«Etre une heure, rien qu'une heure durant
Beau, beau, beau et con à la fois»
Quem dera...
Singularidades nuas - 1
Numa madrugada da semana passada, no caminho para casa, reparei que, estacionado numa das principais avenidas de Lisboa, estava um «Skoda Felicia» de matrícula recente, e no banco do condutor, deitado, alguém a dormir. Pareceu-me ver um homem ainda novo, mas estava sozinha, era de noite, e não parei para olhar melhor. Fui para casa a matutar uma justificação para o que acabara de ver e ocorreram-me várias, sendo a mais perturbadora de todas a ideia de que se tratava de alguém que ficou sem emprego e, por via disso, sem casa, em qualquer caso alguém que eu não estava à espera de encontrar ali, a dormir, dentro do carro. Esta memória tem andado comigo até agora, e hoje ficou ainda mais presente quando li aqui que, «segundo o Eurostat, cerca de 100 mil jovens lusos não tinham emprego no início do ano, número que fica acima da média europeia». Será que por estas bandas alguém ainda se lembra do último Natal grego? Infelizmente, não creio. A dois meses das eleições legislativas, e no que toca a desemprego, as actuais preocupações dos políticos portugueses aparentam ser outras... Queira Deus que em Dezembro ninguém se lembre de ir até S. Bento desejar-lhes um Feliz Natal «à maneira grega»...
Essa Mulher chamada Irene Lisboa
Não lembro exactamente a primeira vez que tive consciência que o facto de pertencer ao género feminino comportava desvantagens. Tenho uma vaga impressão que terá sido por volta dos meus nove anos, quando me disseram que as meninas não brincam na rua, ou seja, mais ou menos pela altura em que descobri que queria ser advogada. Quando, em 1979, fui admitida na Faculdade de Direito constatei que, por pouco, escapei à sujeição à norma constitucional que previa que “A igualdade perante a lei envolve o direito de ser provido nos cargos públicos, conforme a capacidade ou serviços prestados, e a negação de qualquer privilégio de nascimento, raça, sexo, religião ou condição social, salvas quanto ao sexo, as diferenças de tratamento justificadas pela natureza (...)”. Vem isto a propósito de ter encontrado, há uns dias, um post, nesse fantástico blog chamado «Rua dos Dias que Voam», sobre um artigo publicado, em 1944, na revista «Eva», no qual várias «individualidades» se pronunciaram sobre a questão "A mulher, especialmente a casada, deve ter uma profissão?". Um dos entrevistados é a escritora Irene Lisboa, nascida em 1892, falecida em 1958, que «usou o tempo de vida, a trabalhar como professora e a escrever sob o seu nome, como Manuel Soares, João Falco e Maria Moira uma obra hoje quase esquecida». Confesso que não fujo à regra. Conheço muito mal a sua obra, e talvez por isso não estava à espera de ler este «Para mim não há função da mulher como não há função do homem, moralmente» e ainda que «Para muitas mulheres o ambiente doméstico é insuficiente(...)» . Sendo, como sou, filha de uma mulher para quem o destino natural era ser «mãe de família», e, simultaneamente, mãe de uma jovem adulta, a quem nunca foi imposto qualquer constrangimento relacionado com o género, «entalada», como estou, entre estes dois universos, é reconfortante descobrir o testemunho de alguém que, apesar de ter falecido um par de anos antes de eu ter vindo ao mundo, era mulher de uma forma estranhamente semelhante à minha, aparentemente sem dramas ou «guerras de sexos», sem sentimentos de superioridade ou inferioridade, alguém que discorria sobre a sua identidade de forma simples, natural. É que por mais que eu tente «actualizar-me» em matéria de condição feminina - e admito que tenho tentado, cansada deste viver entre mundos - nunca consegui deixar de me sentir alienígena relativamente a quem aborda a sua feminilidade assim. Hélas!
