiástico], e, desque os fazemos obedecer, a ela perteece determinar o que deles se faça,- dessa guisa com muito maior rezom pera restituir as terras em que o nome de Nosso Senhor Jesu Cristo foi louvado, que per oe infiees per temporal poderio som forçosamente ocupadas, o Santo Padre muito dereitamente nos requere, e com prometimento de tantas perdoanças nos enduz pera fazermos tal guerra; da qual seer justa, persoa [pessoa] fiel, contra seu mandado, nom deve aver dúvida, com tanto que o procedimento dela seja com boa tençom e justamente feito per taes pessoas a que convenha.
E esso medês [e o mesmo podemos dizer] é das outras justas guerras, que os senhores com os do seu conselho acordam de fazer; ca em este caso aos outros do seu reino a que perteece de o em ela [na guerra] servir nom convem mais scoldrinhar [esmiuçar na consciência], mas sem embargo [livremente] podem matar, ferir e roubar, segundo per seu rei e senhor for ordenado; ca esto todo é per todos dereito determinado - que os que teem oficio de defensores o devem fazer, usando porém de piedade quanto mais poderem, com reguardo [respeito, consideração] de seu serviço, naqueles casos que per boos confessores e leterados nos for determinado; assi nos outros nom a devemos mais alargar, por seguirmos nossas voontades, do que eles aprovarem [A piedade a usar com os mouros vencidos também estava por assim dizer tabelada, não podendo dar-se largas à compaixão, para evitar abusos e demasiada familiaridade. D. Duarte em tudo segue a justa medida, evitando sobretudo as complicações sentimentais. A questão do mouro era um negócio de política e religião. Assim o considera]».

Saudosa memória de um tempo em que Portugal era governado por reis sábios.

Da improvável relação entre véus e calças de ganga

No programa «Eixo do mal» que ontem passou na Sic Notícias, Clara Ferreira Alves e Daniel Oliveira comentavam a questão de proibir ou não o uso do véu (niqab) às mulheres islâmicas, que neste momento se discute em França, Itália e na Dinamarca. Afirmava Daniel Oliveira que caso a proibição vá avante, as muçulmanas que agora não usam o niqab  - ou seja, a larga maioria das residentes na Europa - poderão vir a adoptá-lo, como manifestação política de protesto. Contrapunha Clara Ferreira Alves que o uso do niqab não passa de uma «imposição machista» dos homens muçulmanos, pelo que os Estados europeus têm o dever de defender estas mulheres de tais imposições. Não vi o programa até ao fim, não tive paciência. Ainda assim o que vi foi suficiente para me ter lembrado dele hoje, enquanto jantava, assistindo a um documentário sobre as calças de ganga. Aí se recordava que antes da II guerra mundial a generalidade das mulheres americanas não usava calças, menos ainda calças de ganga. O hábito só foi introduzido quando, em virtude do esforço de guerra, as mulheres substituiram os homens nas fábricas e, por conseguinte, adoptaram o mesmo vestuário. E enquanto via isto lembrei-me também de um outro documentário, que passou na televisão há uns tempos, sobre Marrocos, o desenvolvimento económico dos países muçulmanos e a relevância que, para o efeito, tem a entrada das mulheres no mercado de trabalho. E reflectindo sobre tudo isto ocorreu-me que a resposta para a questão, tão vivamente debatida entre os dois comentadores que acima refiro, é, simultâneamente, bem mais prosaica e complicada do que os comentários que ouvi faziam parecer. Prosaica na medida em que, analisando o problema com este enquadramento, a saída para os legisladores europeus, ao nível do princípio a aplicar, parece-me óbvia: o vestuário tem de ser o mais adequado à actividade desenvolvida, independemente do sexo e religião de quem a exerce. As simple as that...  Complicada porque, a meu ver, o princípio devia ser óbvio para a generalidade dos «comentadores profissionais» que pontificam nas nossas televisões e, pelos vistos, não é. Por isso, o meu interesse pelo debate teria, certamente, sido diferente se em vez deste assunto os comentadores se tivessem debruçado sobre a questão subjacente à notícia do Público que encontrei aqui: deve ou não ser permitido aos pais vedar aos filhos o acesso a determinados conhecimentos, e o que é que o Estado pode/deve fazer relativamente a isso? É que neste caso, o problema não é entre um «nós e os outros» mas entre um «nós e nós», o que sempre complica as coisas...

