O preço das coisas sem preço



António Ramos Rosa, poeta, nascido em Faro, em 1924, é um dos nomes grandes da língua portuguesa. Urbano Tavares Rodrigues, escritor, nascido em Lisboa, em 1923, é outro. Ambos já ultrapassaram os oitenta anos, mas, felizmente, ambos estão vivos. Descobri, agora, que em 1961 António Ramos Rosa publicou o livro «Sobre o Rosto da Terra» e ofereceu um exemplar a Urbano Tavares Rodrigues, no qual apôs a seguinte dedicatória: "A Urbano Tavares Rodrigues, com um abraço de sincera estima e viva admiração". Uns tempos depois, mais precisamente em 1964, voltou a publicar, desta vez o livro com o título «Terrear», que dedicou a Urbano Tavares Rodrigues, e do qual lhe ofereceu um exemplar, no qual manuscreveu, em aditamento à dedicatória, "a quem devo este livro, com a maior admiração e um grande abraço do António Ramos Rosa".  Como é que eu sei tudo isto? Simples: descobri aqui que ambos os exemplares estão à venda, o primeiro por quinhentos euros e o segundo por setecentos e cinquenta. Não faço ideia como nem por que razão estes livros raros  foram parar ao mercado, mas sejam quais forem as razões, é triste, para quem observa de fora, ver uma amizade entre dois homens, que são duas referências na cultura portuguesa, exposta desta maneira aos olhos de todos e com preço... 

A beleza dos justos


No Público do passado sábado, dia 6, no caderno comemorativo dos vinte anos daquele jornal, o professor José Mattoso escreveu: «O que a vida me tem ensinado é que existem mais "justos" neste mundo do que se pode saber através dos jornais. Há muitas formas de santidade oculta, nem que seja por meio do sofrimento assumido, do apaziguamento, da noção do dever. A religião católica aliada ao individualismo atrofiou o conceito de "justo". A história do Genesis propõe que se creia no efeito da acção do "justo" sobre a comunidade a que pertence em virtude do princípio da solidariedade. Os justos são a porção viva e sã, mas escondida, da comunidade a que pertencem. Garantem a sua capacidade de regeneração. O fundamento da esperança no futuro é o reconhecimento dos "justos" que nos rodeiam, seja qual for o meio em que vivem e o apoio que somos capazes de lhes dar na sua luta pela "justiça". Talvez isso sirva de antídoto contra a desilusão que nos causam os poderosos da finança, da política ou do espectáculo.» Vem isto a propósito de há pouco ter encontrado aqui a fotografia de Irena Sendler, polaca, falecida em 12.05.2008 com 98 anos. Sendler, que viveu em Varsóvia durante a II Grande Guerra Mundial, conseguiu retirar, do gueto que os nazis aí construíram, duas mil e quinhentas crianças judias, feito que lhe valeu, em 1965, a atribuição do título "Justo Entre as Nações", pelo memorial israelita Yad Vashem, mas, ao que parece, insuficiente para, em 2007, lhe ser atribuído o prémio Nobel, que acabou por distinguir o ex vice presidente americano Al Gore. No dia em que o calendário oficial manda lembrar as mulheres e os jornais estão repletos de imagens delas, com doses industriais de «glamour», a verdade é que a minha atenção ficou presa ao deslumbrante sorriso desta anciã, capaz de fazer inveja a todas as Monas Lisas deste mundo.