"Austerity for dummies"

A Senhora Merkel está "convencida" de que Itália vai adoptar plano de austeridade. No dia em que as cotações dos bancos «afundam» e os juros da dívida pública disparam, talvez valha a pena aprender o «significado «económico» da palavra «austeridade» com quem percebe disto:

Romain Gary


«À partida, sou contra todos aqueles que acreditam que têm razão absoluta. [...] Sou contra todos os sistemas políticos que crêem deter o monopólio da verdade. Sou contra todos os monopólios ideológicos. [...] Dão-me vómitos todas as verdades absolutas e as suas aplicações globais. Peguem numa verdade, ergam-na prudentemente à altura da cabeça, vejam quem ela atinge, vejam quem ela mata, quem é que ela poupa, o que é que ela rejeita, cheirem-na longamente, vejam se não cheira a cadáver, provem-na durante um bom bocado sobre a vossa língua - mas estejam sempre prontos para cuspir de imediato. É isso, a democracia. O direito de cuspir [...]». ROMAIN GARY, «L'Affaire homme»

... e que o Santo nos ajude!...



«Vai fazer um ano - falta pouco - que este país assistiu, escandalizado, a um conjunto de medidas legislativas aberrantes, que desferiram um golpe profundo, verdadeiramente lamentável, na santa, na sublime, na gloriosa causa da Justiça.
É o chamado «pacote da Justiça».
Mas uma vez aberto esse pacote, não tinha remédios, tinha era uma caixa de farpas, ou uma pregadeira de alfinetes - como quiserem.
E, muito sinceramente (...) começando pela Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais, como é possível consentir na aprovação de uma lei tão infeliz como esta? (...)
Mas houve pior. E o pior, o diploma mais insultuoso, mais humilhante, mais vexatório, foi aquele que introduziu alterações ao Código das Custas Judiciais.
Precisamente numa altura, até mesmo em termos de direito comparado, em que as tendências vão no sentido da gratuitidade da Justiça, é que entre nós, e bem ao invés, se agravam brutalmente os encargos judiciário-fiscais.(...)
Finalmente - finalmente, porque faz também quase um ano que foi aprovada a respectiva lei de autorização legislativa, embora só em fins de Agosto passado é que se tivesse consumado mais esse crime de lesa-justiça -, a actividade dos Advogados passou a ser tributada também pelo IVA, como se fosse uma outra actividade, como se fosse uma actividade comercial ou uma actividade industrial qualquer. (...)
Pois bem (...): é claro que, nestas circunstâncias angustiosas, neste quadro penoso em que fizeram mergulhar a Justiça, sufocada nas suas mais nobres aspirações por medidas inauditas - medidas que queimam como ferro em brasa - os Advogados tinham de reagir.
E reagiram efectivamente. (...)
E a razão é esta: é que os Advogados estão fartos, os Advogados estão impacientes, os Advogados não podem suportar mais estas tropelias. (...)

Porque nós não vimos fazer reivindicações de aumentos de salários, não vimos fazer reivindicações corporativas. (...)
E não vimos aqui sequer reclamar a adopção, por exemplo, do «numerus clausus» - como condição de regulação do acesso à profissão -, o que poderia ser legítimo, dada a excessiva proliferação de licenciados em Direito e a consequente saturação do mercado. (...)

Quem são os responsáveis? É o Poder, são os governantes, no número dos quais se destacam algumas figuras sinistras, que tudo subordinam, até o Direito, até a Justiça (...) a critérios puramente conjecturais, de natureza economicista e tecnocrática.
E nessas figuras destaca-se o senhor Ministro das Finanças que, visto à luz das suas vaidades, parece um colosso, parece um banqueiro, mas visto à luz das suas ideias é pequenino, não passa de um empregado bancário, como efectivamente é.

(...) Não obstante a simpatia pessoal que tenho pelo Senhor Ministro da Justiça que ainda é a única autoridade que tem distinguido os Advogados com algumas atenções, o Estado, através da péssima actuação do seu Poder Legislativo em matéria judicial, judiciária, deve sair daqui moralmente condenado, nesta Assembleia.»

