Muito se tem escrito por causa do artigo do novo Código de Processo Penal, que passo a transcrever:
"Não é permitida, sob pena de desobediência simples, a publicação, por qualquer meio, de conversações ou comunicações interceptadas no âmbito de um processo, salvo se não estiverem sujeitas a segredo de justiça e os intervenientes expressamente consentirem na publicação." 88.º-4
Do muito que tenho lido, guardo na memória este post do "Patalogia Social", e também este, este, este, e ainda este, todos do "O Meu Monte".
Mas também me parece importante que ninguém esqueça isto.
A verdade é como o azeite... (cont.)
Há cerca de um ano atrás, o Bastonário Rogério Alves escrevia, no Boletim da Ordem dos Advogados, que em matéria de formação dos advogados, exigência era a "nova palavra de ordem". Aí explicou que com a entrada em vigor do novo Regulamento Nacional de Estágio (RGE) se cumpriu uma das principais metas deste bastonato, que era necessário, agora, "afirmar e consolidar a reforma" , e que isso passaria por quatro "vectores fundamentais":
"(i) o carácter facultativo da frequência das acções de formação por parte dos advogados estagiários; a aposta no (ii) incremento do número, qualidade e variedade das acções de formação, concebidas e desenvolvidas sob a égide e responsabilidade dos conselhos distritais, que desempenham o papel de verdadeiros motores do sistema formativo; a (iii) reafirmação do papel do patrono no processo de formação dos advogados estagiários; a (iv) aposta decisiva nos momentos de avaliação, que se pretendem cada vez mais exigentes, destacando-se, nomeadamente, a existência de duas provas obrigatórias finais, uma escrita e outra oral, condicionantes do acesso à profissão."
Um ano decorreu desde a publicação desse artigo. Pergunto: o que é que já se fez para implementar esses propalados "vectores fundamentais"?
Comecemos pela análise dos mais recentes acontecimentos.
Em Julho passado, o Jornal de Notícias tornou pública a existência de "erros graves" na prova escrita nacional de processo penal do exame final de avaliação e agregação da OA, que a CNA da OA "explicou" através de um comunicado , conforme, na altura, referi aqui.
No início do corrente mês de Setembro foram, finalmente, publicadas as notas, divulgados os enunciados ( Deontologia Profissional e Prática Processual Civil - RNE e RGF, Prática Processual Penal - RNE e RGF) e ainda as correspondentes grelhas de correcção.
Relativamente à já famosa prova de Prática Processual Penal, é possível agora verificar , em toda a sua extensão, os tais erros (...) resultantes de uma correcção imperfeita das alterações realizadas ao respectivo texto inicial, no qual se mantiveram algumas expressões e palavras que, após a correcção, deveriam ter sido suprimidas, citando o comunicado da CNA.
Para ter uma ideia do produto resultante daquilo que a CNA designou por "correcção imperfeita", aqui vai um excerto do enunciado da "hipótese":
Em data imprecisa de Janeiro de 2005, Baltasar, de 19 anos, agride corporalmente Manuel, na área da cidade do Penafiel, causando somente uma equimose na face. Manuel somente vem a saber que fora Baltasar a agredi-lo, em Outubro de 2006.
Entretanto, em Fevereiro de 2006, como José se tivesse apoderado de uns óculos de Joaquim, com 14 anos de idade, filho de Manuel, que se encontravam fechados num cacifo dos balneários da piscina municipal de Penafiel que ambos frequentavam. Quando, em Junho do mesmo ano, corria termos o processo por estes factos, Manuel prestou declarações no decurso das investigações, onde atribuiu o valor de €300 aos óculos.
Pretendia-se que o examinando efectuasse "o enquadramento jurídico-penal e processual das condutas" referidas na dita "hipótese". Eu, confesso, não seria capaz, tal como os estagiários que, na altura, se manifestaram . Certo é que os erros grosseiros de que a prova padecia não impediram que as respostas fossem valorizadas muito generosamente, pelo que o nível de reprovações nesta área se manteve, em Lisboa, abaixo dos 70%. Aos estagiários menos "imaginativos", que não conseguiram escrever nada (como, certamente, teria acontecido comigo), foi concedida a oportunidade de repetir o exame. Do mal o menos...
Mas, infelizmente, esta triste história não terminou aqui.
