«Há uma Justiça para ricos, simpática e deferente, e uma Justiça para pobres, dura, cega e surda», escreveu, indignado, Manuel Catarino, subdirector do Correio da Manhã, no editorial intitulado «Pobres e Ricos», publicado naquele jornal, na passada quinta feira. A afirmação em si não é novidade. Há mesmo quem tenha feito campanha eleitoral sob esta «bandeira». Novidade é o facto deste jornalista ser, tanto quanto recordo, o primeiro a fundamentar a polémica afirmação num caso concreto. Ao que parece, em Agosto de 2007, Nuno Ribeiro, um jovem de Peniche, pintou um grafitti na parede da Escola Secundária desta terra e acabou condenado, em tribunal, numa pena de multa de 313 euros ou, em alternativa, 69 dias de prisão. A este propósito escreveu Manuel Catarino: «A família é pobre. A multa ficou por pagar - e Nuno Ribeiro, obviamente, foi atirado para o calaboiço. Não o condenaram a trabalho comunitário, como as leis penais permitem. Trataram-no como um vulgar criminoso.» Li e pensei: «que bizarro! será que as coisas mudaram assim tanto desde o tempo em que eu frequentava os tribunais criminais?» Recordei-me que, ainda estagiária, fui nomeada oficiosamente para defender um homem acusado da prática de um crime de dano qualificado (precisamente o mesmo tipo de crime referido no artigo) pelo facto de ter arrancado o auscultador de um telefone de uma cabine, num momento de raiva. É verdade que o processo andou anos pelo tribunal, o julgamento foi várias vezes adiado, mas o colectivo que julgou o caso foi sensível à circunstância de se tratar de alguém sem recursos e mentalmente perturbado e acabou por decidir em conformidade: a vítima informou que os danos já tinham sido ressarcidos e o homem foi mandado, em paz, cuidar da sua vida. Será que os juízes de hoje são assim tão diferentes dos juízes de há 25 anos? Continuei a ler o jornal. Na página 17 fiquei a saber que uma leitora do CM, sensibilizada pela pouca sorte do rapaz, resolveu pagar a multa, pelo que a «Solidariedade tirou jovem da prisão». E aí estava a imagem do jovem Nuno, fotografado à saída da penitenciária, sorridente, cigarro na boca, ternamente abraçado à sua jovem mãe. «Até os detidos na prisão das Caldas se mostraram surpreendidos com a pena» fez o jovem notar, ao CM. Talvez por isso, diz foi bem recebido na cadeia: "Quando apareci no jornal e depois nas televisões, o pessoal passou a comentar mais e a dizer que era uma injustiça eu estar ali".(...) "Foi uma semana tranquila, não houve desacatos, o pessoal mostrou-se amigo e solidário e mostrou algum descontentamento, porque vemos muita pessoa fora que devia estar lá dentro e eu é que fui lá parar".(...) «Agora», remata a notícia, «o jovem de Peniche quer começar a trabalhar. "Encontrar um emprego é do que eu preciso".» A julgar pelo que vejo na foto atrevo-me a dizer que precisa sim senhor, olá se precisa! E precisa, sobretudo, de aprender a trabalhar porque, mais à frente, o próprio Nuno esclarece que, como não tinha meios para pagar a multa, «fez trabalho comunitário. "Estive uma semana no Stella Maris, a fazer limpezas e arrumações, mas desleixei-me"» Ou seja, afinal sempre houve condenação em trabalho comunitário, mas o jovem Nuno... desleixou-se. Esperemos, pois, que a semana passada na cadeia o tenha ensinado a nunca mais se desleixar, em matéria de trabalho. Quanto ao Subdirector do CM, que manifestamente se desleixou na redacção do editorial, espera-se o trabalho de ler até ao fim, e com atenção, as notícias que o próprio jornal publica... Pessoalmente fico à espera que mais alguém se dê ao trabalho de demonstrar que há uma Justiça para ricos e outra para pobres, porque, como se vê, o que a este propósito se tem escrito e dito não passa ( até ver ) de pura demagogia...