Não. Embora possa parecer, garanto que não é um excerto do discurso do Dr. Marinho e Pinto, hoje, em Castelo Branco, referido aqui. O que acima reproduzi são excertos de um famoso discurso, pronunciado em 10 de Dezembro de 1988, na Assembleia Geral Extraordinária da Ordem dos Advogados, pelo então Presidente do Conselho Distrital de Lisboa, falecido em Agosto de 2002, o saudoso  Dr. Alfredo Gaspar.  Ou seja, um discurso com 23 anos. Até quando?  

«To be or not to be...»



Em entrevista publicada ontem, no Ionline, o Bastonário da Ordem dos Advogados afirma que a queda do Governo «vai atrasar a revisão dos estatutos», cujo projecto iria ser entregue em breve, e refere, a este propósito: «Vamos fazer algumas alterações do actual a nível da formação. É para que, entre outras alterações, só possam ser admitidas a estágio as pessoas com mestrado, como acontece no Centro de Estudos Judiciários (CEJ)». Ora a questão não é assim tão simples. Se se pretendesse, apenas, alterar as regras sobre o acesso à profissão, então teria bastado ao Conselho Geral subscrever a proposta que foi entregue ao Ministro da Justiça, ainda durante o bastonato do Dr. Rogério Alves. Não é, manifestamente, o caso. O Dr. Marinho e Pinto insiste na ideia de propor ao Governo alterações que vão muito além do mera correcção ou ajuste de regras à realidade actual [como é possível constatar através da análise que os Conselhos Distrital e de Deontologia de Coimbra divulgam aqui] e pretende fazê-lo sem antes submeter tal projecto à discussão, ao arrepio da tradição na OA. O Estatuto da OA é a «Magna Carta» dos Advogados. Impor alterações «de cima», sem a garantia de que são bem vindas e irão ser voluntariamente acolhidas, é transformar a lei em letra morta. Saber isto é o que se espera de um Bastonário ciente do que efectivamente representa o colar que enverga.

Um jornalismo insuportável

«Há uma Justiça para ricos, simpática e deferente, e uma Justiça para pobres, dura, cega e surda», escreveu, indignado, Manuel Catarino, subdirector do Correio da Manhã, no editorial intitulado «Pobres e Ricos», publicado naquele jornal, na passada quinta feira. A afirmação em si não é novidade. Há mesmo quem tenha feito campanha eleitoral sob esta «bandeira». Novidade é o facto deste jornalista ser, tanto quanto recordo, o primeiro a fundamentar a polémica afirmação num caso concreto. Ao que parece, em Agosto de 2007, Nuno Ribeiro, um jovem de Peniche, pintou um grafitti na parede da Escola Secundária desta terra e acabou condenado, em tribunal, numa pena de multa de 313 euros ou, em alternativa, 69 dias de prisão. A este propósito escreveu Manuel Catarino: «A família é pobre. A multa ficou por pagar - e Nuno Ribeiro, obviamente, foi atirado para o calaboiço. Não o condenaram a trabalho comunitário, como as leis penais permitem. Trataram-no como um vulgar criminoso Li e pensei: «que bizarro! será que as coisas mudaram assim tanto desde o tempo em que eu frequentava os tribunais criminais?» Recordei-me que, ainda estagiária, fui nomeada oficiosamente para defender um homem acusado da prática de um crime de dano qualificado (precisamente o mesmo tipo de crime referido no artigo) pelo facto de ter arrancado o auscultador de um telefone de uma cabine, num momento de raiva. É verdade que o processo andou anos pelo tribunal, o julgamento foi várias vezes adiado, mas o colectivo que julgou o caso foi sensível à circunstância de se tratar de alguém sem recursos e mentalmente perturbado e acabou por decidir em conformidade: a vítima informou que os danos já tinham sido ressarcidos e o homem foi mandado, em paz, cuidar da sua vida. Será que os juízes de hoje são assim tão diferentes dos juízes de há 25 anos? Continuei a ler o jornal. Na página 17 fiquei a saber que uma leitora do CM, sensibilizada pela pouca sorte do rapaz, resolveu pagar a multa, pelo que a «Solidariedade tirou jovem da prisão». E aí estava a imagem do jovem Nuno, fotografado à saída da penitenciária, sorridente, cigarro na boca, ternamente abraçado à sua jovem mãe. «Até os detidos na prisão das Caldas se mostraram surpreendidos com a pena» fez o jovem notar, ao CM. Talvez por isso, diz foi bem recebido na cadeia: "Quando apareci no jornal e depois nas televisões, o pessoal passou a comentar mais e a dizer que era uma injustiça eu estar ali".(...) "Foi uma semana tranquila, não houve desacatos, o pessoal mostrou-se amigo e solidário e mostrou algum descontentamento, porque vemos muita pessoa fora que devia estar lá dentro e eu é que fui lá parar".(...) «Agora», remata a notícia, «o jovem de Peniche quer começar a trabalhar. "Encontrar um emprego é do que eu preciso".» A julgar pelo que vejo na foto atrevo-me a dizer que precisa sim senhor, olá se precisa! E precisa, sobretudo, de aprender a trabalhar porque, mais à frente, o próprio Nuno esclarece que, como não tinha meios para pagar a multa, «fez trabalho comunitário. "Estive uma semana no Stella Maris, a fazer limpezas e arrumações, mas desleixei-me"» Ou seja, afinal sempre houve condenação em trabalho comunitário, mas o jovem Nuno... desleixou-se. Esperemos, pois, que a semana passada na cadeia o tenha ensinado a nunca mais se desleixar, em matéria de trabalho. Quanto ao Subdirector do CM, que manifestamente se desleixou na redacção do editorial, espera-se o trabalho de ler até ao fim, e com atenção, as notícias que o próprio jornal publica... Pessoalmente fico à espera que mais alguém se dê ao trabalho de demonstrar que há uma Justiça para ricos e outra para pobres, porque, como se vê, o que a este propósito se tem escrito e dito não passa ( até ver ) de pura demagogia...


