«Elogio da sinceridade»

Charles-Louis de Secondat, barão de Montesquieu, é lembrado até aos nossos dias por ser o autor do princípio da separação dos poderes, ideia matricial dos Estados modernos, contida no livro «De l'esprit des lois», publicado, anonimamente, em Genebra, no ano de 1748. Aristocrata por nascimento e juiz de profissão, Montesquieu escreveu, além daquela obra maior da ciência política, vários discursos, entre 1717 e 1721, um dos quais intitulado «Éloge de la sincérité», uma virtude «que faz na vida privada o homem de bem e no comércio dos grandes, o herói». Escreveu Montesquieu: «Aqueles cujo coração se corrompeu desprezam os homens sinceros, porque estes raramente acedem às honras e às dignidades; como se houvesse mais bela ocupação que dizer a verdade; como se o que faz com que se faça bom uso das dignidades não fosse superior às dignidades mesmas. Com efeito, a própria sinceridade tem tanto brilho como quando transportada à corte dos príncipes, o centro das honras e da glória. Pode dizer-se que é a coroa de Ariadne que é colocada no céu. É aí que esta virtude brilha com os nomes de magnanimidade, de firmeza, de coragem; e, como as plantas têm mais força quando crescem em terras férteis, assim a sinceridade é mais admirável junto dos grandes, onde a magestade mesma do Príncipe, que empalidece tudo o que a rodeia, lhe dá um novo brilho. Um homem sincero na corte de um príncipe é um homem livre entre escravos. Ainda que respeite o Soberano, a verdade, na sua boca, é sempre soberana, e, enquanto uma turba de cortesãos é joguete dos ventos que reinam e das tempestades que troam em redor do trono, ele é firme e inabalável, porque se apoia na verdade, que é imortal pela sua natureza e incorruptível pela sua essência. É, por assim dizer, garante perante os povos das acções do Príncipe». [ed. Fenda, 2005, pág.21 e 22].
Há quem de Montesquieu só tenha lido o tratado político, para daí retirar as grandes ideias. É pena. Muitas vezes as maiores verdades encontram-se nas obras pequenas.

3 comentários:

jaime roriz disse...

Na minha primeira aula do seminário de metodologia do mestrado, o professor elogiava a organização como uma forma de se conseguir obter um trabalho excelente. Como exemplo citou os militares. Eu pacifista convicto, estando certo que todos os exércitos deveriam ser banidos, por inutilidade, da face da terra, expressei-o com a minha habitual sinceridade (desbocada).

Fiquei a saber, na resposta pronta do professor, que este era militar desde os 12 anos (colégio militar etc). Lá se foi qualquer vantagem que eu pudesse ter.

Nicolina Cabrita disse...

Boa noite, meu Colega.

Montesquieu elogiou a sinceridade, não a impoderação... :-) Eu também sou pacifista convicta, mas a História demonstra que às vezes a única forma de manter a paz é através de um bom exército. Depois, há virtudes nos militares que eu aprecio. A disciplina e organização, assim como o sentido de colectivo e a lealdade, são algumas delas.

Este texto do Montesquieu tem um particular significado para mim, porque a virtude que enaltece é precisamente aquela que, a meu ver, está presente em todos os grandes Advogados. É o amor à verdade e a sinceridade na defesa da causa que faz o advogado «tocar as estrelas», usando as palavras do Bastonário Adelino da Palma Carlos. Por isso, quando criei este blog, na escolha do nome fui inspirar-me num excerto da «Ética a Nicómaco», de Aristóteles [«Um homem verdadeiramente bom é recto, como um quadrado, sem irregularidades»] e escolhi como citação a frase de Montesquieu, que acima trancrevo: «Um homem sincero na corte de um príncipe é um homem livre entre escravos». Na verdade, ambas as citações têm subjacente o mesmo princípio, são uma face da mesma moeda.

Obrigada pelo seu comentário. Saudações cordiais.

jaime roriz disse...

Esqueci-me de referir, eu e o professor ficámos grandes amigos.