«Parole, parole, parole»...

Em Outubro do ano passado o Conselho Geral da Ordem dos Advogados anunciou aqui o propósito de lançar durante o corrente ano «uma campanha de publicidade comercial com vista a dignificar o exercício da advocacia junto da Sociedade Portuguesa, bem como, salientar a sua importância para a defesa do Estado de Direito e da cidadania». Hoje, lendo na imprensa o rescaldo do I Encontro dos Jovens Advogados, fiquei a pensar que frases curtas e incisivas poderão desfazer, perante o público, esta imagem?


A ingénua vaidade de querer mudar o mundo



No Hyde Park de Londres, junto ao cruzamento entre Park Lane e Cumberland Gate, existe um local, conhecido por «Speakers' Corner», onde qualquer um é livre de discursar sobre um qualquer assunto, perante quem estiver disposto a ouvi-lo. Karl Marx e Lenine contam-se entre os muitos anónimos que usaram este local para divulgar as suas ideias sobre os mais desvairados assuntos, desde o problema, muito terra-à-terra, da abertura do comércio ao domingo, até à fantástica possibilidade do planeta ser invadido por extraterrestres. Era ainda criança quando ouvi, pela primeira vez, o meu pai comentar a existência deste lugar com os amigos mais chegados, no recato de uma sala de estar. Vivíamos, então, o antes do 25 de Abril e liberdade de opinião era uma ideia perigosa. Vem isto a propósito de ter lido, há dias, algures, uma crítica ao bloguismo opinativo. Referia o autor que a maioria dos blogs com propósitos de intervenção cívica oscila entre manifestações ingénuas de vontade de mudar o mundo e puras afirmações de uma vaidade de opinar, que a internet permite amplificar, já que qualquer um pode agora ser o director, jornalista e quantas vezes o solitário leitor do seu próprio jornal. Não digo que não, mas a ser assim, que dizer, então, dos oradores do «Speakers' Corner»? Como qualificar, nos dias de hoje, uma prática que, em tempos, já foi considerada um exemplo de democracia?

...e dura, dura... ( férias judiciais - parte II )

A fazer fé no que li aqui o dr. António Marinho Pinto, Bastonário da Ordem dos Advogados,  entende que a decisão de aprovar um decreto lei que determina a suspensão dos prazos judiciais entre 15 e 31 de Julho "É uma iniciativa legislativa que só peca por ser tardia." Absolutamente de acordo: só peca por tardia! Acrescentou, todavia, que «Há um ano e meio que a Ordem dos Advogados a propôs ao Governo». Ora nesta parte - e como diz o povo - é que a porca torce o rabo. Muito mesmo. É que a primeira vez que eu ouvi falar nisto era bastonário o dr. Rogério Alves. A prova está aqui. Tanto quanto recordo, as ideias do dr. António Marinho Pinto, relativamente a esta matéria, há um ano e meio, eram bem diferentes e assaz ... originais, como, aliás, na altura, comentei aqui.

Já agora, perdoem que não resista à tentação de aqui deixar uma sugestão: experimentem fazer uma pesquisa neste blog, na caixinha que se encontra na barra lateral à vossa direita, usando a expressão «férias judiciais». Vão ver que encontram umas pistas giras. Abençoado Google, abençoado Blogger! :-) 