PS. Este fica com dedicatória, à minha querida professora Lourdes Mano. Obrigada. Um bj
PS. Este fica com dedicatória, à minha querida professora Lourdes Mano. Obrigada. Um bj
Os «bons alunos»
Avelino de Jesus, Director do ISG - Instituto Superior de Gestão, faz, no Jornal de Negócios,«Um balanço realista do Processo de Bolonha». Li-o e constatei que também ele acha que as partes boas da reforma não são originais e as que são originais não são boas. Neste balanço ficam, ainda, por explicar as razões da passividade das universidades portuguesas perante as imposições de Bruxelas e do Governo, quando este até seria um daqueles casos em que ser «mau aluno» teria compensado. Talvez um dia...
«Brutti, Sporchi e Cattivi»
«A., de 73 anos, vivia com a nora na sua casa, na Maia. Alegadamente, não se davam bem. A tal ponto que a nora terá decido livrar-se da idosa, com a colaboração de quatro familiares que, a 19 de Dezembro, irromperam pela casa, a assaltaram e espancaram até a julgarem morta. Só que a vítima não morreu, permitindo à Polícia Judiciária identificar, ontem, os cinco suspeitos, que esta sexta-feira estiveram durante o dia a ser ouvidos em primeiro interrogatório judicial.(...)» [texto integral aqui]
«Super-juizes» em paredes de vidro
Há jornais que falam em certas figuras como se de heróis de banda desenhada se tratasse, e sempre que me acontece deparar com títulos como este fico à espera de encontrar, na fotografia ao lado, uma daquelas musculadas figuras, em «maillots» reluzentes, exibindo os mais mirabolantes super-poderes. O pensamento é absurdo, como é evidente, mas ainda assim, às vezes, a imagem consegue surpreender-me, como aconteceu neste caso. Um juiz de instrução a trabalhar num gabinete, situado num rés do chão, com acesso directo para a rua, entre paredes de vidro? Homessa! Se se entende que não há perigo, para quê, então, a segurança pessoal? No mínimo é bizarro...
Há ofícios assim
«Passei este fds com a cabeça dentro de dossiers vermelhos, a analisar guias de transporte. Eram para um caso que me acompanha há seis anos e em que eu acreditava piamente no Autor. Exacto, acreditava. Pelas guias percebo que ele mente. Primeiro, fico furiosa e, num ataque extremo de energia, dou banho à cadela. Agora, estou bastante triste...», escreveu a Xaxão, aqui. Como eu a entendo! Confiar ou não, «eis a questão» quando se é advogado. Nos primeiros tempos, é a decepção e a tristeza quando descobrimos que alguém nos enganou. Então passamos a confiar apenas no que entendemos. Depois descobrimos que há realidades que nunca conseguimos entender, e ainda assim optamos por confiar. Esta escolha, com o tempo, vem a revelar-se mais amarga. Há quem diga que, mais tarde ou mais cedo, todos acabamos por desistir da confiança. Por ora tento não pensar muito nisso. Ainda não estou mentalmente preparada para assumir o estado de «morta-viva».
Umbigos portugueses
Há dias li num blog, algures, um comentário em que alguém se afirmava afastado do blogumbiguismo. Fixei a palavra blogumbiguismo. Pareceu-me adequada para definir muito do que por aí se vê, net fora, e ponderei em que medida se aplica a mim. Hoje li que alguém andou a fazer perguntas a 937 incautos cidadãos para depois concluir que os portugueses estão «mais individualistas, não morreriam por nada, nem por ninguém, senão pela sua própria família». Acrescenta a notícia que «se fosse há dez anos, para oito em cada dez pessoas fazia sentido morrer para salvar a vida de alguém. Hoje, apenas 46 por cento respondem que morreriam nessas circunstâncias». Ora, morrer para salvar a vida de alguém é sinal de altruísmo, ou seja, o oposto de egoísmo. E o que é que isto tem a ver com individualismo? O autor do tal estudo esclarece: «é a noção de individualismo na sociedade e não o egoísmo que faz os portugueses responderem que concordam em parte ou totalmente que "cada qual cuide de si"». Entendi. Os portugueses, não só estão mais egoístas, como sabem menos português. Bate certo. Depois fiquei a pensar se para mim ainda faz sentido morrer para salvar a vida de alguém que não seja da minha família e cheguei à conclusão que sim. Aliás, para ser franca, não tenho assim em tão grande conta a generalidade dos parentes. No que respeita a alguns deles, sou até capaz de preferir um estranho. Portanto, talvez o meu caso integre os 2,75 de margem de erro do estudo. E se me parece possível concluir que não sou «individualista», então talvez escape ao blogumbiguismo. Talvez. Sempre vou para a cama menos infeliz. Vivam os portugueses!