Depois da correcção do exame apurou-se que, em Lisboa, 95% dos examinandos tiveram resultados negativos na área de Prática Processual Civil, de acordo com o que li em mais um comunicado, desta vez do Conselho Distrital de Lisboa.
Explica o Conselho Distrital de Lisboa que "Não obstante a prova em causa, nos aspectos que se referem à elaboração dos correspondentes enunciados dos testes e respectivas grelhas de correcção ser da exclusiva responsabilidade da CNA, assim como a coordenação das tarefas de correcção e aferição das classificações antes da sua divulgação,[o trabalho por ela realizado] não foi suficiente para alcançar, a nível nacional, um patamar de uniformização dos critérios de avaliação e subsequentes resultados."
Ou seja, em vez de investigar, em concreto, por que razão os resultados em Lisboa foram tão confrangedoramente maus, deixando as explicações para mais tarde, o Conselho Distrital de Lisboa já tornou público que o problema poderá não estar nos exames, mas sim na forma como, em Lisboa, terão sido corrigidos.
Não curou, por exemplo, de verificar como foram os estágios dos cerca de 300 advogados estagiários que se submeteram a este exame e, designadamente, se nos escritórios onde estagiaram, alguma vez tiveram qualquer espécie de contacto com uma qualquer acção declarativa constitutiva, nomeadamente uma acção de despejo. É que eu sei que em Lisboa há muitos estagiários que chegam à prova final de agregação sem nunca terem minutado um simples requerimento dirigido a um qualquer juízo. Com isto quero dizer que, a meu ver, importa antes de mais verificar se a circunstância da formação se ter tornado facultativa e assentar, agora, predominantemente no patrono poderá, ou não, ter tido alguma influência nestes resultados.
Também não parece ter verificado se houve incremento - e em caso afirmativo, em que áreas - do número de acções de formação que ele próprio promoveu em Lisboa e, designadamente, se aqui, à semelhança do que aconteceu no distrito do Porto [ de onde, aliás, provém a larga maioria dos membros da CNEF e da CNA ], também foi ministrada, pouco tempo antes da realização do exame, uma qualquer acção de formação sobre processo civil simplificado. Tendo em consideração o que encontrei aqui, parece-me que só seriam de esperar melhores resultados se o exame estivesse redigido em inglês... :-)
Nada disto, tanto quanto me parece, foi ponderado pelo Conselho Distrital de Lisboa.
E por aqui se vê como, na prática, e não obstante a "nova palavra de ordem" e os "quatro vectores fundamentais", a tentação continua a ser o recurso ao muito antigo e (nada) católico método de corrigir o disparate com uma generosa dose de "água benta"...
"(i) o carácter facultativo da frequência das acções de formação por parte dos advogados estagiários; a aposta no (ii) incremento do número, qualidade e variedade das acções de formação, concebidas e desenvolvidas sob a égide e responsabilidade dos conselhos distritais, que desempenham o papel de verdadeiros motores do sistema formativo; a (iii) reafirmação do papel do patrono no processo de formação dos advogados estagiários; a (iv) aposta decisiva nos momentos de avaliação, que se pretendem cada vez mais exigentes, destacando-se, nomeadamente, a existência de duas provas obrigatórias finais, uma escrita e outra oral, condicionantes do acesso à profissão."
Um ano decorreu desde a publicação desse artigo. Pergunto: o que é que já se fez para implementar esses propalados "vectores fundamentais"?
Comecemos pela análise dos mais recentes acontecimentos.
Em Julho passado, o Jornal de Notícias tornou pública a existência de "erros graves" na prova escrita nacional de processo penal do exame final de avaliação e agregação da OA, que a CNA da OA "explicou" através de um comunicado , conforme, na altura, referi aqui.
No início do corrente mês de Setembro foram, finalmente, publicadas as notas, divulgados os enunciados ( Deontologia Profissional e Prática Processual Civil - RNE e RGF, Prática Processual Penal - RNE e RGF) e ainda as correspondentes grelhas de correcção.
Relativamente à já famosa prova de Prática Processual Penal, é possível agora verificar , em toda a sua extensão, os tais erros (...) resultantes de uma correcção imperfeita das alterações realizadas ao respectivo texto inicial, no qual se mantiveram algumas expressões e palavras que, após a correcção, deveriam ter sido suprimidas, citando o comunicado da CNA.
