A Sopa, o Perfume e o Advogado

"Depois de comprar uma camisola, um perfume, ou até de comer uma sopa num centro comercial, já pode entrar na loja ao lado e adquirir também o serviço de um advogado.(...)
A tradição já não é o que era. Até agora, a advocacia caracterizava-se pelo seu manifesto interesse público e função social, exercida por profissionais distantes. Questionada sobre se este tipo de comercialização de serviços é compatível com aquele estatuto, Sofia de Almeida Ribeiro assegura que 'a Loja Jurídica é um projecto de justiça que assenta na necessidade de servir' e afirma que também reivindica o exercício da advocacia como uma função social. 'A única diferença em relação à advocacia tradicional é a maior proximidade com o público', disse."
(in DN)

No Jornal de Negócios de hoje encontrei o "perfil" da Dra Sofia de Almeida Ribeiro, que passo a transcrever:

"É advogada e possui experiência em operações de fusões e aquisições num contexto internacional, bem como na estruturação de operações de financiamento de projectos. É consultora de empresas com actividades nos sectores de produção e distribuição de produtos alimentares, de software e de telecomunicações. Licenciada em direito pela Faculdade de Direito da Universidade Católica, possui ainda uma pós-graduação em Direito do Ordenamento, do Urbanismo e do Ambiente pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra. LLM em Direito Internacional e Comunitário do Ambiente pela London University (Soas), no seu currículo consta ainda uma pós-graduação em Gestão de Negócios pela Internet, concluída no Instituto de Desenvolvimento, Cooperação e Formação Contínua da Universidade Católica."

Percebi, então, melhor de onde lhe vem essa ideia de falta de "proximidade" entre o cliente e o dito "advogado tradicional".

Já eu, ainda que licenciada pela mesma Universidade, não tenho, de perto ou de longe, um curriculum assim impressionante. Deve ser por isso que, para mim, a "proximidade" dos clientes não constitui qualquer problema... :-)

Venus
"Os estudantes e recém-licenciados em Arquitectura ganharam mais uma batalha contra a Ordem dos Arquitectos (OA), que acusam de restringir o livre acesso à profissão por força de regulamentos ilegais e de estatutos inconstitucionais. Desta feita, a vitória deu-se em sede de Tribunal Constitucional (TC) e promete levar a inúmeros pedidos de indemnização por danos morais e profissionais à OA.
Numa decisão datada de 23 de Março, os juízes do TC rejeitaram um recurso apresentado pela OA a uma sentença do Supremo Tribunal Administrativo que dava razão aos recém-licenciados"(...)
in Jornal de Notícias.

Fui ler Acórdãos ( o 216/2007 do TC e o 0217/06, do STA ) e constatei que o TC não chegou a pronunciar-se sobre a questão, por irrecorribilidade da decisão do STA, que contém o juízo de inconstitucionalidade (melhor explicado neste post).

Quanto à decisão do STA, parece-me ser de reter a seguinte fundamentação:

"A Fundação ora Recorrente solicitou à Ordem dos Arquitectos que o Curso de Arquitectura por ela ministrado fosse reconhecido como conferindo as habilitações mínimas de formação no domínio da arquitectura para que as pessoas detentoras do titulo de licenciado naquele Curso pudessem ser admitidos à prestação de provas de admissão e ao estágio.
Este pedido foi apreciado pelo Conselho Directivo Nacional em deliberação de 4-12-2002 que não reconheceu a licenciatura em Arquitectura e Urbanismo da Universidade Fernando Pessoa.
Desta deliberação foi interposto recurso para o Conselho Nacional de Delegados da Ordem dos Arquitectos que confirmou a deliberação do Conselho Directivo indeferindo a pretensão.
Neste recurso jurisdicional a Fundação Recorrente, responsável pelo curso que viu indeferida a sua pretensão de reconhecimento, sustenta que a decisão de 1ª instância, que negou provimento ao recurso, decidiu mal por um conjunto de razões, a primeira das quais enuncia como a falta de atribuições para a Ordem dos Arquitectos reconhecer cursos ministrados por qualquer estabelecimento de ensino superior oficial ou reconhecido oficialmente, poder que caberia ao Governo e que este não transferiu para OA pelo Estatuto aprovado pelo Decreto-Lei nº 2176/98, de 3 de Julho.
Analisando esta questão verifica-se que efectivamente é ao Governo que a lei confere atribuições na área da aprovação e reconhecimento de cursos académicos conferindo o grau de licenciatura.
Na verdade, de harmonia com o disposto no arts. 8º, alíneas c) e g), e 9º, alíneas c), d) e e), do Estatuto do Ensino Superior Particular e Cooperativo, aprovado pelo Decreto-Lei nº 16/94, de 22 de Janeiro, são atribuições do Governo, no que concerne ao ensino superior particular e cooperativo, «garantir o elevado nível pedagógico, científico e cultural do ensino», «avaliar a qualidade científica, pedagógica e cultural do ensino», autorizar o funcionamento de cursos conferentes de graus e reconhecer os graus.
Foi esta avaliação da qualidade do curso e apreciação da sua idoneidade para conferir o grau de licenciado em arquitectura que foram efectuadas inicialmente pela Portaria nº 811/98, de 24 de Setembro. e, depois, pela Portaria nº 624/2001, de 23 de Junho, em que se aprova planos de estudos pormenorizados, que constam dos respectivos anexos, que contêm indicação da globalidade das unidades curriculares e respectivas cargas horárias.
Não há qualquer disposição com carácter legislativo que atribua à Ordem dos Arquitectos competência para avaliar a qualidade científica, pedagógica e cultural dos cursos de arquitectura ministrados por entidades públicas ou privadas, ou reconhecer ou não graus atribuídos por estabelecimentos de ensino superior reconhecidos pelo Governo.
O que se inclui nas atribuições de Ordem dos Arquitectos é «admitir e certificar a inscrição dos arquitectos, bem como conceder o respectivo título profissional» [art. 32 alínea b), do Estatuto da Ordem dos Arquitectos, na redacção do Decreto-Lei nº 176/98, de 3 de Julho].
Quanto ao ensino de arquitectura apenas se inclui nas atribuições de ordem dos Arquitectos «acompanhar a situação geral do ensino da arquitectura e dar parecer sobre todos os assuntos relacionados com esse ensino» [alínea o) do mesmo art. 3º],
É certo que, no âmbito das suas atribuições de admitir e certificar a inscrição de arquitectos, a Ordem dos Arquitectos poderá avaliar a capacidade profissional dos candidatos à inscrição conforme entender, pois essa actividade inclui-se entre as suas atribuições [art. 3º, alínea b), do Estatuto]. E poderá, no exercício desta fazer a avaliação como entender, designadamente, admitir automaticamente, com dispensa de provas de admissão, candidatos que possuam determinados cursos, como se prevê no art. 22º, nº 2, alínea c) do referido Estatuto, se entender que a mera aprovação nesses cursos garante, só por si, a idoneidade profissional exigível para inscrição.
Mas, o que não se prevê é que possa não admitir a essas provas candidatos licenciados em arquitectura, isto é, que possa não avaliar sequer os candidatos que possuam licenciaturas em arquitectura reconhecidas pelo Governo, o que se compreende, pois sem uma avaliação em concreto dos conhecimentos dos candidatos não é materialmente possível assegurar que eles não possuem os conhecimentos necessários.
São coisas diferentes avaliar em concreto se um determinado candidato possui ou não os conhecimentos profissionais necessários para o exercício da actividade de arquitecto e saber se a licenciatura de que é titular é adequada a fornecer-lhe esses conhecimentos.
Só a primeira tarefa cabe nas atribuições da Ordem dos Arquitectos; a segunda insere-se nas atribuições do Governo.

