Xanices

Por razões que agora não vêm ao caso sei que, presentemente, está internado no serviço de cuidados intensivos de um dos principais hospitais de Lisboa um rapaz de 28 anos que, no regresso a casa, vindo do trabalho, teve um acidente e ficou tetraplégico. É pai de duas crianças pequenas. Quando recuperar - se recuperar - irá ser transferido directamente daquele serviço para o hospital de Alcoitão. Se houver vaga, claro... Lembrei-me dele por ter lido aqui, que «vários grandes empresários e os presidentes das Câmaras do Porto e Barcelos» estão dispostos a financiar a viagem de regresso e a proporcionar emprego, alojamento e «boas condições» à cidadã russa que, há uns meses atrás, voltou ao país de origem levando consigo a filha, sensibilizados pelo facto da criança ter sido afastada do casal de portugueses que a teve à sua guarda durante os últimos quatro anos. Correndo o risco de emitir uma opinião herética, que muitos julgarão cruel, pergunto a mim própria o que há assim de tão horrível em ser levado pela mãe biológica para o país de origem, onde vive o resto da família, a ponto de justificar a preocupação dos grandes empresários e presidentes da câmara deste país, como se por cá não existissem situações verdadeiramente trágicas e desesperadas, a merecer atenção. Isto para já não falar noutro tipo de aberrações ...

«Quéee?»

Parece que o Presidente da República lamentou a qualidade dos políticos portugueses. Pois... ele lá saberá porquê...

Junho, 10

Busque Amor novas artes, novo engenho
Pera matar-me, e novas esquivanças,
Que não pode tirar-me as esperanças,
Que mal me tirará o que eu não tenho.

Olhai de que esperanças me mantenho!
Vede que perigosas seguranças!
Que não temo contrastes nem mudanças,
Andando em bravo mar, perdido o lenho.

Mas, enquanto não pode haver desgosto
Onde esperança falta, lá me esconde
Amor um mal, que mata e não se vê,

Que dias há que na alma me tem posto
Um não sei quê, que nasce não sei onde,
Vem não sei como e dói não sei porquê.


Luís de Camões

Nós e os outros

Nas eleições para o Parlamento europeu apenas 43,01 por cento dos cidadãos foram às urnas, e tal correponderá, dizem, à «participação mais baixa de sempre». Há quem veja nesta aberração «vontade de castigar os protagonistas do teatro político». Antes fosse, mas tenho sérias dúvidas. Desconfio que é apenas mais uma manifestação do egoísmo e indiferença que corroem os espíritos dos indivíduos que constituem aquilo que se costuma designar por «sociedade civil». E seria de esperar outra coisa, quando nas instituições, no dia a dia,  o que se privilegia, a todos os níveis e em todas as áreas, é a condição de consumidor e se desvaloriza as questões de cidadania? Há umas semanas atrás a notícia era que, no outro lado do mundo, havia gente  a fazer quilómetros e a esperar, pacientemente, em fila, só para poder votar. A globalização tem destas coisas: um conceito inventado pelos gregos está, presentemente, a ser aplicado na Índia, com resultados significativamente melhores que na sua origem. E depois ainda há quem se admire do estado da nossa economia, como se esta e a política fossem realidades estanques...