O valor das ideias

O professor Carlos Santos certamente não levará a mal que lhe «roube» o título do blog, de que é o autor, para publicamente agradecer esta amabilidade, que me surpreendeu. Há quem escreva muito mais e bem melhor sobre assuntos tão ou mais interessantes. Assim sendo, porquê eu?
De acordo com as regras do prémio, cabe-me, agora, designar outros sete blogs. O «selo» já está lá em cima, segue o «texto oficial»:
"O blog «O Valor das Ideias» atribuiu ao «Ângulo Recto» o Prémio Lemniscata. “O selo deste prémio foi criado a pensar nos blogs que demonstram talento, seja nas artes, nas letras, nas ciências, na poesia ou em qualquer outra área e que, com isso, enriquecem a blogosfera e a vida dos seus leitores."
Sobre o significado de LEMNISCATA:LEMNISCATA: “curva geométrica com a forma semelhante à de um 8; lugar geométrico dos pontos tais que o produto das distâncias a dois pontos fixos é constante.”
Lemniscato: ornado de fitas Do grego Lemniskos, do latim, Lemniscu: fita que pendia das coroas de louro destinadas aos vencedores(In Dicionário da Língua Portuguesa, Porto Editora)
Acrescento que o símbolo do infinito é um 8 deitado, em tudo semelhante a esta fita, que não tem interior nem exterior, tal como no anel de Möbius, que se percorre infinitamente."
[Texto da editora de “Pérola da cultura”]
Por ordem cronológica (a minha), aqui vão as 7 nomeações:
«A Revolta das Palavras»
[por todas as razões em geral, e em particular por ter sido aquele que me fez ter vontade de escrever]
«Incursões»
[por muitas razões, e em particular pelos textos do MCR]
«Defensor Oficioso»
[pelo serviço público]
«Diário de um sociólogo»
[por ser uma janela aberta para outros mundos]
«Imenso, para sempre, sem fim»
[pela excelência humana]
«Fazer para aprender»
[pela meritória causa, defendida com muito mérito]
«Walter-Ego»
[por ser diferente]
Por ordem cronológica (a minha), aqui vão as 7 nomeações:
«A Revolta das Palavras»
[por todas as razões em geral, e em particular por ter sido aquele que me fez ter vontade de escrever]
«Incursões»
[por muitas razões, e em particular pelos textos do MCR]
«Defensor Oficioso»
[pelo serviço público]
«Diário de um sociólogo»
[por ser uma janela aberta para outros mundos]
«Imenso, para sempre, sem fim»
[pela excelência humana]
«Fazer para aprender»
[pela meritória causa, defendida com muito mérito]
«Walter-Ego»
[por ser diferente]
Citação do dia
Às vezes são afirmações desrazoáveis, outras vezes aquelas para as quais não descortino fundamento, ou me parecem aleivosas, ou ainda absurdas, normalmente são essas que prendem a minha atenção e depois aqui «afixo». Hoje «apeteceu-me algo», tipo «bombom moralizador», algo que me faça ter vontade de continuar, porque nesta vida que eu levo, fazendo o que faço, há dias em que é particularmente difícil manter recto o ângulo. Vagueando na net, um pouco à deriva, fui ter à definição de «carácter» que abaixo transcrevo. Não li o livro, não sei se reproduz o que foi escrito de forma fidedigna, mas ainda assim, aqui fica:
«Obedecer aos próprios sentimentos? Arriscar a vida ao ceder a um sentimento generoso ou a um impulso de momento... Isso não caracteriza um homem: todos são capazes de fazê-lo; neste ponto, um criminoso, um bandido, um corso certamente superam um homem honesto. O grau de superioridade é vencer em si esse elã e realizar o acto heróico, não por um impulso, mas friamente, razoavelmente, sem a expansão de prazer que o acompanha. Outro tanto acontece com a piedade: ela há-de ser habitualmente filtrada pela razão; caso contrário, é tão perigosa como qualquer outra emoção. A docilidade cega perante uma emoção - tanto importa que seja generosa ou piedosa como odienta - é causa dos piores males. A grandeza de carácter não consiste em não experimentar emoções; pelo contrário, estas são de ter no mais alto grau; a questão é controlá-las e, ainda assim, havendo prazer em modelá-las, em função de algo mais.»[Friedrich Nietzsche, in 'A Vontade de Poder']
