«Vai fazer um ano - falta pouco - que este país assistiu, escandalizado, a um conjunto de medidas legislativas aberrantes, que desferiram um golpe profundo, verdadeiramente lamentável, na santa, na sublime, na gloriosa causa da Justiça.
É o chamado «pacote da Justiça».
Mas uma vez aberto esse pacote, não tinha remédios, tinha era uma caixa de farpas, ou uma pregadeira de alfinetes - como quiserem.
E, muito sinceramente (...) começando pela Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais, como é possível consentir na aprovação de uma lei tão infeliz como esta? (...)
Mas houve pior. E o pior, o diploma mais insultuoso, mais humilhante, mais vexatório, foi aquele que introduziu alterações ao Código das Custas Judiciais.
Precisamente numa altura, até mesmo em termos de direito comparado, em que as tendências vão no sentido da gratuitidade da Justiça, é que entre nós, e bem ao invés, se agravam brutalmente os encargos judiciário-fiscais.(...)
Finalmente - finalmente, porque faz também quase um ano que foi aprovada a respectiva lei de autorização legislativa, embora só em fins de Agosto passado é que se tivesse consumado mais esse crime de lesa-justiça -, a actividade dos Advogados passou a ser tributada também pelo IVA, como se fosse uma outra actividade, como se fosse uma actividade comercial ou uma actividade industrial qualquer. (...)
Pois bem (...): é claro que, nestas circunstâncias angustiosas, neste quadro penoso em que fizeram mergulhar a Justiça, sufocada nas suas mais nobres aspirações por medidas inauditas - medidas que queimam como ferro em brasa - os Advogados tinham de reagir.
E reagiram efectivamente. (...)
E a razão é esta: é que os Advogados estão fartos, os Advogados estão impacientes, os Advogados não podem suportar mais estas tropelias. (...)
Porque nós não vimos fazer reivindicações de aumentos de salários, não vimos fazer reivindicações corporativas. (...)
E não vimos aqui sequer reclamar a adopção, por exemplo, do «numerus clausus» - como condição de regulação do acesso à profissão -, o que poderia ser legítimo, dada a excessiva proliferação de licenciados em Direito e a consequente saturação do mercado. (...)
Quem são os responsáveis? É o Poder, são os governantes, no número dos quais se destacam algumas figuras sinistras, que tudo subordinam, até o Direito, até a Justiça (...) a critérios puramente conjecturais, de natureza economicista e tecnocrática.
E nessas figuras destaca-se o senhor Ministro das Finanças que, visto à luz das suas vaidades, parece um colosso, parece um banqueiro, mas visto à luz das suas ideias é pequenino, não passa de um empregado bancário, como efectivamente é.
(...) Não obstante a simpatia pessoal que tenho pelo Senhor Ministro da Justiça que ainda é a única autoridade que tem distinguido os Advogados com algumas atenções, o Estado, através da péssima actuação do seu Poder Legislativo em matéria judicial, judiciária, deve sair daqui moralmente condenado, nesta Assembleia.»
Não. Embora possa parecer, garanto que não é um excerto do discurso do Dr. Marinho e Pinto, hoje, em Castelo Branco, referido aqui. O que acima reproduzi são excertos de um famoso discurso, pronunciado em 10 de Dezembro de 1988, na Assembleia Geral Extraordinária da Ordem dos Advogados, pelo então Presidente do Conselho Distrital de Lisboa, falecido em Agosto de 2002, o saudoso Dr. Alfredo Gaspar. Ou seja, um discurso com 23 anos. Até quando?
2 comentários:
Interessante esta prova (mais uma) de que os discursos e o que lhes dá origem permanecem no tempo. Há coisas muito difíceis de mudar...
... e a mais difícil de todas é a natureza humana. Sem dúvida...
Enviar um comentário