Para aqueles que, eventualmente, se interroguem sobre a finalidade das reuniões entre as «figuras cimeiras da Justiça» neste final de legislatura, as últimas notícias têm sido bastante esclarecedoras. O bastonário da Ordem dos Advogados esclarece que se tratou de «discutir e analisar "os principais problemas e bloqueios da Justiça"» [cfr. aqui]. Tal explicação causou estranheza, na medida em que não se percebe bem o que há para discutir com um governo que já não legisla. Perguntado o procurador geral da República sobre o mesmo, eis a resposta: «Acertou-se que se irá propor ao Governo que vier, seja de que partido for, que antes (de se aprovarem) as leis que traçam as grandes linhas haja uma reunião entre o poder politico, o presidente do Supremo Tribunal de Justiça, o procurador geral da República e o bastonário da Ordem dos Advogados"» [cfr. aqui]. Desta vez a minha perplexidade resulta da circunstância do ministro pertencer ao governo cessante e não ao governo eleito, pelo que sempre faria mais sentido que, a terem lugar agora, estas conversas envolvessem os líderes de todos os partidos e não o ministro que está de partida. Ou não? Enfim... Pelas minhas contas, só falta mesmo saber o que responderá o presidente do Supremo Tribunal de Justiça, dr. Noronha do Nascimento. Desconfio que a resposta dele é bem capaz de ser esta: o objectivo da reunião foi permitir aos co-autores autografar os exemplares do livro que irão ser gentilmente oferecidos pelo ministro da Justiça :-)
Notas soltas
Nos Cadernos de Filosofia Extravante [um dos blogs onde, ultimamente, tenho encontrado refúgio, cansada que estou de ler comentários sobre comentários de comentários, numa nauseante espiral de manipulação de factos e ideias que parece ter infectado, de forma irremediável, a blogosfera portuguesa] encontrei hoje um texto de Pedro Sinde sobre «a facilidade do mal». Foi dele que, ainda há pouco, me lembrei quando, ao passar os olhos pelos títulos dos jornais, encontrei, no jornal Ionline, esta peça sobre uma das notícias que durante a semana que agora finda mais comentada foi pela intelligentia [como se constata, por exemplo, aqui ]. A excelência do artigo não assenta, como é evidente, na história em si, mas antes na quantidade de informação que disponibiliza e na forma como é «servida» ao leitor. Fez-me vir à memória o que Irene Lisboa explicou aqui, a propósito das suas «Crónicas», designadamente, que nelas se havia subordinado à «observação desinteressada e a uns laivos de crítica». E não será isso o que se espera da Imprensa, seja ela oral ou escrita? Relatar factos, aditando ao relato uns laivos de crítica q.b., apenas o estritamente necessário para induzir o leitor a reflectir sobre o narrado, não é esta a função do jornalista? Perguntarão os entendidos que sei eu para poder dar palpites sobre um mister que não é o meu, para o qual não fui treinada, e de facto assim é. Mas será que algum deles me explica por que razão este foi o único artigo que me fez vislumbrar a realidade que existe para lá das palavras? E que realidade! O mal mais absurdo, na sua forma mais desvairada...
Conversas em família
Parece que «durante um ano, e mais ou menos uma vez por mês, Alberto Costa, Noronha do Nascimento, Pinto Monteiro e Marinho e Pinto jantaram juntos e discutiram o estado da Justiça», a convite do primeiro. Destas conversas informais terá resultado um livro, em co-autoria, que «é para oferta e não vai ser posto à venda». Que pena! Não tenho a menor dúvida que seria um best-seller e em ano de eleições sempre seria uma contribuição positiva para a diminuição do défice...
