Ultimamente, muito tenho lido e ouvido falar sobre a necessidade de um "novo paradigma de Justiça".
Três exemplos:
Neste memorando do Observatório Permanente da Justiça Portuguesa (OPJP), intitulado "Para uma Agenda da Reforma da Justiça" defende-se que esse paradigma assenta num novo sistema de resolução de litígios, no qual se reconfiguram "as funções do Estado e da sociedade civil, desenvolvem-se parcerias entre o público, a comunidade e, eventualmente, o mercado e assume-se um novo modelo de justiça, ou seja, um sistema integrado de resolução de litígios, em que a pluralidade dos ADR tanto podem consistir em alternativas aos tribunais judiciais (resolvem litígios que os tribunais também dirimem) ou antes um seu complemento (para os litígios que nunca chegariam a tribunal) ou, ainda, um seu substituto (a transferência de competências de resolução de litígios dos tribunais para estes meios).
Esse novo sistema pode ser representado por uma pirâmide (Figura 1) em que teremos, na base, os mecanismos de autocomposição, no seu vértice,os tribunais judiciais e na zona intermédia a panóplia de meios de ADR que o Estado e a sociedade conseguem gerar".
No DN do passado sábado encontrei este editorial, no qual, a propósito do discurso de Ano Novo do Presidente da República, se aborda o mesmo tema, nos seguintes termos:
"(...)Alberto Costa, com a sua equipa, como já escreveu o professor Nuno Garoupa, uma voz da geração pós-25 de Abril que emerge na área da justiça com grande lucidez, tem trabalhado no sentido certo. Tem indicado uma linha de racionalização de recursos, de inovação tecnológica, de flexibilização, de definição de prioridades, de procurar espremer o sistema dentro dos limites legais existentes, tentando tirar dele o melhor partido. Não terá mudado de paradigma, é certo, no sentido de mitigar a matriz dogmática e formalista da justiça portuguesa a favor de soluções mais ágeis que assumam o direito e a justiça como instrumentos de uma visão política, como acontece no mundo anglo-saxónico, mas conseguiu em dois anos apontar a máquina pelos caminhos certos.(...)"
Por sua vez, o que o Professor Nuno Garoupa escreveu encontra-se aqui.
Diz o Professor:
"A actual equipa do Ministério da Justiça é muito possivelmente a melhor que passou por lá. O Ministro Alberto Costa, com todos os defeitos que lhe possam imputar, é o melhor ministro da Justiça desde o 25 de Abril. Não podemos especular sobre aqueles que apenas aqueceram o lugar de Ministro nos curtos meses que lá estiveram (como Aguiar Branco), mas olhando os que por lá passaram por mais tempo (recordo Fernando Nogueira, Laborinho Lúcio, Vera Jardim, Celeste Cardona ou mesmo António Costa), este Ministro já fez mais e muito melhor que todos eles.(...) O problema das reformas em curso é que elas não alteram nem o paradigma do sistema judicial nem atacam os problema estruturais. Do meu ponto de vista, uma reforma da Justiça (e não as reformas na Justiça) só poderá acontecer quando houver uma política de Justiça (e não uma gestão, ainda que agora mais eficaz, do sistema de Justiça). Acontece que para existir política de Justiça tem de haver confronto de ideias, projectos, ideologia. Coisa que não há, nem nunca houve. O confronto ideológico em Portugal sempre se faz na regulação económica (o papel do Estado na economia), na regulação social (o papel do Estado na sociedade) e nas políticas sociais (na educação, na saúde) mas nunca na Justiça. Isso é uma consequência directa da funcionalização da Justiça pelo Estado Novo e do pensamento jurídico dominante teleológico que sempre rejeitou o Direito como instrumento de políticas públicas. Claro está, uma vez que se aceite que o Direito e a Justiça são instrumentos de políticas públicas, o debate ideológico e político não pode deixar de ser feito."
Constatei, ainda, que o Professor também já se pronunciou sobre "Regulação e concorrência em Portugal" e "Regulação das profissões liberais", a propósito do estudo realizado pela Comissão Europeia em 2003 (cfr. aqui e aqui).
Tudo visto, acho que não é difícil perceber qual é o paradigma de Justiça que os distintos editorialista e professor defendem.
E também se percebe que a opinião que têm sobre a advocacia deverá estar muito próxima - se não for mesmo igual - a esta ou ainda esta.
Longe vai o tempo em que um bastonário podia afirmar, sem hesitações, que o modelo dele não era o inglês e que não tinha sido eleito para o concretizar. Cinco anos depois, e por aquilo que vejo, o meu receio é que os próximos não tenham qualquer escolha...
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