«Obedecer aos próprios sentimentos? Arriscar a vida ao ceder a um sentimento generoso ou a um impulso de momento... Isso não caracteriza um homem: todos são capazes de fazê-lo; neste ponto, um criminoso, um bandido, um corso certamente superam um homem honesto. O grau de superioridade é vencer em si esse elã e realizar o acto heróico, não por um impulso, mas friamente, razoavelmente, sem a expansão de prazer que o acompanha. Outro tanto acontece com a piedade: ela há-de ser habitualmente filtrada pela razão; caso contrário, é tão perigosa como qualquer outra emoção. A docilidade cega perante uma emoção - tanto importa que seja generosa ou piedosa como odienta - é causa dos piores males. A grandeza de carácter não consiste em não experimentar emoções; pelo contrário, estas são de ter no mais alto grau; a questão é controlá-las e, ainda assim, havendo prazer em modelá-las, em função de algo mais.»[Friedrich Nietzsche, in 'A Vontade de Poder']
Liberdade e Cidadania - Saravá Gonzalo!
Há uns tempos atrás o prof. Gonzalo Ramírez Cleves, autor do blog Iureamicorum, convidou-me a participar no «Encuentro de Blawgs (BB/09) - Bogotá 2009» que irá realizar-se entre os próximos dias 12 e 14 de Agosto, na Universidade da Colômbia. Na altura explicou-me que a participação poderia consistir no envio de um texto, não implicava necessariamente uma presença física no encontro, e este facto, associado, como é evidente, à simpatia do convite, fez-me aceitar, de imediato, o desafio. Infelizmente, lá diz o ditado que «de boas intenções está o inferno cheio», pelo que, em consciência, sou agora forçada a reconhecer que não cumpri minimanente o que prometi. As minhas desculpas ao Gonzalo, com a devida explicação pública, que a circunstância do «Ângulo» estar há largos meses «indexado» ao Encontro, torna necessária: desde que, em Janeiro do ano passado, assumi funções como vogal do Conselho Superior da Ordem dos Advogados, tenho pensado, em várias ocasiões, suspender a minha actividade como blawger. Se tal não aconteceu ainda, é apenas porque há sempre um assunto ou outro que acaba por motivar a minha intervenção, em prol da cidadania, e sem implicar sacrifício do meu dever de contenção e reserva, que a função de juiz, no seio da minha Ordem, agora me impõem. O resultado está à vista. Tenho escrito muito menos, o que, naturalmente, não prejudica ninguém, excepto eu própria, uma vez que, para mim, escrever é, acima de tudo, um exercício de liberdade e de cidadania. Escrever purga-me, manter um «blawg» é a minha maneira de «acertar as contas» com o que me agride, entristece, enfurece, enoja, porque hoje já não vive quem antes, nos dias difíceis, me dizia «já vi que hoje estás zangada com o mundo!» e com isso me ajudava a libertar essa carga. Liberdade e Cidadania são a «substância» deste meu «Ângulo». Liberdade e Cidadania são, igualmente, os valores que estão na base da meritória actividade desenvolvida pelo Gonzalo e demais Companheiros, ao longo deste último ano, promovendo e organizando o Encontro de Blawgs - Bogotá 2009. Do lado de cá do Atlântico, com muita amizade e respeito, aqui fica a minha saudação para todos os blawgers que participam nesse Encontro e muito em particular para o Gonzalo Ramírez Cleves. Saravá Gonzalo!