Taxitramas
Mauro Edson Santana Castro tem 42 anos, é taxista em Porto Alegre e autor de um dos seis mais populares blogs do Brasil, descobri hoje, aqui. Mauro escreve crónicas, o seu género literário preferido. Diz ele que o escritor que mais admira é «o David Coimbra, que é o editor de esportes do Jornal Zero Hora.» E acrescenta: «Não sou um cara que lê autores clássicos. Já compararam meus textos com Tchekhov, Nelson Rodrigues e um monte de outros escritores que, infelizmente, nunca li.» Mauro prefere escrever crónicas porque «A ficção precisa ser verossímil, a realidade, não.» Identifica-se como «um taxista/blogueiro. Nessa ordem.» Regressada na passada sexta feira ao ram-ram do meu dia-a-dia, tentei hoje passar os olhos sobre os registos bloguísticos da season eleitoral mais silly de que guardo memória, mas acabei fugindo para a esquina da rua Saldanha Marinho com a avenida Getúlio Vargas, onde peguei o «Taxitramas» do Mauro, para descobrir que «a corrida perfeita acontece em um dia de sol. Mas não um sol escaldante de verão. A corrida perfeita acontece em meados de agosto, quando o sol aquece o táxi apenas o suficiente para lembrar que o inverno está acabando (...)». Fiquei aqui a pensar que além de inverosímil, a realidade não impede um homem de sonhar. Grande Mauro!
Advogar no séc.XXI : a consulta jurídica on-line
Em 16 de Dezembro de 2006, em resposta a alguns comentários ao meu post sobre um artigo então publicado no jornal Expresso, nos quais se questionava a adequação do EOA às novas realidades da advocacia, escrevi o seguinte: serão as regras do EOA que estão a ficar obsoletas, ou o problema é a forma como se estão a interpretar e aplicar essas regras? Designadamente, e no que concerne ao princípio da confiança advogado/cliente, será que a regra constante do EOA impede, em abstracto, as consultas on-line, como parecem sugerir os comentários de alguns colegas? Ou isso dependerá da forma como, em concreto, essas consultas se realizarem? Ou, de forma ainda mais directa, o problema está nas regras ou em quem as aplica? Pois bem, volvidos quase três anos sobre essa data, é com alegria que constato que foi aprovado pela 1ª Secção do Conselho Superior um parecer onde, tanto quanto recordo, pela primeira vez se aborda o problema da consulta jurídica on-line como eu sempre desejei ver abordado. Sinto-me perfeitamente à vontade para o afirmar na medida em que não tive a mais leve intervenção, quer na sua elaboração, quer na sua aprovação, o que me é particularmente grato, por tornar evidente que não estou sozinha quando afirmo não me sentir tolhida pelas regras estatutárias no enquadramento deontológico das novas realidades da advocacia, nomeadamente as decorrentes das inovações tecnológicas. O Parecer, da autoria do Dr.Pedro Alhinho, está publicado na Revista da Ordem dos Advogados de Janeiro/Março/Abril/Junho 2009, recentemente distribuída, mas apenas aí, já que a única jurisprudência do Conselho Superior que, presentemente, se encontra disponível no site da OA respeita aos triénios 2002-2007. O interesse da matéria e a superior qualidade do Parecer (e não estou a referir-me à natureza do órgão) impunham, a meu ver, outro tratamento, mas manda quem pode... Por isso decidi chamar a atenção para a sua existência e facultar o acesso on-line à versão integral, que passa a estar disponível aqui. Eis o sumário:
1. A disponibilização por sociedade de advogados do serviço de prestação de consulta jurídica online, a título oneroso, não constitui forma ilícita de angariação de clientela.
2. A referência ao preço do serviço de consulta jurídica online, pelo qual é prestada resposta a questões jurídicas, com indicação do direito aplicável e das orientações jurisprudenciais, sem análise de documentação ou intervenção de advogado, constituí um elemento objectivo de informação de divulgação permitida.
3. A pré-fixação do preço do serviço com as características indicadas, por delimitado o campo da consulta ao esclarecimento de questões jurídicas, é conforme às disposições estatutárias em matéria de honorários.
1. A disponibilização por sociedade de advogados do serviço de prestação de consulta jurídica online, a título oneroso, não constitui forma ilícita de angariação de clientela.
2. A referência ao preço do serviço de consulta jurídica online, pelo qual é prestada resposta a questões jurídicas, com indicação do direito aplicável e das orientações jurisprudenciais, sem análise de documentação ou intervenção de advogado, constituí um elemento objectivo de informação de divulgação permitida.
3. A pré-fixação do preço do serviço com as características indicadas, por delimitado o campo da consulta ao esclarecimento de questões jurídicas, é conforme às disposições estatutárias em matéria de honorários.
OA - Assembleia Geral
Por concordar com a necessidade de se proceder à divulgação do Comunicado do Presidente do Conselho Superior sobre a Assembleia Geral, convocada para o dia 10 de Setembro de 2010, passo a transcrever o texto do comunicado, já disponível nos sites de alguns Conselhos Distritais.