O povo não existe

Há uns dias encontrei no «Consultor Jurídico» uma notícia com o "estranho" título Juíza liberta preso na Venezuela e acaba presa. A história é simples: Elísio Cedeño - um banqueiro venezuelano que dizem ser um dos principais apoiantes da oposição ao presidente Chavez - encontra-se em Caracas, em prisão preventiva, há dois anos e dez meses, sendo que dois anos é o limite máximo previsto na lei criminal da Venezuela para a duração da prisão preventiva. No passado dia 10 de Dezembro, uma quinta feira, a prisão foi julgada arbitrária e ordenada a libertação do banqueiro pela juíza María Lourdes Afiuni, mas ela própria acabou presa, nesse mesmo dia, e viu a sua decisão revogada e as gravações da audiência confiscadas, no dia 13 seguinte, um domingo. Encontrei, depois, uma referência ao caso no «El País» e ainda no Serviço de Notícias das Nações Unidas, através do qual fiquei a saber que o assunto era seguido por «three independent United Nations human rights experts» que, «decrying what they termed “a blow by President Hugo Chávez to the independence of judges and lawyers in the country,” today called for the immediate release of a Venezuelan judge arrested after ordering the conditional release of a prisoner held for almost three years without trial.»[ cfr. aqui].
Li, ainda, que o presidente Chavez terá exigido a punição exemplar da juíza, o que terá motivado a resposta que encontrei aqui, e que passo a transcrever:
«Diante do constante abuso e das infâmias cometidas pelo Ministério Público, divulgando por diversos meios de comunicação versão totalmente distorcida dos acontecimentos ocorridos no dia 10 de dezembro de 2009 - versão pela qual tentam convencer a opinião pública de que estaria eu sujeita à Comissão de Ilícitos Penais pela manipulação de atas em expediente no qual simplesmente se substituiu a privação de liberdade no ato de deferimento da audiência preliminar por ausência do Ministério Público por medida que, fundamentada simplesmente em normas constitucionais, é de obrigatório cumprimento a favor de um réu, independentemente de inocência ou culpa quanto aos atos a ele imputados, posto não ser aquela a fase processual para determiná-la. De acordo com o artigo 264 do Código Orgânico de Processo Penal (COPP) e o evidente adiamento do processo de que é alvo fez do réu merecedor de pleno direito da medida como qualquer outro indiciado, sem distinção possível.
Senti necessidade de escrever esta carta para esclarecer a minha família, a meus entes queridos, à opinião pública e até mesmo ao Presidente desta República, que decisões similares à que produzi em 10 de dezembro se realizam todos os dias em vários tribunais do país. A presença das partes na audiência preliminar não é exigida oficialmente, uma vez que a sessão é transcrita e analisada por um juiz. Neste caso específico, 278 peças foram revistas em sua totalidade. Condutas menos rígidas podem ser solicitadas em qualquer nível e estado do processo, o que garante ao juiz do caso exercer as medidas que considere adequadas. No caso contrário, quando é o réu que não comparece à audiência agendada pelo juiz, o representante do Ministério Público tem poderes para revogar a decisão da liberdade condicional.
Por outro lado, a afirmação de que o Ministério Público garante a minha segurança e o meu direito à vida é absolutamente irresponsável. É inconcebível que o órgão se comprometa com a segurança de um funcionário da Justiça preso no mesmo centro penitenciário de pessoas que ele mesmo condenou. A declaração do Ministério Público é ultrajante e coloca em risco todas as pessoas que se encontram nesta situação. Isto tudo demonstra as deficiências destas instituições, que obrigam seus funcionários a trabalhar em situações limite, com prejuízo dos processados, que ficam sem nenhuma sentença final, sendo que segundo a Constituição, todos são inocentes até que se prove o contrário. É por estes motivos que faço um apelo aos órgãos públicos responsáveis para que atentem ao sistema penitenciário nacional, exigindo medidas que promovam as melhorias necessárias..
Após quinze dias ilegalmente privada de minha liberdade, tive oportunidade de conhecer diversas pessoas submetidas a processos penais nos quais se observa um rude, brutal e injustificado adiamento processual que não prevê as medidas preventivas de liberdade, transformando a espera em condenações prévias, com a cumplicidade do Ministério Público e sua insuficiência de provas convincentes. A certeza de que não existem pressupostos para a condenação requerida pela promotoria obstrui o exercício do direito de defesa e coloca em questão o princípio de igualdade das partes.
Tudo isso produz um profundo desespero àqueles que aguardam uma sentença para sair do inferno em que vivem. Estas pessoas, muitas vezes, acabam por admitir culpa, mesmo que as provas tenham sido obtidas ilegalmente ou sejam insuficientes, tornando-se coniventes por omissão com tais violações constitucionais.
Estas vivências fortalecem a minha convicção de que o ato judicial que sofri, que o Ministério Público, com a cumplicidade de alguns membros do Judiciário, alega tratar-se de 'ato ilícito', serve para alertar todos os encarregados de promover a justiça: a polícia investigativa e os membros do 'poder moral', que fizeram o juramento de respeitar a Constituição e fazer cumprir as leis. As festas de final de ano são propícias para reflexão e adoção de medidas corretivas e não para a aceitação de atos que vão contra os direitos humanos.
Toda esta experiência infeliz, digo sem ressentimentos, me fez perceber o sistema de administração da justiça do ponto de vista do acusado, ponto este que não poderia ter sido tão nítido se não estivesse nesta situação.
De todo o coração eu espero que este sofrimento, o sacrifício e a injustiça sofridos pela minha família, amigos e por mim mesma não sejam em vão e não sejam esquecidos. Reiterando a cada um dos cidadãos deste belo país que existem muitas pessoas com coragem, vontade e competência para mudar o nosso mundo, aqui e agora, com coragem, que é a ferramenta que nos move para criar, modificar e construir o país que merecemos.
Nossa resposta não deve ser feita de palavras ou idéias, mas sim de uma conduta e uma ação enfática, assumindo a responsabilidade de encontrar a resposta correta e cumprir as tarefas que a vida atribui a cada indivíduo.
Boas festas a todos!
Maria de Lourdes Afiuni»
Tanto quanto me parece, a juíza continua detida.

