"Austerity for dummies"

A Senhora Merkel está "convencida" de que Itália vai adoptar plano de austeridade. No dia em que as cotações dos bancos «afundam» e os juros da dívida pública disparam, talvez valha a pena aprender o «significado «económico» da palavra «austeridade» com quem percebe disto:

Romain Gary


«À partida, sou contra todos aqueles que acreditam que têm razão absoluta. [...] Sou contra todos os sistemas políticos que crêem deter o monopólio da verdade. Sou contra todos os monopólios ideológicos. [...] Dão-me vómitos todas as verdades absolutas e as suas aplicações globais. Peguem numa verdade, ergam-na prudentemente à altura da cabeça, vejam quem ela atinge, vejam quem ela mata, quem é que ela poupa, o que é que ela rejeita, cheirem-na longamente, vejam se não cheira a cadáver, provem-na durante um bom bocado sobre a vossa língua - mas estejam sempre prontos para cuspir de imediato. É isso, a democracia. O direito de cuspir [...]». ROMAIN GARY, «L'Affaire homme»

... e que o Santo nos ajude!...



«Vai fazer um ano - falta pouco - que este país assistiu, escandalizado, a um conjunto de medidas legislativas aberrantes, que desferiram um golpe profundo, verdadeiramente lamentável, na santa, na sublime, na gloriosa causa da Justiça.
É o chamado «pacote da Justiça».
Mas uma vez aberto esse pacote, não tinha remédios, tinha era uma caixa de farpas, ou uma pregadeira de alfinetes - como quiserem.
E, muito sinceramente (...) começando pela Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais, como é possível consentir na aprovação de uma lei tão infeliz como esta? (...)
Mas houve pior. E o pior, o diploma mais insultuoso, mais humilhante, mais vexatório, foi aquele que introduziu alterações ao Código das Custas Judiciais.
Precisamente numa altura, até mesmo em termos de direito comparado, em que as tendências vão no sentido da gratuitidade da Justiça, é que entre nós, e bem ao invés, se agravam brutalmente os encargos judiciário-fiscais.(...)
Finalmente - finalmente, porque faz também quase um ano que foi aprovada a respectiva lei de autorização legislativa, embora só em fins de Agosto passado é que se tivesse consumado mais esse crime de lesa-justiça -, a actividade dos Advogados passou a ser tributada também pelo IVA, como se fosse uma outra actividade, como se fosse uma actividade comercial ou uma actividade industrial qualquer. (...)
Pois bem (...): é claro que, nestas circunstâncias angustiosas, neste quadro penoso em que fizeram mergulhar a Justiça, sufocada nas suas mais nobres aspirações por medidas inauditas - medidas que queimam como ferro em brasa - os Advogados tinham de reagir.
E reagiram efectivamente. (...)
E a razão é esta: é que os Advogados estão fartos, os Advogados estão impacientes, os Advogados não podem suportar mais estas tropelias. (...)

Porque nós não vimos fazer reivindicações de aumentos de salários, não vimos fazer reivindicações corporativas. (...)
E não vimos aqui sequer reclamar a adopção, por exemplo, do «numerus clausus» - como condição de regulação do acesso à profissão -, o que poderia ser legítimo, dada a excessiva proliferação de licenciados em Direito e a consequente saturação do mercado. (...)

Quem são os responsáveis? É o Poder, são os governantes, no número dos quais se destacam algumas figuras sinistras, que tudo subordinam, até o Direito, até a Justiça (...) a critérios puramente conjecturais, de natureza economicista e tecnocrática.
E nessas figuras destaca-se o senhor Ministro das Finanças que, visto à luz das suas vaidades, parece um colosso, parece um banqueiro, mas visto à luz das suas ideias é pequenino, não passa de um empregado bancário, como efectivamente é.

(...) Não obstante a simpatia pessoal que tenho pelo Senhor Ministro da Justiça que ainda é a única autoridade que tem distinguido os Advogados com algumas atenções, o Estado, através da péssima actuação do seu Poder Legislativo em matéria judicial, judiciária, deve sair daqui moralmente condenado, nesta Assembleia.»

Não. Embora possa parecer, garanto que não é um excerto do discurso do Dr. Marinho e Pinto, hoje, em Castelo Branco, referido aqui. O que acima reproduzi são excertos de um famoso discurso, pronunciado em 10 de Dezembro de 1988, na Assembleia Geral Extraordinária da Ordem dos Advogados, pelo então Presidente do Conselho Distrital de Lisboa, falecido em Agosto de 2002, o saudoso  Dr. Alfredo Gaspar.  Ou seja, um discurso com 23 anos. Até quando?  

«To be or not to be...»