Exmos. Senhores
Presidentes dos Conselhos Distritais de
Açores
Coimbra
Évora
Faro
Lisboa
Madeira
Porto
da Ordem dos Advogados
Lisboa, 10.08.09
Meus Exmos. Colegas
Na sua reunião plenária, de 3 de Julho do corrente, o Conselho Superior deliberou, ao abrigo de disposições legais que indicou no respectivo acto, convocar uma Assembleia Geral dos Advogados com a seguinte ordem de trabalhos: «apreciar a proposta de alteração do Estatuto da Ordem dos Advogados apresentada ao Governo». Na verdade, como é facto público e notório, o Senhor Bastonário havia submetido ao Governo, sem prévio conhecimento da classe e discussão pela mesma um projecto de alteração ao Estatuto que procedia a significativas modificações do mesmo.
Nos termos estatutários [artigo 35º, n.º 1 do EOA] tal convocação teria de ser publicada no portal da Ordem dos Advogados e num jornal diário com âmbito nacional de circulação até trinta dias antes da data fixada para a efectivação da mesma.
Dado que o Conselho Superior não tem autonomia de meios, solicitei ao Senhor Bastonário que ordenasse a execução da deliberação do Conselho Superior na parte respeitante a esta publicação, o que integra aliás encargo a que se encontra adstrito por força do estatuído na alínea e) do n.º 1 do artigo 39º do EOA.
Até ao dia de hoje o Senhor Bastonário não só não deu satisfação ao solicitado como não deu qualquer resposta aos pedidos de informação que lhe dirigi, por email e por carta, com o propósito de indagar o que se passava a tal propósito: assim nem sequer na página privativa do Conselho Superior a deliberação do mesmo está publicada, o que traduz óbvio acto censório quanto mais no portal da Ordem e nada surgiu em qualquer periódico. O conhecimento que se conseguiu foi a informação amavelmente prestada através dos Conselhos Distritais.
Importa, aliás, que se saiba que o acesso pelo Conselho Superior à sua própria página no portal da Ordem está neste momento dependente de pedido casuístico ao Senhor Bastonário, por decisão sua. E todo o expediente e correio que é dirigido ao Conselho Superior ou ao seu Presidente é recebido em serviços que não são privativos do Conselho Superior, chegando-se ao limite de a própria notificação que referimos ter recebido, como entrada, a única que o Senhor Bastonário consente que exista, a do «Conselho Geral».
Sucedeu foi que no dia 28 de Julho recebeu-se no Conselho Superior uma notificação, oriunda do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, segundo a qual o Senhor Bastonário, declarando agir em representação da Ordem dos Advogados, propunha uma providência cautelar que visava fazer decretar judicialmente a suspensão da eficácia da deliberação de convocação da Assembleia Geral a qual, como resulta do acima exposto, está privada de eficácia, por acto seu, visto ter decorrido o prazo em que tinha de ser formalizada a publicação da convocação sem que a mesma tivesse sido intencionalmente efectuada.
Através de Colega «pro bono» que para o efeito se mandatou o Conselho Superior entregou já a sua resposta em juízo na passada sexta-feira e aguarda serenamente decisão judicial e a evolução do caso. Abstemo-nos, por compreensível impossibilidade de o fazer, de dar qualquer informação sobre o conteúdo das providências.
Serve assim a presente para, em nome do interesse público, informar os Exmos. Colegas desta pendência judicial e da medida em que a mesma compromete, por facto consumado, a realização da Assembleia Geral que se encontrava convocada. Nenhum outro comentário nos é permitido fazer nem o faríamos nesta sede.
Rogo pois a Vossas Excelências, Senhores Presidentes, a gentileza de circularem pelos Colegas, nomeadamente através da sua publicação nas páginas de que dispõem no portal da Ordem dos Advogados, esta minha comunicação, de modo a que toda a classe possa ter acesso ao que julgamos de conhecimento relevante.
Nos termos estatutários [artigo 35º, n.º 1 do EOA] tal convocação teria de ser publicada no portal da Ordem dos Advogados e num jornal diário com âmbito nacional de circulação até trinta dias antes da data fixada para a efectivação da mesma.
