Há uns tempos atrás encontrei aqui um estudo intitulado "Percursos da informalização e da desjudicialização – por caminhos da reforma da administração da justiça (análise comparada)", no qual é analisada a situação das várias profissões jurídicas e, designadamente, da advocacia.
Aí se refere que, para alguns autores, a advocacia europeia mudou mais nos últimos vinte anos do que nos últimos duzentos. Passo a transcrever:
"Sobre a crise dos advogados em França, Lucien Karpic (cfr. 1999:67) faz uma reflexão que sintetiza parte da discussão actual:
'A profissão de advogado duvida dela própria. Este sentimento colectivo de crise é paradoxal, pois nas últimas décadas a profissão mudou mais que nos dois séculos anteriores. Era uma profissão homogénea, organizada em torno de mercados específicos e dominados por uma lógica política, tendo-se transformado numa profissão marcada por uma forte diferenciação - a clientela alargou-se dos particulares às grandes empresas e as posturas simbólicas e materiais transformaram-se em interesses - com uma orientação em direcção ao mercado. (...)
Os advogados, como no caso francês (podendo adaptar-se à realidade portuguesa com algumas nuances), apoiaram tradicionalmente a sua estratégia profissional em quatro vectores principais (Karpic,1999:68):
1) a adopção de uma estratégia colectiva baseada no primado da política e que os levou a estarem nas lutas políticas contra o Estado, nos séculos XVIII e XIX, defendendo uma perspectiva liberal até se transformarem numa elite dirigente, facto que originou uma perda de prestígio e de influência pública, combatida pela tentativa de sacralização da profissão e da identidade profissional;
2) a demonstração pública de um compromisso político que recusava a acumulação capitalista e postergava a interdição do envolvimento dos advogados no mercado de negócios;
3) a assunção de uma prática jurídica onde o primado dos clientes particulares assumia uma importância determinante, apoiada nas competências jurídicas fundamentais ligadas aos direitos civil e penal clássicos;
4) e a construção de um poder profissional que percorreu um caminho glorioso, sustentado, coerente e, sobretudo, indispensável.
Hoje, em inícios do Século XXI, a situação alterou-se radicalmente, embora a acção dos advogados, mesmo que movida por interesses pessoais, se fazer com o recurso aos referidos princípios e ideiais".
(...)A tradição do advogado como profissional liberal está, cada vez mais, desactualizada. A prestação de serviços para empresas, entidades estatais, associações e mesmo para outros advogados é cada vez mais comum. A concentração de serviços jurídicos é cada vez maior, em especial através de médios e grandes escritórios que incorporam especialistas em várias áreas, permitindo ter um leque muito variado de serviços para oferecer.
Todas estas transformações revelam uma mudança estrutural na identidade dos advogados, registando-se essa transformação com maior profundidade entre as gerações mais novas. A perspectiva perante a profissão, a dispersão de interesses e a profusão de ideiais geram uma discrepância bastante grande, para além do aumento exponencial da concorrência dentro da profissão, fruto do aumento do número de advogados e das alterações verificadas na procura".
Não sei se a análise da situação francesa é assim tão aplicável à portuguesa como os autores do estudo querem fazer crer. Provavelmente será, mas creio que só daqui a mais algum tempo.
De qualquer forma, concordo que os mais afectados pelas transformações são os mais novos. E é a pensar neles que recomendo a leitura deste artigo publicado no último BOA, que aborda um aspecto das mudanças que mais os afecta, a saber, a "Relação Jurídica entre os Associados e as Sociedades de Advogados".
E, já agora, recomendo também a leitura do acórdão e da comunicação a que aí se alude, e bem assim das conclusões que sobre essa matéria foram aprovadas.
E também faço votos que em 2007 haja reflexão séria e profunda sobre esta questão, porque, como é bom de ver, o futuro vai passar por aqui.
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