Essa Mulher chamada Irene Lisboa

Não lembro exactamente a primeira vez que tive consciência que o facto de pertencer ao género feminino comportava desvantagens. Tenho uma vaga impressão que terá sido por volta dos meus nove anos, quando me disseram que as meninas não brincam na rua, ou seja, mais ou menos pela altura em que descobri que queria ser advogada. Quando, em 1979, fui admitida na Faculdade de Direito constatei que, por pouco, escapei à sujeição à norma constitucional que previa que “A igualdade perante a lei envolve o direito de ser provido nos cargos públicos, conforme a capacidade ou serviços prestados, e a negação de qualquer privilégio de nascimento, raça, sexo, religião ou condição social, salvas quanto ao sexo, as diferenças de tratamento justificadas pela natureza (...)”. Vem isto a propósito de ter encontrado, há uns dias, um post, nesse fantástico blog chamado «Rua dos Dias que Voam», sobre um artigo publicado, em 1944, na revista «Eva», no qual várias «individualidades» se pronunciaram sobre a questão "A mulher, especialmente a casada, deve ter uma profissão?". Um dos entrevistados é a escritora Irene Lisboa, nascida em 1892, falecida em 1958, que «usou o tempo de vida, a trabalhar como professora e a escrever sob o seu nome, como Manuel Soares, João Falco e Maria Moira uma obra hoje quase esquecida». Confesso que não fujo à regra. Conheço muito mal a sua obra, e talvez por isso não estava à espera de ler este «Para mim não há função da mulher como não há função do homem, moralmente» e ainda que «Para muitas mulheres o ambiente doméstico é insuficiente(...)» . Sendo, como sou, filha de uma mulher para quem o destino natural era ser «mãe de família», e, simultaneamente, mãe de uma jovem adulta, a quem nunca foi imposto qualquer constrangimento relacionado com o género, «entalada», como estou, entre estes dois universos, é reconfortante descobrir o testemunho de alguém que, apesar de ter falecido um par de anos antes de eu ter vindo ao mundo, era mulher de uma forma estranhamente semelhante à minha, aparentemente sem dramas ou «guerras de sexos», sem sentimentos de superioridade ou inferioridade, alguém que discorria sobre a sua identidade de forma simples, natural. É que por mais que eu tente «actualizar-me» em matéria de condição feminina - e admito que tenho tentado, cansada deste viver entre mundos - nunca consegui deixar de me sentir alienígena relativamente a quem aborda a sua feminilidade assim. Hélas!

PS. Este fica com dedicatória, à minha querida professora Lourdes Mano. Obrigada. Um bj

4 comentários:

T disse...

Obrigada pela sua simpática referência em nome de todos os escrevinhadores do Dias:)
O seu blogue é excelentemente escrito e muito interessante:)
Abraço,

Nicolina Cabrita disse...

O «Dias» faz verdadeiro serviço público, a referência é mais que devida, e lá diz o ditado, «a justiça não se agradece» [ou, melhor dizendo, não carece de agradecimento]. Obrigada eu, por tudo, incluíndo o elogio ao meu ângulo, esse sim, imerecido :-)
Um abraço

T disse...

Bisneta, neta e filha de advogado devolvo-lhe um parecer imparcial, nada imerecido:)

Nicolina Cabrita disse...

Nesse caso é por influência genética :-)))
Muito obrigada.
Outro abraço!