Dado que o Conselho Superior não tem autonomia de meios, solicitei ao Senhor Bastonário que ordenasse a execução da deliberação do Conselho Superior na parte respeitante a esta publicação, o que integra aliás encargo a que se encontra adstrito por força do estatuído na alínea e) do n.º 1 do artigo 39º do EOA.
Até ao dia de hoje o Senhor Bastonário não só não deu satisfação ao solicitado como não deu qualquer resposta aos pedidos de informação que lhe dirigi, por email e por carta, com o propósito de indagar o que se passava a tal propósito: assim nem sequer na página privativa do Conselho Superior a deliberação do mesmo está publicada, o que traduz óbvio acto censório quanto mais no portal da Ordem e nada surgiu em qualquer periódico. O conhecimento que se conseguiu foi a informação amavelmente prestada através dos Conselhos Distritais.
Importa, aliás, que se saiba que o acesso pelo Conselho Superior à sua própria página no portal da Ordem está neste momento dependente de pedido casuístico ao Senhor Bastonário, por decisão sua. E todo o expediente e correio que é dirigido ao Conselho Superior ou ao seu Presidente é recebido em serviços que não são privativos do Conselho Superior, chegando-se ao limite de a própria notificação que referimos ter recebido, como entrada, a única que o Senhor Bastonário consente que exista, a do «Conselho Geral».
Sucedeu foi que no dia 28 de Julho recebeu-se no Conselho Superior uma notificação, oriunda do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, segundo a qual o Senhor Bastonário, declarando agir em representação da Ordem dos Advogados, propunha uma providência cautelar que visava fazer decretar judicialmente a suspensão da eficácia da deliberação de convocação da Assembleia Geral a qual, como resulta do acima exposto, está privada de eficácia, por acto seu, visto ter decorrido o prazo em que tinha de ser formalizada a publicação da convocação sem que a mesma tivesse sido intencionalmente efectuada.
Através de Colega «pro bono» que para o efeito se mandatou o Conselho Superior entregou já a sua resposta em juízo na passada sexta-feira e aguarda serenamente decisão judicial e a evolução do caso. Abstemo-nos, por compreensível impossibilidade de o fazer, de dar qualquer informação sobre o conteúdo das providências.
Serve assim a presente para, em nome do interesse público, informar os Exmos. Colegas desta pendência judicial e da medida em que a mesma compromete, por facto consumado, a realização da Assembleia Geral que se encontrava convocada. Nenhum outro comentário nos é permitido fazer nem o faríamos nesta sede.
Rogo pois a Vossas Excelências, Senhores Presidentes, a gentileza de circularem pelos Colegas, nomeadamente através da sua publicação nas páginas de que dispõem no portal da Ordem dos Advogados, esta minha comunicação, de modo a que toda a classe possa ter acesso ao que julgamos de conhecimento relevante.
Com os melhores cumprimentos
José António Barreiros
Presidente do Conselho Superior
Encontro de «Blawggers» Bogotá 2009
No próximo dia 12 vai ter início, na Universidad del Externado de Bogotá, o «Encuentro de Blawggers Bogotá 2009», a que já me referi aqui. Respondendo ao convite do professor Gonzalo Ramírez Cleves para participar no debate do primeiro tema - ¨Cibercultura ¿De qué se trata esto?¨ - aqui deixo a minha modesta contribuição:
Há uns tempos, no site da Oxford University Press, encontrei um livro cujo título prendeu, de imediato, a minha atenção. Chama-se «The End of Lawyers? Rethinking the Nature of Legal Services» e o seu autor é o Honorary Professor of Law at Gresham College, em Londres, Richard Susskind. Ainda não tive tempo para uma leitura aprofundada, mas tanto quanto me parece, no essencial, o autor considera que a internet veio tornar obsoleto o modelo tradicional de prestação de serviços de consulta jurídica, ao garantir um acesso cada vez mais fácil e directo ao conhecimento do Direito. Ou seja, a internet veio transformar radicalmente a actividade dos «solicitors» e fazer o mesmo que as máquinas automáticas fizeram, há anos, aos empregados bancários: cada vez são necessários menos. Aumentando a oferta disponível é mais que previsível uma descida no preço dos serviços e aqui temos, finalmente, as profissões jurídicas a funcionar dentro de uma lógica de mercado, os serviços que prestam a ser tratados como meros bens de consumo. Os cidadãos passarão a estar, seguramente, mais informados sobre os seus direitos, mas será que estarão melhor informados? Tenho as minhas dúvidas. Ou seja, estamos en la sociedad de la información pero no del conocimiento?… Veremos...
