Terá sido distracção minha, ou passou mais ou menos despercebido, pelos órgãos de comunicação social, o I Congresso Internacional dos Advogados de Língua Portuguesa, onde - segundo informação oficial - estiveram reunidos cerca de 600 advogados de Portugal, Brasil, Angola, Moçambique, Macau, Guiné-Bissau, S. Tome e Príncipe e Cabo Verde? Em todo o caso, julgo que merecem atenção as conclusões aí aprovadas, que fui encontrar aqui, em particular as directamente relacionadas com a autoregulação, questão matricial para as profissões liberais, mas ainda assim nem sempre pacífica. Eram três os temas deste Congresso - “Prerrogativas dos Advogados como Garantias dos Cidadãos”, “Sigilo Profissional” e “Inscrição Obrigatória” - e se é certo que as conclusões reproduzem ideias que julgamos consensuais, e por isso aprovadas por larga maioria, o facto é que, tivessem as mesmas sido votadas há duas décadas, e muito provavelmente o resultado teria sido unânime com, quando muito, uma pontual abstenção ou duas.
Notei, em particular, que os votos «contra» se manifestaram na votação da natureza «privada não mercantil ou de consumo» da advocacia e, ainda, a propósito da obrigatoriedade de inscrição na Ordem, tema que continha em si duas questões, a saber, (i) «os limites éticos da profissão» e (ii) a «função social das Ordens». É interessante verificar, por exemplo, que no âmbito dos «limites éticos» se tenha concluído que a publicidade e a quota-litis assumem «especial importância», como se, eticamente falando, estas duas questões fossem igualmente relevantes. Parece-me, ainda, significativo, que outras questões que, nos dias de hoje, dão azo a problemas disciplinares bem mais sérios que os suscitados pela publicidade não tenham, sequer, sido mencionados. Estou a pensar, por exemplo, nas regras sobre incompatibilidades e conflitos de interesses. E não deixa de ser estranho constatar que pelo menos dois advogados presentes votaram contra o princípio vertido no n.º 17, precisamente aquele onde se alude ao interesse público da profissão, à função social da Ordem na defesa do Estado de Direito e à necessidade de «controlo legal e ético-deontológico do acesso profissional pela entidade competente para a defesa, selecção e disciplina dos seus membros inscritos».
Dir-me-ão, porventura, que o que se passou neste Congresso tem de ser visto à luz da realidade - obviamente muito díspar - da advocacia dos vários países membros. Terá, certamente. Mas ainda que tudo isto possa (eventualmente, deva) ser relativizado, outros sinais existem que me levam a encarar com apreensão o que aí leio. Explico-me.
É, para mim, sintomático de como, apesar das públicas manifestações sobre a importância dos limites éticos e do exercício do poder disciplinar, a situação ser tudo menos boa, o facto de todos os dias brotarem, como cogumelos, candidatos e proto-candidatos aos cargos executivos da Ordem, e serem praticamente inexistentes os projectos de candidatura aos órgãos disciplinares, com excepção, claro está, do Conselho Superior, mas este órgão é - como se sabe - aquele que funciona como primeira instância disciplinar para os membros e antigos membros dos órgãos, pelo que naturalmente desperta outro tipo de atenções, porventura, nem sempre pelas melhores razões. E tudo isto me deixa inquieta.
Inquieta-me porque sei que o (bom, recto, justo, leal) exercício do poder disciplinar é condição sine qua non da autoregulação, da qual a nossa independência depende. Inquieta-me porque interesses egoístas, ambições obscuras, vaidades desbragadas, preocupações mesquinhas têm vindo a minar todas as hipóteses de manter num registo saudável a convivência entre profissionais com práticas cada vez mais diferenciadas, lutando pela sobrevivência (porque é de sobrevivência que na maioria dos casos se trata) em realidades que, de tão diferentes, tornam ainda mais difícil o diálogo. Inquieta-me saber que num ambiente de rivalidades extremadas, alguém poderá ceder à tentação de usar o poder disciplinar para uma finalidade espúria, ao arrepio da estrita legalidade que deve presidir ao seu exercício. Inquieta-me notar que nenhuma das candidaturas já assumidas mostrou - pelo menos até agora, - interesse em encontrar para o Conselho Superior uma solução que preserve a ideia central que presidiu à constituição deste órgão para o actual mandato, a saber, a ideia de que o exercício do poder disciplinar exige transparência e estrita observância da legalidade, e que tais exigências impõem que as candidaturas ao Conselho Superior se afastem o mais possível das rivalidades extremadas que se vivem ao nível dos órgãos executivos, pelo menos até que a lei definitivamente consagre a eleição do Conselho Superior pelo método de Hondt, conforme aprovado no último Congresso, e lhe confira a indispensável independência ao nível das receitas e dos meios. Tudo isto me inquieta, confesso, e há demasiado tempo.