Em tempos de globalização, o Pai Natal actualiza-se.


Boa Festas! Bom Ano! :-)

Breve ensaio sobre a cobardia, com ilustração

O meu Avô materno - que nasceu no início do século passado e considerava o Direito um assunto desapropriado para mentes femininas (e ainda assim, lá mais para o fim da vida, reconsiderou esta opinião), e de quem ouvi contar intervenções em episódios épicos, ocorridos em batalhas campais, à entrada e à saída dos jogos de futebol - desde sempre e até ao fim revelou o maior desprezo por homens que batiam em mulheres, que dizia ser a pior forma de cobardia. E contava-nos que o pai, meu Bisavô, uma vez repreendeu um familiar próximo que, em casa dele, ousou dar um tabefe na mulher. «Na minha casa, não!», disse. E na casa dele, de facto, tal nunca aconteceu. Interrogo-me sobre o que ambos pensariam destas imagens, ainda que a vítima não fosse uma mulher. Há cobardias particularmente insidiosas, que nenhuma diferença cultural, civilizacional ou religiosa torna aceitáveis ou, sequer, explica. Nenhuma, mesmo!  


O iceberg

No passado dia 10 de Dezembro foi publicado, na IIª série do Diário da República, o novo Regulamento Disciplinar da Ordem dos Advogados . Reparei, hoje, que embora o texto já se encontre disponível no Portal (cfr. aqui) não há qualquer alusão ao facto na página inicial, pelo que o assunto facilmente passará despercebido a eventuais interessados. Foram, ainda, introduzidos na base de dados de jurisprudência dois pareceres e acórdãos do Conselho Superior, aprovados no corrente triénio. Apenas dois, por manifesta incapacidade dos (inexistentes) serviços deste Conselho para proceder ao trabalho de edição, face ao volume de trabalho existente. Aqui fica o heterodoxo registo, para memória futura, da parte visível do trabalho do Conselho Superior durante este triénio.

Valores, atitudes e padrões de comportamento

Taxa de juro da Alemanha, padrão de consumo da Suécia e produtividade de Marrocos. Reconhece? Pois... Não desespere.  Existe uma receita para se sair disto, surpreendentemente simples, ao alcance de qualquer mente. Vale a pena ouvi-lo. Mesmo! 