Neste contexto, que papel devem ter os blawgs, em particular os blawgs de advogados? Reproduzir a lei, informar sobre o conteúdo, esclarecer a interpretação? Parece-me muito pouco. Julgo que será muito mais proveitoso se, nos blawgs, os advogados se mantiverem fiéis à sua matriz, isto é, se procurarem reflectir, analisar, e fomentar o debate sobre tudo o que os rodeia, ou seja, desenvolver actividades que não estão ao alcance duma base de dados, por melhor que seja. Se tiene todos los medios, pero se conoce solo fugazmente la red [ e se não reflectimos sobre a informação que ela nos proporciona] puede volvernos unos ciberidiotas… A meu ver, há que ser efervescente e agitar as consciências. Afinal, ao longo dos séculos, não tem sido essa a função dos Advogados?
Bom trabalho e um óptimo Encontro!
De Lisboa, abraços a todos.
Há uns tempos, no site da Oxford University Press, encontrei um livro cujo título prendeu, de imediato, a minha atenção. Chama-se «The End of Lawyers? Rethinking the Nature of Legal Services» e o seu autor é o Honorary Professor of Law at Gresham College, em Londres, Richard Susskind. Ainda não tive tempo para uma leitura aprofundada, mas tanto quanto me parece, no essencial, o autor considera que a internet veio tornar obsoleto o modelo tradicional de prestação de serviços de consulta jurídica, ao garantir um acesso cada vez mais fácil e directo ao conhecimento do Direito. Ou seja, a internet veio transformar radicalmente a actividade dos «solicitors» e fazer o mesmo que as máquinas automáticas fizeram, há anos, aos empregados bancários: cada vez são necessários menos. Aumentando a oferta disponível é mais que previsível uma descida no preço dos serviços e aqui temos, finalmente, as profissões jurídicas a funcionar dentro de uma lógica de mercado, os serviços que prestam a ser tratados como meros bens de consumo. Os cidadãos passarão a estar, seguramente, mais informados sobre os seus direitos, mas será que estarão melhor informados? Tenho as minhas dúvidas. Ou seja, estamos en la sociedad de la información pero no del conocimiento?… Veremos...
Neste contexto, que papel devem ter os blawgs, em particular os blawgs de advogados? Reproduzir a lei, informar sobre o conteúdo, esclarecer a interpretação? Parece-me muito pouco. Julgo que será muito mais proveitoso se, nos blawgs, os advogados se mantiverem fiéis à sua matriz, isto é, se procurarem reflectir, analisar, e fomentar o debate sobre tudo o que os rodeia, ou seja, desenvolver actividades que não estão ao alcance duma base de dados, por melhor que seja. Se tiene todos los medios, pero se conoce solo fugazmente la red [ e se não reflectimos sobre a informação que ela nos proporciona] puede volvernos unos ciberidiotas… A meu ver, há que ser efervescente e agitar as consciências. Afinal, ao longo dos séculos, não tem sido essa a função dos Advogados?
Bom trabalho e um óptimo Encontro!
De Lisboa, abraços a todos.
Um minuto de silêncio... (esclarecimento)
Quando ouvi a notícia do passamento de Raul Solnado lembrei-me de um texto que escreveu para o Projecto «Um minuto de silêncio» e que, em 15 de Abril de 2007, encontrei precisamente aqui. Para honrar a sua memória nada me pareceu mais adequado que as suas palavras, e por isso as «reeditei». Para quem eventualmente tiver dúvidas sobre a autoria da frase que, então, reproduzi no post, bastará confrontá-las com o original, que se encontra aqui. Aliás, o próprio destaque foi, amavelmente, registado no site do Projecto e por lá continua, para quem quiser ver.
Hoje, ao ler esta notícia do Público, fiquei a saber que a frase que então me encantou terá sido retirada de um texto. Como é óbvio, sobre este último nada sei e por isso nada posso dizer.
Hoje, ao ler esta notícia do Público, fiquei a saber que a frase que então me encantou terá sido retirada de um texto. Como é óbvio, sobre este último nada sei e por isso nada posso dizer.