Notei, em particular, que os votos «contra» se manifestaram na votação da natureza «privada não mercantil ou de consumo» da advocacia e, ainda, a propósito da obrigatoriedade de inscrição na Ordem, tema que continha em si duas questões, a saber, (i) «os limites éticos da profissão» e (ii) a «função social das Ordens». É interessante verificar, por exemplo, que no âmbito dos «limites éticos» se tenha concluído que a publicidade e a quota-litis assumem «especial importância», como se, eticamente falando, estas duas questões fossem igualmente relevantes. Parece-me, ainda, significativo, que outras questões que, nos dias de hoje, dão azo a problemas disciplinares bem mais sérios que os suscitados pela publicidade não tenham, sequer, sido mencionados. Estou a pensar, por exemplo, nas regras sobre incompatibilidades e conflitos de interesses. E não deixa de ser estranho constatar que pelo menos dois advogados presentes votaram contra o princípio vertido no n.º 17, precisamente aquele onde se alude ao interesse público da profissão, à função social da Ordem na defesa do Estado de Direito e à necessidade de «controlo legal e ético-deontológico do acesso profissional pela entidade competente para a defesa, selecção e disciplina dos seus membros inscritos».
Dir-me-ão, porventura, que o que se passou neste Congresso tem de ser visto à luz da realidade - obviamente muito díspar - da advocacia dos vários países membros. Terá, certamente. Mas ainda que tudo isto possa (eventualmente, deva) ser relativizado, outros sinais existem que me levam a encarar com apreensão o que aí leio. Explico-me.
É, para mim, sintomático de como, apesar das públicas manifestações sobre a importância dos limites éticos e do exercício do poder disciplinar, a situação ser tudo menos boa, o facto de todos os dias brotarem, como cogumelos, candidatos e proto-candidatos aos cargos executivos da Ordem, e serem praticamente inexistentes os projectos de candidatura aos órgãos disciplinares, com excepção, claro está, do Conselho Superior, mas este órgão é - como se sabe - aquele que funciona como primeira instância disciplinar para os membros e antigos membros dos órgãos, pelo que naturalmente desperta outro tipo de atenções, porventura, nem sempre pelas melhores razões. E tudo isto me deixa inquieta.
Inquieta-me porque sei que o (bom, recto, justo, leal) exercício do poder disciplinar é condição sine qua non da autoregulação, da qual a nossa independência depende. Inquieta-me porque interesses egoístas, ambições obscuras, vaidades desbragadas, preocupações mesquinhas têm vindo a minar todas as hipóteses de manter num registo saudável a convivência entre profissionais com práticas cada vez mais diferenciadas, lutando pela sobrevivência (porque é de sobrevivência que na maioria dos casos se trata) em realidades que, de tão diferentes, tornam ainda mais difícil o diálogo. Inquieta-me saber que num ambiente de rivalidades extremadas, alguém poderá ceder à tentação de usar o poder disciplinar para uma finalidade espúria, ao arrepio da estrita legalidade que deve presidir ao seu exercício. Inquieta-me notar que nenhuma das candidaturas já assumidas mostrou - pelo menos até agora, - interesse em encontrar para o Conselho Superior uma solução que preserve a ideia central que presidiu à constituição deste órgão para o actual mandato, a saber, a ideia de que o exercício do poder disciplinar exige transparência e estrita observância da legalidade, e que tais exigências impõem que as candidaturas ao Conselho Superior se afastem o mais possível das rivalidades extremadas que se vivem ao nível dos órgãos executivos, pelo menos até que a lei definitivamente consagre a eleição do Conselho Superior pelo método de Hondt, conforme aprovado no último Congresso, e lhe confira a indispensável independência ao nível das receitas e dos meios. Tudo isto me inquieta, confesso, e há demasiado tempo.