Este caso fez-me lembrar o que li neste post, que encontrei no blog «Devenire», e ao qual fui «roubar» o título, esperando que o meu Colega Sérgio Catarino não leve a mal o abuso. De facto, e tal como ele aí afirma, o ideal é viver num país onde se é cidadão, porque ser cidadão é muito melhor que ser do povo, e nunca é demais repeti-lo.

Manifesto de Álvaro de Campos

Ora porra!
Nem o rei chegou, nem o Afonso Costa morreu quando caiu do
carro abaixo!
E ficou tudo na mesma, tendo a mais só os alemães a menos...
E para isto se fundou Portugal!

27-6-1916
Álvaro de Campos - Livro de Versos . Fernando Pessoa. (Edição crítica. Introdução, transcrição, organização e notas de Teresa Rita Lopes.) Lisboa: Estampa, 1993. - 20 [Arquivo Pessoa]

«Circo de feras», aí vem outro ano!

São uns rapazes um bocadinho mais velhos que eu, meia dúzia de anos, apenas. Começaram a tocar nos tempos em que a diferença de idades entre nós tinha alguma importância. Hoje já não tem. Subi, algumas vezes, com eles, no mesmo elevador, os andares de um certo prédio que fica na Rodrigo da Fonseca, eu na minha descaracterizada fardamenta profissional, eles nas habituais gangas e t-shirts pretas. Ficou-me a imagem de uns rapazes amáveis e discretos, de trato simples, gentis, o oposto da ideia que os «Xutos e Pontapés» - o nome do grupo - sugerem. Se já apreciava a música, depois de me cruzar com eles a simpatia passou a incluir as suas pessoas. Li aqui que o Zé Pedro, o guitarrista, está muito doente. Lembrei-me, imediatamente, do António Sérgio, que este ano nos deixou, por ter sido nos programas dele que ouvi esta música pela primeira vez. A horas de ir virar mais uma folha do calendário, aqui deixo uma canção que já é um hino, com votos de rápidas melhoras para o Zé Pedro, e de um Óptimo Ano para todos.