Os meus delitos

Fomos condiscípulos, já lá vão trinta anos, e depois cada um seguiu o seu caminho. Actualmente  é jornalista do DN e escreve em muitos outros sítios.  Encontrei-o, há uns tempos,  na blogosfera, e apreciei-lhe os textos antes de saber que o conhecia. As circunstâncias em que ocorreu o «reconhecimento mútuo» estão melhor explicadas no texto que me convidou a escrever para o blog DELITO DE OPINIÃO, uma das suas múltiplas «casas», que habitualmente frequento. Esforcei-me por disfarçar o facto de ter sido a simpatia por um laço, que nos une a um já longínquo passado comum, que motivou o convite, mas sou péssima a disfarçar, e acabei a escrever sobre homens em fúria. Não tenho emenda... Obrigada, Pedro, foste amigo!

«In memoriam» do meu General - 2



1944-2005

Se é a primeira vez que é "patrona" permita-me, em termos gerais dizer que lhe caberá transmitir ao seu estagiário os conhecimentos que adquiriu no exercício da profissão.
Mas, se me permite, não fique por aí: veja no estagiário aquilo que a Colega já foi. Tente recordar-se dos seus "medos", das suas "angústias", dos problemas que teve, das dificuldades que sentiu no seu tempo de estagiária.
Veja no estagiário um amigo mais novo que precisa da sua ajuda. Tenha o estagiário como um "compagnon de route" com o qual compartilha as suas próprias dificuldades, as suas vitórias e também as suas derrotas.
Digo-lhe mais, veja no estagiário alguém com quem nós também aprendemos. Pessoalmente assumo que o pouco "penal" e "processo penal" que sei o devo aos meus estagiários por compartilhar as vivências profissionais deles.
Tenha com o seu estagiário uma relação de "ensino/aprendizagem" mas permita-me que sugira que a "tempere" com uma relação "de afecto".
[ José Carlos Mira, conselho que uma vez deu a uma novel patrona, sua antiga formanda, que o procurou, via CFO, buscando orientação]

Independência ou morte!

Amanhã, na Ordem dos Advogados, vamos a votos. A pretexto disto escreveram-se livros, denegrindo o bom nome e a imagem de pessoas sérias, forjaram-se independências, inventaram-se mitos e cabalas. A Ordem dos Advogados é apenas e tão somente a associação pública que assegura a auto-regulação dos Advogados, e desta forma garante a independência de uma profissão que é essencial para o exercício de direitos fundamentais dos cidadãos, e para o funcionamento do Estado de Direito. É uma instituição com atribuições legais muito específicas e espera-se que as cumpra. Não se destina a advogar «pro bono» as posições de um primeiro ministro caído em desgraça, nem a proporcionar, diariamente, uma manchete que venda jornais a uma cada vez mais pujante e incógnita «quinta coluna». A Ordem não pode ser um instrumento ao serviço de um poder qualquer. A Ordem existe para defender os Advogados de todos os poderes. Por isso hoje aqui afirmo, muito claramente:  Independência ou Morte! Amanhã continua.  


Chovendo no molhado...

Em Agosto do ano passado divulguei aqui um Acórdão do actual Conselho Superior, e esclareci que o mesmo havia sido publicado na Revista da Ordem dos Advogados, mas apenas aí, na altura a pretexto das alterações que estavam a ser introduzidas no portal da OA, conforme informação que me foi prestada pelo membro do Conselho Geral que dirige os serviços do portal. Mais de um ano depois, o portal está reformatado mas a totalidade da jurisprudência do actual Conselho Superior continua por divulgar, com excepção dos três Acórdãos, publicados na Revista da OA, dois dos quais muito recentemente. Ora, ao contrário do que acontece com o Boletim, a Revista não é recebida pelos advogados com inscrição mais recente e (pelo menos por ora) nem sequer está disponível on-line. Atendendo ao manifesto interesse público da (e na) jurisprudência em causa, pareceu-me útil repetir com estes dois Acórdãos o que fiz com o anterior, ou seja, disponibilizar on-line os respectivos conteúdos. O primeiro, que agora divulgo, foi relatado pelo Vice Presidente da Secção que integro,  Dr. João Vaz Rodrigues. À semelhança do que fiz anteriormente, transcrevo, a seguir, o sumário e deixo o link para o sítio onde o parecer pode ser lido na íntegra

Sumário: Desencontros deontológicos. Quando um atraso descamba em falta de comparência em Audiência de Discussão e Julgamento: o sentido e alcance do preceituado nos arts. 155.º, n.º 1, do CPC; e no art. 312.º, n.º 4, do CPP. De atraso em atraso se macula a Justiça Deontológica, mas, alguma vez se limam as unhas que arranham os que a ela se entregam… Segue um apelo aos Homens Bons das Mesas destas Casas.