Singularidades nuas - 2
Na «Introdução» do seu livro «Esta Cidade!» escreveu Irene Lisboa: «O romance e a novela têm os seus limites, e classe. Isto é, o romance classifica-se, toma o nome de romance quando a sua anedota apresenta um determinado desenvolvimento; um âmbito e uma compilação, uma ordenação e um desfecho que o aparentam com a já longa série de romances que a literatura universal comporta. E a novela tal qual! Uma novela tem sempre parentesco literário com outra: há uma medida no seu jogo ideal (efabulação se quiserem) e nos seus passos que a incluem no número de obras da mesma espécie. Ora eu não pretendi desta vez cultivar a novela nem o romance. Esquivei-me ao formalismo da sua composição e subordinei-me ao da observação desinteressada e a uns laivos de crítica. Assim, contrariei a básica orientação romanesca: armar e tornar lógico para despertar o interesse; embelezar ou afeiar para impressionar.(...)» Uns dias depois de ter encalhado nesta singularidade, eis que finalmente descubro, pela mão da mesma escritora, uma justificação simples e lógica para a circunstância de há uns anos a esta parte ler cada vez menos romances e, muitas vezes, desistir da leitura a meio, por me parecer estar a ler o já lido, escrito de maneira diferente, o que é cansativo. É que na vida vivida há pouca ou até mesmo nenhuma lógica e a capacidade que a realidade tem de nos impressionar vai muito além do contraste entre o feio e o belo. Para se chegar a esta conclusão basta ter vivido, como eu, um número de anos suficiente para olhar para o passado com ângulo. Aqui fica um exemplo: em Jette [subúrbio de Bruxelas] foram ontem encontrados, no quarto da casa onde viviam, os esqueletos de mãe e filho. O «(...) correio e os alimentos encontrados dentro da casa (...) permitiram determinar que a mãe e o filho morreram em 2004. Desde então, as persianas da casa permaneceram fechadas. Os mesmos jornais indicaram que uma vizinha tentou por diversas vezes alertar as autoridades para uma eventual situação de morte ou de desaparecimento, mas ninguém entrou na casa. A descoberta foi feita finalmente durante uma visita de um juiz, no âmbito de um processo de sucessão relativo à morte do pai desta família.» [cfr. aqui e ainda aqui]. Que romancista é capaz de encontrar uma lógica para esta anedota?
... e dura, dura...
Acidentes de viação como este, ocorrido ontem, em França, dão, normalmente, causa a processos judiciais, nos quais intervêm um número de partes muito superior às duas que são a regra. Na minha vida profissional recordo, em particular, um acidente ocorrido na madrugada de uma noite de Ano Novo, numa estrada entre o Alentejo e o Algarve, que esteve na origem de dois processos judiciais, e no qual tiveram intervenção uma dezena de advogados. Ficou-me na memória, em especial, a dificuldade na compatibilização das agendas, para efeitos de marcação de diligências, porque havia sempre um ou outro colega que, na data proposta, estava impedido de comparecer em tribunal em virtude de outro serviço.
Vem isto a propósito do demagógico debate que alguns teimam em alimentar sobre o estafado tema das férias judiciais. Recentemente ouvi insistir na ideia que as ditas deviam ser pura e simplesmente abolidas, porque daí resultariam benefícios para os cidadãos [designadamente para os que estão presos e que por via das férias judiciais vêem protelada a sua libertação (?!)]. Quanto ao problema de acautelar o legítimo direito ao descanso dos «profissionais liberais» [leia-se advogados], o opinante também tem uma proposta: conceda-se-lhes a faculdade de gozarem tal direito, a pedido, na altura que lhes seja mais conveniente. Que fantástica, que luminosa ideia! Como é que ainda ninguém se havia lembrado disso? Passemos, então, ao concreto. Imagine-se, por exemplo, que num dado processo, o advogado do autor é do Algarve e gosta de fazer férias em Dezembro, mas o advogado do réu, alfacinha de gema, entende imprescindível, para a sua sanidade mental, pelo menos uma semana na praia, em Agosto. A preferência das testemunhas, contudo, vai para o período da Páscoa, mais ameno, enquanto que o juiz (também tem direito, coitado!) não perde um Carnaval em Veneza. Pense-se, agora, num processo como aqueles que acima refiro e há que multiplicar esta operação por 2, 4, 6 ou mais, e só então ficamos, verdadeiramente, com uma ideia aproximada das reais vantagens da «engenhosa» medida ora proposta. A conclusão de tudo isto parece-me óbvia: quem fala assim ou não sabe do que fala, ou então visa impressionar quem não percebe. Só pode!...