Cameron, Pandora e a caixa de «aliens»

O que antes era uma estrela, e se desintegrou numa enorme bola de fogo, está hoje presente em tudo o que existe, no ar que respiramos, na água que bebemos, nas plantas e animais que comemos, nos tecidos que vestimos, no próprio corpo em que existimos, foi o que ouvi, hoje, num daqueles programas do canal «National Geographic» que,  em doses inteligíveis, servem aos leigos, como eu, vagos conhecimentos sobre ciências fundamentais. Em suma, toda a matéria que existe, já existiu sob outra forma, e assumirá uma nova forma, quando desaparecermos, o Universo mais não é que uma enorme máquina recicladora, em permanente movimento, os seres humanos uma parte ínfima do todo.
Vem isto a propósito de ontem à noite a minha filha mais nova me ter convencido a ir até a um centro comercial da periferia de Lisboa para assistir à sessão da meia noite do «blockbuster» deste Natal, Avatar, o último filme do realizador James Cameron. Chegámos uma hora antes do início,  bilhetes disponíveis apenas na primeira fila. Antecipei três intermináveis horas a olhar um ecrã grande demais,  uma dor no pescoço, uma sala cheia de gente barulhenta, a comer pipocas, emporcalhando o chão e os assentos, soltando comentários alarves, a despropósito. Mas ser mãe exige alguns sacrifícios, e depois de resmungar um pouco, acabei por me conformar com a minha sorte. Fiquei. Descobri que um filme em 3D deve ser visto mais próximo do ecrã e por isso não lamentei os lugares. E constatei que,  neste caso, nem se dá conta que o filme dura três horas. No mais, foi tal e qual como antecipei, mas ainda assim, não lamento a decisão. Explico porquê.
Dizem que Cameron é «half scientist, half artist»,  «um visionário que, de cada vez que filma, expande as fronteiras do que a tecnologia permite» e que «o que filmou, na realidade, é a história de uma viagem iniciática numa outra cultura dobrada de redenção e redescoberta». Talvez seja como dizem.  O que eu vi, no entanto, foi a cena de caça do «The Last oh the Mohicans» filmada de uma outra maneira, variantes do enredo dos livros «Dragonriders of Pern» da Anne McCaffrey, à mistura com costumes e ritos das tribos índias das duas América. Reminiscências de Camelot e de Lancelot do Lago. Tudo isto e mais ainda: máquinas e robots inspirados nos clássicos «Star Wars», muitas delas  protótipos melhorados das actualmente em uso por organismos como a Nasa, outras pelas forças americanas nos cenários de guerra, e que o próprio Cameron já filmou, noutros filmes, como o «Aliens», de 1986. Registei, porém, uma significativa diferença: no «Aliens», protagonizado por Sigourney Weaver, no papel da tenente Ripley,  os extraterrestes eram uma ameaça mortal, a sua destruição um imperativo inultrapassável. Vinte e três anos depois, Cameron volta a filmar Weaver, recorrendo aos mesmos antigos arquétipos,  mas para que esta nos transmita a mensagem oposta, ou seja, que, afinal, o futuro estará em Pandora, e na sua caixa de «aliens». Estranho. E mais estranho ainda constatar que a mole humana que se entusiasma com a fantasia tecnológica sobre o maravilhoso que só pode ser encontrado numa plena comunhão com a natureza, na qual avatares de tranças, semelhantes a portas USB, se conectam, de uma forma para-umbilical, a todos os seres vivos daquele planeta, é precisamente a mesma que vive enfiada entre quatro paredes e tem de recreação a ideia de que tal equivale a enfiar-se numa sala às escuras, a comer pipocas e a assistir às aventuras de seres virtuais num mundo virtual, depois de uma volta ou duas pelos corredores do consumo. Equilíbrio nas escolhas, moderação no uso dos recursos disponíveis, respeito pelos outros, quer pertençam ou não à nossa espécie, são conceitos que, a meu ver, não fazem parte das preocupações da pequena multidão que estava comigo naquela sala. Se Cameron é, como dizem, o «half scientist» visionário da indústria do cinema, e se «Avatar» é a imagem aproximada do futuro que nos espera, ao pensar naquela mole resta-me a consolação de saber que na lógica maior do Universo, o primeiro princípio é o da reciclagem de toda a matéria. Afinal, e como em tempos me ensinaram, «nada se perde, nada se cria, tudo se transforma» [Lavoisier].