O povo existe. Logo, a nação existe.


Pergunta-me V. de onde resulta a minha inabalável fé.
De onde resulta?
Resulta da confiança que tenho em mim mesmo e que tenho no povo.
O povo não existia. Enquanto ele esteve em formação, no mistério em que se gerava, longe das nossas vistas, muitas vezes a minha fé foi abalada, muitas vezes perguntei a mim mesmo se o nosso pensamento de ressuscitar esta nacionalidade não seria um sonho.
Mas ele apareceu, de um dia para o outro, adulto, e desde então não há mais razão para duvidar.
O povo existe. Logo, a nação existe.
O que o faz duvidar a si, meu caro pessimista, é que, quando V. considera a nação nunca considera o povo, que é no entanto, a sua parte principal.
V. considera as classes superiores, reconhece-as cada vez mais numa decadência lastimável, e como, no seu falso ponto de vista, as classes superiores constituem a nação, V. conclui que a nação está perdida e nada há a fazer dela.
Tudo vem de que V. desconhece o povo, tudo vem de que a sua educação aristocrática e pedante não o habilitou a conhecer, tudo vem de que V. no fundo o despreza.
Para V. o povo continua a sua tradição miserável e não tem papel a desempenhar. Não constitui o fundo social, o seu fundamento, a sua base, mas uma vasa, uma escória.
Dir-se-ia que V. é um individualista, mas não é. É apenas um entendimento afidalgado, que não reconhece a sociedade senão nas elites e para quem tudo o mais é plebe. No seu conceito, a sociedade, toda ele, só seria digna se fosse uniformemente constituída por doutores.
Não é isto?
É isto.
V. considera a sociedade e o que vê? Vê os doutores em falência, patinhando em mediocridade e em corrupção, e deixa pender a cabeça, deixa pender os braços, declara tudo perdido.
Ao povo, a esse, não o vê. Os seus olhos não o atingem.
O povo é a ignorância, diz V., e o que pode a ignorância da nação?
(...)
V. desdenha-o. No entanto, ele é a nossa força social por excelência. Tudo o mais, mesmo o que lhe pareça maior, é nulo. Dê-me os melhores homens de Portugal, as suas maiores capacidades, as suas maiores actividades e não me dê o povo dos nossos dias e Portugal é um país perdido e Portugal é um país morto. Dessas unidades sociais não sairia a sua redenção.
Quem governa Portugal é o povo. É o povo quem decide o seu destino. O José Luciano parece-lhe talvez ainda um personagem consideravelmente influente na sociedade portuguesa. Como se equivoca! O José Luciano não tem influência alguma. O seu sapateiro tem-na muito maior. 
(...)     

João Chagas, Elogio do povo, em forma de carta a um pessimista, in O ano de 1909, coordenação, pesquisa e selecção de Manuela Rego, Biblioteca Nacional de Portugal, Lisboa, 2009, p.68-69 


2 + 2 = ... 5 ?

Ensinaram-me os mais antigos que um Advogado não comenta processos pendentes, e eu sempre respeitei esta regra. Não será agora que vou quebrá-la. Limitar-me-ei, por isso, a enunciar três factos relacionados com este assunto, todos eles públicos.

No editorial do mais recente Boletim da Ordem dos Advogados (com o n.º 71), escreveu o  Bastonário em funções:



Do «programa de acção» apresentado à classe, em 2007 (ainda disponível aqui) consta, a este propósito, o seguinte parágrafo:

Recurso suspensivo da suspensão preventiva
Proporemos uma alteração ao Regulamento Disciplinar da OA no sentido de ser atribuído efeito suspensivo da decisão que aplicar a suspensão preventiva, prevista no artigo 35º do RD. Nos termos do artigo 71º nº 2 só têm efeito suspensivo os recursos interpostos pelo Bastonário ou os recursos interpostos das decisões finais. Ora, de acordo com os artigos 134º e 135 do RD, a suspensão preventiva é considerada como um incidente no processo disciplinar e como tal só origina decisões interlocutórias.
Não é admissível que uma medida de tamanha gravidade e com consequências tão drásticas para um advogado possa produzir imediatamente todos os seus efeitos, sem ser escrutinada em via de recurso por uma instância superior.

