Chovendo no molhado, em tempo de seca...

O ministro do Ensino Superior afirma que «o país deveria ter "quase o dobro" do actual número de licenciados», apesar de não poder deixar de saber que existem cerca de 54.000 licenciados no desemprego, ou seja, tantos quantas as vagas, deste ano, nas Universidades. Acrescenta até, respondendo às críticas, que "O Ensino Superior, em tempos, foi de muito poucos. Agora está a aumentar. E não lhes interessa [aos críticos, designadamente às ordens profissionais] esta ideia, que é óbvia do ponto de vista económico, do ponto de vista social, quando nos comparamos com os países desenvolvidos, de que temos muito menos licenciados em Portugal do que deveríamos ter".  Apetece perguntar onde estava o ministro Mariano Gago quando, em Dezembro de 2008, a Grécia se «incendiou»? Será que leu as declarações do demissionário reitor da Universidade de Atenas, que na altura comentei aqui? Será que tem presente os dados divulgados pelo Eurostat, há um ano, que encontrei aqui, e que dão conta que «cerca de 100 mil jovens lusos não tinham emprego no início do ano» ( número superior à média europeia) dos quais, a julgar pela notícia de ontem do CM, cerca de metade são licenciados? E por tudo isto apetece, ainda, pedir ao ministro que identifique os países desenvolvidos que servem de modelo a esta extraordinária política do governo e, sobretudo, que economias são essas que se desenvolveram aumentando o número de  licenciados, porque desconfio que além de não serem europeias,  nada têm em comum com a nossa...
No fundo, toda esta conversa é perversa, porque o fim último da política  (que, reconheça-se, nem sequer é nacional - e quem tiver dúvidas, p.f. visione esta conferência ) é manifestamente outro, a meu ver muito óbvio: submeter à pura e dura lógica do mercado actividades e profissões que, até agora, lhe escapavam, proletarizando o exercício dessas actividades até ao limite da mais miserável sobrevivência, por forma a obrigar os mais jovens a aceitar o que quer que seja que lhes permita subsistir com um mínimo de dignidade. E se ninguém põe cobro a isto, a consequência, a breve prazo, no que à Advocacia respeita, é o desaparecimento de uma forma de prestar serviço à comunidade que, até agora,  se define pelo cumprimento de um rigoroso código ético. A ideia de ter cidadãos a representar outros cidadãos, numa perspectiva de defesa de direitos fundamentais num estado de Direito, irá, progressivamente, ser substituída pela ideia de um prestador de serviços igual a qualquer outro,  e desta forma deixará de fazer sentido a existência de uma associação pública para garantir a independência dos patronos relativamente a todos os poderes. Passarão a existir, apenas, consumidores, de um lado, agentes económicos (todos empresas e, preferencialmente, grandes empresas) do outro, e no meio uma «Alta Autoridade» para dirimir os conflitos. As simple as that...
E o pior de tudo ainda é ter de assistir à abertura de «frentes de luta» perfeitamente idiotas, que sei estarem condenadas ao insucesso, um desperdício atroz de recursos e energias, indiferente a uma realidade que piora de dia para dia. Refiro-me, claro está, à «reforma de Bolonha» e ao exame de admissão à Ordem, e sobre esta matéria estou de consciência absolutamente tranquila, porque a minha preocupação é pública há muito tempo.