Assim, pode um candidato titular de licenciatura em arquitectura vir a não ser admitido como arquitecto se se vier a entender, na sequência de provas de admissão, que não possui os conhecimentos necessários para o exercício dessa actividade profissional. Mas, não pode, sob pena de estar a invadir-se as atribuições do Governo, deixar de admitir um candidato à prestação de provas de admissão, pelo facto de possuir uma licenciatura, reconhecida pelo Governo, que a Ordem dos Arquitectos entende que não deveria ser reconhecida, pois ao fazê-la esta está a sobrepor o seu próprio critério sobre o reconhecimento de cursos de arquitectura ao critério do Governo.
Isto tanto é assim se a aplicação deste critério for feita abertamente, dizendo que a Ordem não reconhece a licenciatura para efeitos de admissão, como se for feito veladamente, sob a capa da aferição da satisfação pelo curso em causa dos requisitos pretensamente exigidos pela Directiva nº 85/314: incluindo-se nas atribuições do Governo a competência para reconhecer o curso, é a ele que cabe avaliar se ele satisfaz ou não as exigências comunitárias sobre cursos de arquitectura é o Governo e não à ordem dos Arquitectos.
Poderá, no entanto, porque isso não contende com as atribuições do Governo, a Ordem dos Arquitectos dispensar da prestação de provas de admissão candidatos que possuam determinadas licenciaturas, por entender que a sua titularidade, só por si, é garantia da idoneidade profissional dos candidatos.
Aliás, é essa a única interpretação congruente, pois as Ordens Profissionais são associações públicas que tem por finalidade, por devolução de poderes do Estado, regular e disciplinar o exercício de determinadas actividades profissionais, pertencendo à administração estadual indirecta, pelo que não se compreenderia que pudesse reconhecer-se-lhe o direito de adoptar posições contraditórias em relação às do Governo em matéria de avaliação e reconhecimento de cursos universitários, pois este é o órgão superior da Administração Publica (art. 182º da C.R.P.).
O Regulamento Interno de Admissão aprovado pela Ordem dos Arquitectos, como diploma regulamentar que é, não tem validade em tudo o que contrariar diplomas legislativos, pois, por força do disposto no art. 112º, n.° 5, da CRP (nas redacções de 1997 e posteriores, a que corresponde o art. 115.°, nº 5, nas redacções de 1982, 1989 e 1992), «nenhuma lei pode criar outras categorias de actos legislativos ou conferir a actos de outra natureza o poder de, com eficácia externa, interpretar, integrar, modificar, suspender ou revogar qualquer dos seus preceitos». Os arts. 18º, alínea d), do Estatuto da Ordem dos Arquitectos e 15.° do DL 14/90, de 8 de Janeiro, em que se baseou a emanação do referido Regulamento Interno de Admissão, são materialmente inconstitucionais se interpretados como atribuindo à Ordem o poder de elaborar normas regulamentares que contrariem normas com valor legislativo.
Conclui-se, assim, que o acto recorrido enferma de nulidade, por ser estranho às atribuições da Ordem dos Arquitectos [art. 133º, n.° 2, alínea b), do C.P.A.]."