Vem isto a propósito do demagógico debate que alguns teimam em alimentar sobre o estafado tema das férias judiciais. Recentemente ouvi insistir na ideia que as ditas deviam ser pura e simplesmente abolidas, porque daí resultariam benefícios para os cidadãos [designadamente para os que estão presos e que por via das férias judiciais vêem protelada a sua libertação (?!)]. Quanto ao problema de acautelar o legítimo direito ao descanso dos «profissionais liberais» [leia-se advogados], o opinante também tem uma proposta: conceda-se-lhes a faculdade de gozarem tal direito, a pedido, na altura que lhes seja mais conveniente. Que fantástica, que luminosa ideia! Como é que ainda ninguém se havia lembrado disso? Passemos, então, ao concreto. Imagine-se, por exemplo, que num dado processo, o advogado do autor é do Algarve e gosta de fazer férias em Dezembro, mas o advogado do réu, alfacinha de gema, entende imprescindível, para a sua sanidade mental, pelo menos uma semana na praia, em Agosto. A preferência das testemunhas, contudo, vai para o período da Páscoa, mais ameno, enquanto que o juiz (também tem direito, coitado!) não perde um Carnaval em Veneza. Pense-se, agora, num processo como aqueles que acima refiro e há que multiplicar esta operação por 2, 4, 6 ou mais, e só então ficamos, verdadeiramente, com uma ideia aproximada das reais vantagens da «engenhosa» medida ora proposta. A conclusão de tudo isto parece-me óbvia: quem fala assim ou não sabe do que fala, ou então visa impressionar quem não percebe. Só pode!...
Singularidades nuas - 1
Numa madrugada da semana passada, no caminho para casa, reparei que, estacionado numa das principais avenidas de Lisboa, estava um «Skoda Felicia» de matrícula recente, e no banco do condutor, deitado, alguém a dormir. Pareceu-me ver um homem ainda novo, mas estava sozinha, era de noite, e não parei para olhar melhor. Fui para casa a matutar uma justificação para o que acabara de ver e ocorreram-me várias, sendo a mais perturbadora de todas a ideia de que se tratava de alguém que ficou sem emprego e, por via disso, sem casa, em qualquer caso alguém que eu não estava à espera de encontrar ali, a dormir, dentro do carro. Esta memória tem andado comigo até agora, e hoje ficou ainda mais presente quando li aqui que, «segundo o Eurostat, cerca de 100 mil jovens lusos não tinham emprego no início do ano, número que fica acima da média europeia». Será que por estas bandas alguém ainda se lembra do último Natal grego? Infelizmente, não creio. A dois meses das eleições legislativas, e no que toca a desemprego, as actuais preocupações dos políticos portugueses aparentam ser outras... Queira Deus que em Dezembro ninguém se lembre de ir até S. Bento desejar-lhes um Feliz Natal «à maneira grega»...