Xanices
Por razões que agora não vêm ao caso sei que, presentemente, está internado no serviço de cuidados intensivos de um dos principais hospitais de Lisboa um rapaz de 28 anos que, no regresso a casa, vindo do trabalho, teve um acidente e ficou tetraplégico. É pai de duas crianças pequenas. Quando recuperar - se recuperar - irá ser transferido directamente daquele serviço para o hospital de Alcoitão. Se houver vaga, claro... Lembrei-me dele por ter lido aqui, que «vários grandes empresários e os presidentes das Câmaras do Porto e Barcelos» estão dispostos a financiar a viagem de regresso e a proporcionar emprego, alojamento e «boas condições» à cidadã russa que, há uns meses atrás, voltou ao país de origem levando consigo a filha, sensibilizados pelo facto da criança ter sido afastada do casal de portugueses que a teve à sua guarda durante os últimos quatro anos. Correndo o risco de emitir uma opinião herética, que muitos julgarão cruel, pergunto a mim própria o que há assim de tão horrível em ser levado pela mãe biológica para o país de origem, onde vive o resto da família, a ponto de justificar a preocupação dos grandes empresários e presidentes da câmara deste país, como se por cá não existissem situações verdadeiramente trágicas e desesperadas, a merecer atenção. Isto para já não falar noutro tipo de aberrações ...
Junho, 10
Busque Amor novas artes, novo engenho
Pera matar-me, e novas esquivanças,
Que não pode tirar-me as esperanças,
Que mal me tirará o que eu não tenho.
Olhai de que esperanças me mantenho!
Vede que perigosas seguranças!
Que não temo contrastes nem mudanças,
Andando em bravo mar, perdido o lenho.
Mas, enquanto não pode haver desgosto
Onde esperança falta, lá me esconde
Amor um mal, que mata e não se vê,
Que dias há que na alma me tem posto
Um não sei quê, que nasce não sei onde,
Vem não sei como e dói não sei porquê.
Luís de Camões
Pera matar-me, e novas esquivanças,
Que não pode tirar-me as esperanças,
Que mal me tirará o que eu não tenho.
Olhai de que esperanças me mantenho!
Vede que perigosas seguranças!
Que não temo contrastes nem mudanças,
Andando em bravo mar, perdido o lenho.
Mas, enquanto não pode haver desgosto
Onde esperança falta, lá me esconde
Amor um mal, que mata e não se vê,
Que dias há que na alma me tem posto
Um não sei quê, que nasce não sei onde,
Vem não sei como e dói não sei porquê.
Luís de Camões
Nós e os outros
Nas eleições para o Parlamento europeu apenas 43,01 por cento dos cidadãos foram às urnas, e tal correponderá, dizem, à «participação mais baixa de sempre». Há quem veja nesta aberração «vontade de castigar os protagonistas do teatro político». Antes fosse, mas tenho sérias dúvidas. Desconfio que é apenas mais uma manifestação do egoísmo e indiferença que corroem os espíritos dos indivíduos que constituem aquilo que se costuma designar por «sociedade civil». E seria de esperar outra coisa, quando nas instituições, no dia a dia, o que se privilegia, a todos os níveis e em todas as áreas, é a condição de consumidor e se desvaloriza as questões de cidadania? Há umas semanas atrás a notícia era que, no outro lado do mundo, havia gente a fazer quilómetros e a esperar, pacientemente, em fila, só para poder votar. A globalização tem destas coisas: um conceito inventado pelos gregos está, presentemente, a ser aplicado na Índia, com resultados significativamente melhores que na sua origem. E depois ainda há quem se admire do estado da nossa economia, como se esta e a política fossem realidades estanques...
