Mudanças - A Justiça e os Media

Sou, por natureza, cautelosa, e certamente por isso sempre tive receio de formular juízos precipitados. Como advogada aprendi a olhar cada assunto por vários ângulos, que procuro que sejam sempre rectos, e a confiar no princípio de que cabe ao juiz ponderar tudo e traçar, depois, a bissetriz.

Há juizes que se enganam? É evidente que sim, como aliás acontece a toda a gente.

Mas também sei que é, no mínimo, temerário emitir juízos sobre um qualquer processo judicial, por mais simples que seja, sem conhecer todos os dados.

Não é minha intenção voltar agora a este assunto. Para mim o teor e a "ratio" do art.º 88.º do EOA são muito claros, razão pela qual me abstenho de comentar processos judiciais pendentes, por mais mediáticos que sejam.

A razão deste meu comentário é outra, e tem que ver com a minha dificuldade em entender declarações como estas que encontrei aqui, aqui, aqui , aqui, e ainda aqui . Ingenuidade minha, certamente, mas nestas coisas talvez seja melhor mesmo continuar ingénua.

Um exemplo, que reputo ilustrativo do que acima afirmo:

Refere-se aqui que o Colectivo que julgou o caso, "considerando que o arguido agiu com dolo - dolo, ou intencionalidade, que acabou por não fundamentar durante a 'explicação' da sentença -, limitando-se a elencar as ocasiões em que o casal recusou entregar a criança perante ordens de tribunal e frisando que assim 'privava pai e filha da companhia um do outro' e que, pela sua idade, a criança estava impossibilitada de ir pelos seus meios 'ao encontro do pai biológico', (...) criticou os serviços da Segurança Social. Que, no entender do colectivo, terão 'andado mal' ao iniciar um processo de adopção de uma menor em relação à qual existia já um processo de averiguação de paternidade. Referiu também depreciativamente uma testemunha do arguido, 'procuradora do Ministério Público', que teria afirmado perante o tribunal que também ela, se estivesse no lugar dele, não entregaria uma criança nas condições da menina em causa."

Fui ver o que refere a sentença sobre esta matéria, e encontrei o seguinte:

"Não sendo o arguido analfabeto, pelo contrário é sargento efectivo, encontrando-se sempre acompanhado de mandatário (que na instauração do processo de adopção quer no processo de regulação do poder paternal onde foi inquirido por ter a guarda de facto da menor - tendo apesar disso sido notificado de todos os despachos proferidos nos autos (despacho junto a fols.1528) )
Para além disso foi notificado do despacho de fols. 1525 (fols. 389 dos autos de regulação do poder paternal) onde explicitamente se refere a obrigação de cumprimento da decisão em face do efeito devolutivo a atribuir ao recurso caso este venha a ser admitido.
Do despacho de fols. 581 e 582 bem elucidativo, esclarecedor e sem margem para quaisquer dúvidas a qualquer cidadão. E não se diga como a testemunha de defesa do arguido, Procuradora da República, Dra. (...) que “decisão não transitada, independentemente do efeito devolutivo do recurso é uma decisão inexistente e se fosse ela também a não cumpriria” (começa a entender-se por que motivo - apesar do arguido, enquanto militar estar sujeito ao disposto no artº4º do RDM, (REGULAMENTO DE DISCIPLINA MILITAR (Decreto-Lei n.º 142/77, de 09ABR), “O militar deve regular o seu procedimento pelos ditames da virtude e da honra amar a Pátria e defendê-la com todas as suas forças até ao sacrifício da própria vida, guardar e fazer guardar a Constituição em vigor e mais leis da República, do que tomará compromisso solene…”) sabendo que os Tribunais são órgãos de soberania estando obrigado, mais do que um cidadão vulgar, a cumprir as decisões judiciais sujeitando-se aos seus efeitos e impugnando-as através dos meios legais que tem ao seu dispor - tem optado por fazer justiça privada. Reforça-se aqui o despacho constante de fols.581 e 582.
Mas mais, todas as notificações feitas para que procedesse à entrega da menor, concretizadas apenas para os dias 25 de Fevereiro de 2005 e 9 de Março desse mesmo ano, como consta das respectivas notificações foram feitas com a cominação de desobediência caso não se fizesse acompanhar da menor. – logo a ordem a cumprir era legítima ( despacho de fols. 602 a 603, doc. De fols. 607, 609 e 610, e 620.)
Finalmente, mesmo que não tivesse, até àquele momento, entendido como tal a decisão proferida, a testemunha João Gonçalves (embora trocando a data pois referiu ter sido a 25 de Fevereiro quando, conforme acta de fols. 618 nesse dia arguido não compareceu tendo comparecido apenas no dia 9 de Março conforme fols. 628) foi clara ao referir que qualquer pessoa naquela circunstância perante o que se passou no acto perante o Exmº juiz do processo tinha a certeza que a criança era para ser entregue e, como tal a decisão para cumprir."
(cfr. aqui).

Não continuo, sob pena de tornar a leitura deste "post" fastidiosa, mas convido ao exercício.

Convido, ainda, à leitura do artigo "O processo penal e os media: algumas reflexões", da autoria do Dr. Jorge Baptista Gonçalves, publicado aqui, do qual destaco as conclusões, com as quais não podia estar mais de acordo, conforme segue:

"Sem prejuízo da manutenção do dever de reserva dos juízes, há que reconhecer que a credebilização da Justiça depende, em boa parte, da existência de mecanismos de comunicação com o cidadão que sejam expeditos, claros e rigorosos.
A matéria-prima do jornalista é o facto, transformado em notícia. Os "casos de tribunal" possuem, muitas vezes, 'valor notícia', pelo que continuarão a ser noticiados, com a colaboração das instituições judiciárias ou à sua margem.
Várias vozes têm recomendado a criação de gabinetes de imprensa junto do C.S.M. ou do S.T.J. como forma de dotar de maior transparência a actividade da Justiça, salvaguardando o dever de reserva.
É que se aos jornalistas falta, por vezes, a necessária preparação para o tratamento das questões judiciárias, aos magistrados falta, igualmente, preparação para lidarem com a pressão da comunicação social. (...)
Como questionava, sabiamente, o imperador Marco Aurélio: 'Temos medo de mudar. Mas pode produzir-se seja o que for, senão por mudança?'"