Essa Mulher chamada Irene Lisboa
Não lembro exactamente a primeira vez que tive consciência que o facto de pertencer ao género feminino comportava desvantagens. Tenho uma vaga impressão que terá sido por volta dos meus nove anos, quando me disseram que as meninas não brincam na rua, ou seja, mais ou menos pela altura em que descobri que queria ser advogada. Quando, em 1979, fui admitida na Faculdade de Direito constatei que, por pouco, escapei à sujeição à norma constitucional que previa que “A igualdade perante a lei envolve o direito de ser provido nos cargos públicos, conforme a capacidade ou serviços prestados, e a negação de qualquer privilégio de nascimento, raça, sexo, religião ou condição social, salvas quanto ao sexo, as diferenças de tratamento justificadas pela natureza (...)”. Vem isto a propósito de ter encontrado, há uns dias, um post, nesse fantástico blog chamado «Rua dos Dias que Voam», sobre um artigo publicado, em 1944, na revista «Eva», no qual várias «individualidades» se pronunciaram sobre a questão "A mulher, especialmente a casada, deve ter uma profissão?". Um dos entrevistados é a escritora Irene Lisboa, nascida em 1892, falecida em 1958, que «usou o tempo de vida, a trabalhar como professora e a escrever sob o seu nome, como Manuel Soares, João Falco e Maria Moira uma obra hoje quase esquecida». Confesso que não fujo à regra. Conheço muito mal a sua obra, e talvez por isso não estava à espera de ler este «Para mim não há função da mulher como não há função do homem, moralmente» e ainda que «Para muitas mulheres o ambiente doméstico é insuficiente(...)» . Sendo, como sou, filha de uma mulher para quem o destino natural era ser «mãe de família», e, simultaneamente, mãe de uma jovem adulta, a quem nunca foi imposto qualquer constrangimento relacionado com o género, «entalada», como estou, entre estes dois universos, é reconfortante descobrir o testemunho de alguém que, apesar de ter falecido um par de anos antes de eu ter vindo ao mundo, era mulher de uma forma estranhamente semelhante à minha, aparentemente sem dramas ou «guerras de sexos», sem sentimentos de superioridade ou inferioridade, alguém que discorria sobre a sua identidade de forma simples, natural. É que por mais que eu tente «actualizar-me» em matéria de condição feminina - e admito que tenho tentado, cansada deste viver entre mundos - nunca consegui deixar de me sentir alienígena relativamente a quem aborda a sua feminilidade assim. Hélas!
PS. Este fica com dedicatória, à minha querida professora Lourdes Mano. Obrigada. Um bj
PS. Este fica com dedicatória, à minha querida professora Lourdes Mano. Obrigada. Um bj
Os «bons alunos»
Avelino de Jesus, Director do ISG - Instituto Superior de Gestão, faz, no Jornal de Negócios,«Um balanço realista do Processo de Bolonha». Li-o e constatei que também ele acha que as partes boas da reforma não são originais e as que são originais não são boas. Neste balanço ficam, ainda, por explicar as razões da passividade das universidades portuguesas perante as imposições de Bruxelas e do Governo, quando este até seria um daqueles casos em que ser «mau aluno» teria compensado. Talvez um dia...
«Brutti, Sporchi e Cattivi»
«A., de 73 anos, vivia com a nora na sua casa, na Maia. Alegadamente, não se davam bem. A tal ponto que a nora terá decido livrar-se da idosa, com a colaboração de quatro familiares que, a 19 de Dezembro, irromperam pela casa, a assaltaram e espancaram até a julgarem morta. Só que a vítima não morreu, permitindo à Polícia Judiciária identificar, ontem, os cinco suspeitos, que esta sexta-feira estiveram durante o dia a ser ouvidos em primeiro interrogatório judicial.(...)» [texto integral aqui]
«Super-juizes» em paredes de vidro
Há jornais que falam em certas figuras como se de heróis de banda desenhada se tratasse, e sempre que me acontece deparar com títulos como este fico à espera de encontrar, na fotografia ao lado, uma daquelas musculadas figuras, em «maillots» reluzentes, exibindo os mais mirabolantes super-poderes. O pensamento é absurdo, como é evidente, mas ainda assim, às vezes, a imagem consegue surpreender-me, como aconteceu neste caso. Um juiz de instrução a trabalhar num gabinete, situado num rés do chão, com acesso directo para a rua, entre paredes de vidro? Homessa! Se se entende que não há perigo, para quê, então, a segurança pessoal? No mínimo é bizarro...
Há ofícios assim
«Passei este fds com a cabeça dentro de dossiers vermelhos, a analisar guias de transporte. Eram para um caso que me acompanha há seis anos e em que eu acreditava piamente no Autor. Exacto, acreditava. Pelas guias percebo que ele mente. Primeiro, fico furiosa e, num ataque extremo de energia, dou banho à cadela. Agora, estou bastante triste...», escreveu a Xaxão, aqui. Como eu a entendo! Confiar ou não, «eis a questão» quando se é advogado. Nos primeiros tempos, é a decepção e a tristeza quando descobrimos que alguém nos enganou. Então passamos a confiar apenas no que entendemos. Depois descobrimos que há realidades que nunca conseguimos entender, e ainda assim optamos por confiar. Esta escolha, com o tempo, vem a revelar-se mais amarga. Há quem diga que, mais tarde ou mais cedo, todos acabamos por desistir da confiança. Por ora tento não pensar muito nisso. Ainda não estou mentalmente preparada para assumir o estado de «morta-viva».
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