Ignorância cruel
«O ministro do Trabalho e da Solidariedade Social, Vieira da Silva, escusou-se ontem a comentar a decisão da Justiça portuguesa de entregar a menina russa Alexandra à mãe biológica, mas sublinhou que errar "faz parte da natureza humana". Também o presidente da Câmara do Porto, Rui Rio, se referiu ontem ao caso, afirmando que a sentença da Relação de Guimarães mostra "a incapacidade do sistema judicial português" e configura "uma situação verdadeiramente cruel". Rio afirmou-se particularmente chocado com o facto de Gouveia Barros, o juiz responsável pela sentença, ter afirmado que voltaria a decidir da mesma forma perante uma situação semelhante.» [notícia do Público, ed. impressa]
Estou aqui a pensar o que diria o dr. Rui Rio se o juiz em causa se pronunciasse publicamente sobre a forma como ele governa a Câmara em função do que lê nos jornais ...
Estou aqui a pensar o que diria o dr. Rui Rio se o juiz em causa se pronunciasse publicamente sobre a forma como ele governa a Câmara em função do que lê nos jornais ...
Haja paciência!
A imprensa anuncia que uma «mega-estrela» internacional, a viver o que aparenta ser um casamento disfuncional, pretende comprar uma casa no Allgarve para aí passar a residir com os filhos, e as autoridades locais logo rejubilam: “Gostamos que pessoas como ela vivam em Lagos. Ela já demonstrou um forte sentido social. Acho que vai fortalecer os laços familiares.” Pode ser até [digo eu, claro] que resolva adoptar mais umas quantas crianças, que desta forma terão uma oportunidade de escapar a um destino semelhante ao que teve aquela infeliz Joana, que vivia para os lados da Mexilhoeira Grande. Rejubilam, ainda, os incautos leitores, aliviados por descobrir que malgré tout, gente de «categoria» está disposta a viver neste país que outros, na revista ao lado, vêm condenado, porque «o regime acabou, faliu». Nesta Babel mediática, em que diariamente chafurdamos, é difícil ter uma noção minimamente verdadeira do «país real», dos costumes e carácter das suas gentes, mas se tivesse de escolher talvez optasse por esta aqui : mais de 700 pessoas reuniram-se numa quinta isolada para jogar à batota e acabaram vítimas de um assalto perpetrado por 3 deles. Ora é esta mesma multidão de gente anónima, insuspeita, impoluta, gente que todos os dias ouvimos clamar, indignada, e emitir juízos a torto e a direito, sobre tudo e todos, que os media convocam para julgar, no tribunal da «opinião pública», outros que, não sendo «mega-estrelas» populares, serão credores, pelo menos, de respeito. Veja-se, a título meramente ilustrativo, este exemplo. Haja paciência!
Tempos modernos
Um ex-secretário de Estado e ex-presidente de um banco, que se encontra detido à ordem de um processo judicial, foi hoje à Assembleia da República afirmar que um seu ex-colega de governo, presentemente conselheiro de Estado, prestou falsas declarações à dita Assembleia num assunto sobre o qual já se havia pronunciado o vice governador do Banco de Portugal, cuja versão o ex-secretário de Estado, agora ouvido, confirmou. Depois de ler o artigo no Público fiquei para aqui a pensar se todos estes actores agora em cena no palco mediático têm o potencial necessário para destronarem estas outras estrelas dos tempos modernos, ao nível das audiências. Confesso que tenho dúvidas, e o facto de ter dúvidas sobre o que verdadeiramente é importante para os meus concidadãos talvez explique o (mau) estado a que chegou esta República...
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