Para ter uma ideia do produto resultante daquilo que a CNA designou por "correcção imperfeita", aqui vai um excerto do enunciado da "hipótese":
Em data imprecisa de Janeiro de 2005, Baltasar, de 19 anos, agride corporalmente Manuel, na área da cidade do Penafiel, causando somente uma equimose na face. Manuel somente vem a saber que fora Baltasar a agredi-lo, em Outubro de 2006.
Entretanto, em Fevereiro de 2006, como José se tivesse apoderado de uns óculos de Joaquim, com 14 anos de idade, filho de Manuel, que se encontravam fechados num cacifo dos balneários da piscina municipal de Penafiel que ambos frequentavam. Quando, em Junho do mesmo ano, corria termos o processo por estes factos, Manuel prestou declarações no decurso das investigações, onde atribuiu o valor de €300 aos óculos.
Pretendia-se que o examinando efectuasse "o enquadramento jurídico-penal e processual das condutas" referidas na dita "hipótese". Eu, confesso, não seria capaz, tal como os estagiários que, na altura, se manifestaram . Certo é que os erros grosseiros de que a prova padecia não impediram que as respostas fossem valorizadas muito generosamente, pelo que o nível de reprovações nesta área se manteve, em Lisboa, abaixo dos 70%. Aos estagiários menos "imaginativos", que não conseguiram escrever nada (como, certamente, teria acontecido comigo), foi concedida a oportunidade de repetir o exame. Do mal o menos...
Mas, infelizmente, esta triste história não terminou aqui.
Depois da correcção do exame apurou-se que, em Lisboa, 95% dos examinandos tiveram resultados negativos na área de Prática Processual Civil, de acordo com o que li em mais um comunicado, desta vez do Conselho Distrital de Lisboa.
Explica o Conselho Distrital de Lisboa que "Não obstante a prova em causa, nos aspectos que se referem à elaboração dos correspondentes enunciados dos testes e respectivas grelhas de correcção ser da exclusiva responsabilidade da CNA, assim como a coordenação das tarefas de correcção e aferição das classificações antes da sua divulgação,[o trabalho por ela realizado] não foi suficiente para alcançar, a nível nacional, um patamar de uniformização dos critérios de avaliação e subsequentes resultados."
Ou seja, em vez de investigar, em concreto, por que razão os resultados em Lisboa foram tão confrangedoramente maus, deixando as explicações para mais tarde, o Conselho Distrital de Lisboa já tornou público que o problema poderá não estar nos exames, mas sim na forma como, em Lisboa, terão sido corrigidos.
Não curou, por exemplo, de verificar como foram os estágios dos cerca de 300 advogados estagiários que se submeteram a este exame e, designadamente, se nos escritórios onde estagiaram, alguma vez tiveram qualquer espécie de contacto com uma qualquer acção declarativa constitutiva, nomeadamente uma acção de despejo. É que eu sei que em Lisboa há muitos estagiários que chegam à prova final de agregação sem nunca terem minutado um simples requerimento dirigido a um qualquer juízo. Com isto quero dizer que, a meu ver, importa antes de mais verificar se a circunstância da formação se ter tornado facultativa e assentar, agora, predominantemente no patrono poderá, ou não, ter tido alguma influência nestes resultados.
Também não parece ter verificado se houve incremento - e em caso afirmativo, em que áreas - do número de acções de formação que ele próprio promoveu em Lisboa e, designadamente, se aqui, à semelhança do que aconteceu no distrito do Porto [ de onde, aliás, provém a larga maioria dos membros da CNEF e da CNA ], também foi ministrada, pouco tempo antes da realização do exame, uma qualquer acção de formação sobre processo civil simplificado. Tendo em consideração o que encontrei aqui, parece-me que só seriam de esperar melhores resultados se o exame estivesse redigido em inglês... :-)
Nada disto, tanto quanto me parece, foi ponderado pelo Conselho Distrital de Lisboa.
E por aqui se vê como, na prática, e não obstante a "nova palavra de ordem" e os "quatro vectores fundamentais", a tentação continua a ser o recurso ao muito antigo e (nada) católico método de corrigir o disparate com uma generosa dose de "água benta"...
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