Em Maio de 2009 - como certamente alguns recordarão - foi divulgado um projecto de alteração do Estatuto da Ordem dos Advogados, que o então Ministro da Justiça havia enviado, para apreciação, aos demais operadores judiciários. Veio a saber-se que os autores do projecto em causa eram o actual Bastonário e Conselho Geral, que o haviam remetido ao Ministério da Justiça,  sem prévio conhecimento dos advogados ou, sequer, dos demais órgãos.  O texto do projecto em causa encontra-se, ainda, disponível aqui e aqui.

Vem a propósito, agora, referir que uma das alterações propostas pelo Bastonário e Conselho Geral visava, precisamente, a introdução, no art.º 149.º do EOA, relativo à suspensão preventiva dos advogados, em processo disciplinar, de um novo parágrafo, com o n.º 6, no qual se prevê a possibilidade de recurso,  com efeito devolutivo,  da decisão que aplique uma medida de suspensão preventiva. O texto é este: 


É de notar, ainda, que no projecto em causa se propõe, igualmente, o aditamento, ao n.º 1 do art.º 159.º do EOA, da expressão «excepto se a sua retenção os tornar inúteis», pelo que, em caso de aprovação,  a redacção passaria a ser a seguinte:


Claro, não é? Pois... 
 

Levar a carta a Garcia


Começa assim:

«Está a expirar o meu mandato como Presidente do Conselho Superior da Ordem dos Advogados. Não me candidatei a qualquer cargo na nossa Ordem. Tinha há muito anunciado que assim seria. Em breve voltarei ao meu lugar de simples Advogado que sempre fui, ao lado de milhares de Colegas de quem sou um igual companheiro. Esta carta à classe não é forma de intervenção eleitoral. Como Presidente do Conselho Superior não apoio nenhuma lista nem qualquer candidato. Como Advogado decidirei na hora do voto.

No início das férias judiciais, o Bastonário em funções, Dr. Marinho e Pinto, em que me dedica e ao Conselho Superior a que presido um capítulo. Chama-lhe «Uma página de ingnomínia na História da Ordem dos Advogados (...) »
[continua aqui]

A divulgação desta carta foi, como é habitual, solicitada ao Bastonário e  Presidente do Conselho Geral,.já que o Conselho Superior não dispõe de meios próprios para o fazer. Do teor da mesma foi dado conhecimento aos demais titulares dos órgãos da Ordem. Neste momento (e  até ver...) a carta pode ser lida apenas nos sites dos Conselhos Distritais. A julgar pelo que aconteceu no passado, arrisco-me a prever que é bem provável que fique assim...

Obscurantismo linguístico

Já leste o Diário da República, hoje? perguntaram-me. Não tinha lido. Fui ver e lá estava: um link a castanho para cada diploma, com esta fascinante descrição : «resumo em português claro». Um achado, é o que é! Quer então dizer que o legislador escreve em português obscuro? E que tal obrigar o legislador a escrever em português simples? E depois ainda há os que ajudam a aumentar a complicação, com uma obscura retórica sobre separação de poderes... Que Deus nos ajude!...

«Quousque tandem abutere...»

Diz que está «à espera da primeira voz que se erga a dizer que alguma coisa que ali está não é correcta, ou não é verdadeira». O meu problema é não saber por onde começar. Talvez pela pág. 147, onde afirma que a Vogal Secretária do CS (eu, à data) participou «por o Bastonário não ter respondido a uma interpelação feita aos órgãos de comunicação social, pelo próprio Presidente do Conselho Superior». Sobre isto tenho a dizer o seguinte:  é verdade que subscrevi a participação que deu causa a este processo, mas é absolutamente falso que a participação tenha este fundamento . Desafio-o, por conseguinte, a tornar pública cópia do documento em causa, para que se veja. E já que entendeu referir-se publicamente a este assunto e está a usá-lo como tema de campanha eleitoral, seria conveniente que descrevesse (de forma rigorosa, entenda-se) a evolução que o processo disciplinar teve e o estado em que se encontra, indicando, designadamente, se constituiu mandatário/a(s) para assegurar a sua defesa. E se constituiu, então que o/a(s) identifique muito claramente . Se quer mesmo que a verdade se saiba, então faça o favor de a contar toda!