Em entrevista publicada ontem, no Ionline, o Bastonário da Ordem dos Advogados afirma que a queda do Governo «vai atrasar a revisão dos estatutos», cujo projecto iria ser entregue em breve, e refere, a este propósito: «Vamos fazer algumas alterações do actual a nível da formação. É para que, entre outras alterações, só possam ser admitidas a estágio as pessoas com mestrado, como acontece no Centro de Estudos Judiciários (CEJ)». Ora a questão não é assim tão simples. Se se pretendesse, apenas, alterar as regras sobre o acesso à profissão, então teria bastado ao Conselho Geral subscrever a proposta que foi entregue ao Ministro da Justiça, ainda durante o bastonato do Dr. Rogério Alves. Não é, manifestamente, o caso. O Dr. Marinho e Pinto insiste na ideia de propor ao Governo alterações que vão muito além do mera correcção ou ajuste de regras à realidade actual [como é possível constatar através da análise que os Conselhos Distrital e de Deontologia de Coimbra divulgam aqui] e pretende fazê-lo sem antes submeter tal projecto à discussão, ao arrepio da tradição na OA. O Estatuto da OA é a «Magna Carta» dos Advogados. Impor alterações «de cima», sem a garantia de que são bem vindas e irão ser voluntariamente acolhidas, é transformar a lei em letra morta. Saber isto é o que se espera de um Bastonário ciente do que efectivamente representa o colar que enverga.

Um jornalismo insuportável

«Há uma Justiça para ricos, simpática e deferente, e uma Justiça para pobres, dura, cega e surda», escreveu, indignado, Manuel Catarino, subdirector do Correio da Manhã, no editorial intitulado «Pobres e Ricos», publicado naquele jornal, na passada quinta feira. A afirmação em si não é novidade. Há mesmo quem tenha feito campanha eleitoral sob esta «bandeira». Novidade é o facto deste jornalista ser, tanto quanto recordo, o primeiro a fundamentar a polémica afirmação num caso concreto. Ao que parece, em Agosto de 2007, Nuno Ribeiro, um jovem de Peniche, pintou um grafitti na parede da Escola Secundária desta terra e acabou condenado, em tribunal, numa pena de multa de 313 euros ou, em alternativa, 69 dias de prisão. A este propósito escreveu Manuel Catarino: «A família é pobre. A multa ficou por pagar - e Nuno Ribeiro, obviamente, foi atirado para o calaboiço. Não o condenaram a trabalho comunitário, como as leis penais permitem. Trataram-no como um vulgar criminoso Li e pensei: «que bizarro! será que as coisas mudaram assim tanto desde o tempo em que eu frequentava os tribunais criminais?» Recordei-me que, ainda estagiária, fui nomeada oficiosamente para defender um homem acusado da prática de um crime de dano qualificado (precisamente o mesmo tipo de crime referido no artigo) pelo facto de ter arrancado o auscultador de um telefone de uma cabine, num momento de raiva. É verdade que o processo andou anos pelo tribunal, o julgamento foi várias vezes adiado, mas o colectivo que julgou o caso foi sensível à circunstância de se tratar de alguém sem recursos e mentalmente perturbado e acabou por decidir em conformidade: a vítima informou que os danos já tinham sido ressarcidos e o homem foi mandado, em paz, cuidar da sua vida. Será que os juízes de hoje são assim tão diferentes dos juízes de há 25 anos? Continuei a ler o jornal. Na página 17 fiquei a saber que uma leitora do CM, sensibilizada pela pouca sorte do rapaz, resolveu pagar a multa, pelo que a «Solidariedade tirou jovem da prisão». E aí estava a imagem do jovem Nuno, fotografado à saída da penitenciária, sorridente, cigarro na boca, ternamente abraçado à sua jovem mãe. «Até os detidos na prisão das Caldas se mostraram surpreendidos com a pena» fez o jovem notar, ao CM. Talvez por isso, diz foi bem recebido na cadeia: "Quando apareci no jornal e depois nas televisões, o pessoal passou a comentar mais e a dizer que era uma injustiça eu estar ali".(...) "Foi uma semana tranquila, não houve desacatos, o pessoal mostrou-se amigo e solidário e mostrou algum descontentamento, porque vemos muita pessoa fora que devia estar lá dentro e eu é que fui lá parar".(...) «Agora», remata a notícia, «o jovem de Peniche quer começar a trabalhar. "Encontrar um emprego é do que eu preciso".» A julgar pelo que vejo na foto atrevo-me a dizer que precisa sim senhor, olá se precisa! E precisa, sobretudo, de aprender a trabalhar porque, mais à frente, o próprio Nuno esclarece que, como não tinha meios para pagar a multa, «fez trabalho comunitário. "Estive uma semana no Stella Maris, a fazer limpezas e arrumações, mas desleixei-me"» Ou seja, afinal sempre houve condenação em trabalho comunitário, mas o jovem Nuno... desleixou-se. Esperemos, pois, que a semana passada na cadeia o tenha ensinado a nunca mais se desleixar, em matéria de trabalho. Quanto ao Subdirector do CM, que manifestamente se desleixou na redacção do editorial, espera-se o trabalho de ler até ao fim, e com atenção, as notícias que o próprio jornal publica... Pessoalmente fico à espera que mais alguém se dê ao trabalho de demonstrar que há uma Justiça para ricos e outra para pobres, porque, como se vê, o que a este propósito se tem escrito e dito não passa ( até ver ) de pura demagogia...