«Pela boca morre o peixe»...

Depois de divulgar que a advocacia portuguesa é «das mais permeáveis ao fenómeno da corrupção a nível mundial, aproximando-se à praticada em países como Paquistão, Rússia ou Nigéria», o Jornal de Notícias veio esclarecer que, afinal, o "estudo internacional", cujas conclusões divulgou, não tem credibilidade, face ao número de advogados que responderam ao inquérito. Confesso a minha enorme curiosidade relativamente à identidade dos inquiridos, sabendo, como sei, que na elaboração deste tipo de análises é costume recorrer-se a dados fornecidos por entidades que representem os sectores de actividade em causa. Ou será que os autores do dito "estudo" se limitaram a colher, dos jornais, as declarações do dr. Marinho e Pinto sobre esta matéria ao longo dos últimos anos, como por exemplo esta? E se pensarmos que o dr. Marinho e Pinto é, actualmente, o Bastonário em exercício, à procura da reeleição, e um dos autores de artigos de opinião do JN, a notícia não podia ser mais inoportuna, e o embaraço da direcção do jornal compreensível...

Alterar a tradição na OA - revisitando a ideia

Em 29 de Maio de 2007, numa das primeiras mensagens que dirigiu aos Colegas, através do blog «Ordem na Ordem», o Dr. José António Barreiros enunciou aquele que veio a ser o principal lema da campanha que conduziu à eleição do actual Conselho Superior da Ordem dos Advogados: «Iremos a sufrágio directo, em condições de plena autonomia, e [urge repeti-lo] não como uma lista de candidatos do candidato a Bastonário. Isto não é uma desconsideração a ninguém, é o máximo da consideração pela Ordem e por quem elege. Porque queremos alterar a tradição? Porque conhecemos as actuais circunstâncias que aconselham a separação de poderes, a existência de mecanismos internos de controlo, a diferenciação clara entre o jurisdicional e o executivo.» (cfr. aqui)  Três anos volvidos, nove dos vinte e dois membros que actualmente integram este Conselho - entre os quais eu própria - aceitaram recandidatar-se numa lista que se apresenta a sufrágio integrada numa candidatura a bastonário. Oportunismo eleitoral? perguntarão os mais atentos. Não querendo responder pelos oito que acompanho  [nem tal seria próprio, tratando-se de matéria do estrito foro pessoal],  entendo dever uma explicação a todos os Colegas que, há três anos, eventualmente decidiram o sentido do voto no Conselho Superior também por mim.
Começo por esclarecer que não mudei de opinião relativamente à  necessidade de garantir a absoluta separação entre o poder jurisdicional e o poder executivo no seio da Ordem dos Advogados. Entendo até que acontecimentos recentes evidenciam a urgência de assegurar que tal separação é efectiva. Refiro-me, muito concretamente, ao recente «incidente Neto Contente». Mas sei (saber de experiência feito) que para tal ser possível é necessário eleger, também, um Bastonário e um Conselho Geral que ofereçam garantias de respeitar a lei e, muito particularmente, as competências que esta atribuiu aos demais órgãos da OA.  Mais. A Ordem dos Advogados precisa de um Bastonário e de um Conselho Geral que viabilizem as alterações estatutárias necessárias para tornar efectiva a separação entre o jurisdicional e o executivo,  dotando os conselhos jurisdicionais dos meios indispensáveis para este efeito. Não tenho a menor dúvida que tal acontecerá se o Dr. Fernando Fragoso Marques vier a ser, como espero, o próximo Bastonário da OA, não só porque já assumiu expressa e publicamente tal propósito, mas também porque a sua actuação no passado, enquanto Presidente do Conselho Distrital de Lisboa, é disso garantia.
Tendo presente o que foi a História da Ordem neste último triénio, insistir na ideia de que é indiferente ao poder jurisdicional saber quem detém o poder executivo, só pode ser explicado por distracção extrema relativamente ao que se passou, ou então por manifesto oportunismo eleitoral. Não quero ser acusada de nada disto. Não sou capaz de fazer de conta que nada se passou nestes últimos três anos e, menos ainda,  passar por aquilo que não sou. Quero que as minhas opções, assumidas em consciência, sejam bem claras. Os eleitores, ponderando em consciência,  que decidam. 

Vitórias de Pirro

«O Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa indeferiu, na semana passada, uma acção intentada contra a Ordem dos Advogados por sete licenciados em direito que pretendiam inscrever-se no estágio da OA sem efectuarem o respectivo exame nacional de acesso.
A pretensão dos autores (todos licenciados já depois da entrada em vigor do chamado Processo de Bolonha) foi levada a tribunal sob a forma de uma intimação para a protecção de direitos liberdades e garantias, com o objectivo de obrigar a Ordem dos Advogados a aceitar a sua inscrição sem antes efectuarem o respectivo exame nacional.
A forma de processo adoptada foi precisamente a mesma que duas outras licenciadas em Direito usaram, há cerca de seis meses, e à qual o mesmo Tribunal de Círculo (embora em outra Unidade Orgânica) dera provimento.
Na decisão proferida esta semana, o tribunal absolveu da instância a Ordem dos Advogados por, entre outras razões, entender que «(…) das posições assumidas pelas partes na presente acção não resulta evidente a procedência da pretensão formulada ou a formular no processo principal» pelos autores. Sublinhe-se ainda que os autores tinham efectuado o exame nacional de acesso ao estágio e tinham reprovado.(...)» [António Marinho e Pinto, em comunicação dirigida aos Advogados, disponível aqui]

E o que diz a decisão em causa?  (texto integral disponível aqui

Depois de julgar verificada a impropriedade do meio processual utilizado pelos autores, o Tribunal acrescenta:
«Importa, por isso, verificar da possibilidade de convolar a presente acção administrativa em acção ou providência cautelar, com decretamento provisório, tal como requereram os AA., o que implica aferir se a petição inicial contém os elementos necessários para o efeito, designadamente, previstos nos art.ºs 72.º e 73.º e 120.º e 131.º do CPTA.
E desde já se pode afirmar que a resposta é negativa.
Com efeito, no que respeita à convolação em acção de impugnação de normas não é possível retirar do alegado na petição inicial se os AA. pretenderiam obter a declaração de ilegalidade com força obrigatória geral da norma regulamentar em referência ou a declaração da ilegalidade da mesma apenas com efeitos circunscritos aos seus casos em concreto, que têm pressupostos distintos e que não se encontram minimamente preenchidos, face ao alegado.
No que respeita à hipótese de convolação em providência cautelar é de referir que das posições assumidas pelas partes na presente acção não resulta evidente a procedência da pretensão formulada ou a formular no processo principal pelos ora AA., pelo que não seria possível aplicar o critério de decisão previsto na alínea a) do n.º 1 do art.º 120.º do CPTA.
Sendo vários os AA., na petição inicial apenas são indicadas as datas em que cada um concluiu a respectiva licenciatura, nada sendo alegado quanto à situação profissional, patrimonial e pessoal que permita aferir em que termos a não admissão ao estágio poderá constituir um prejuízo de difícil reparação para cada um (repete-se), para efeitos de se considerar demonstrada a situação de periculum in mora, previsto nas alíneas b) e c) do n.º 1 do citado art.º 120.º, situação que obstaria ao decretamento das providências requeridas.
As razões invocadas supra para se considerar que não foi demonstrada a necessidade de uma tutela urgente, ao abrigo do art.º 109.º, valem para efeitos da não aplicabilidade ao caso do art.º 131.º do CPTA.
O exposto é suficiente para que se considere não ser possível aproveitar a petição inicial para, a partir dela, se alicerçar forma processual ajustada, não se encontrando preenchidos os pressupostos constantes do n.º 1 do art.º 109.º do CPTA, deve a Entidade demandada ser absolvida da instância.(...)»

[Para melhor esclarecimento, transcreve-se o n.º 1 do art.º 109.º do CPTA: «A intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias pode ser requerida quando a célere emissão de uma decisão de mérito que imponha à Administração a adopção de uma conduta positiva ou negativa se revele indispensável para assegurar o exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade ou garantia, por não ser possível ou suficiente, nas circunstâncias do caso, o decretamento provisório de uma providência cautelar, segundo o disposto no artigo 131.º.»]

Confesso que não aprecio nem um bocadinho que  me tomem por estúpida...