STJ arquiva queixa de advogado contra juiz
O advogado João Peres viu arquivada, no Tribunal da Relação de Lisboa e no Supremo Tribunal de Justiça, uma queixa contra o juiz Joaquim Neto Moura, devido a uma frase proferida por este magistrado judicial. "Como já se tornou hábito, o ilustre defensor distorce conscientemente a realidade do que se passa na audiência", afirmou o juiz, durante uma audiência, após Peres ter arguido uma irregularidade processual.
O causídico sentiu-se ofendido e subscreveu uma denúncia sustentando que aquela afirmação era uma injúria. Os autos seriam arquivados pela procuradora-geral adjunta titular dos mesmos, que concluiu: "Parece demonstrado que o assistente [João Peres] não estava a conduzir as instâncias de forma correcta e leal, a verdade é que a expressão em causa, apesar de não poder considerar-se elegante, reflectirá, por certo, o clima pouco ameno que estava criado na audiência."
Inconformado, João Peres requereu a instrução, mas o desembargador que agiu como juiz instrutor manteve a decisão do MP, sustentando que a declaração do juiz se dirigia "unicamente à prestação do assistente no campo profissional e não directamente à sua pessoa". O advogado voltou a não se conformar com a decisão e recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça, alegando que a decisão da Relação de Lisboa "confundiu facto e juízo de valor e não fundamentou como a frase integrava uma crítica objectiva".
Salientando que a frase do juiz de Loures foi proferida relativamente à actuação do advogado naquele processo, o acórdão admite que a frase poderá ser resultado de "um certo azedume no relacionamento intraprocessual (...) podendo evidenciar vigoroso exercício do direito de defesa". "Advogados e juízes devem-se o mútuo dever de respeito de todos os intervenientes processuais", sendo-lhes "negado o direito de agir, caindo no insulto grosseiro ou injúria soez".
Segundo o acórdão do STJ, "da tutela penal estão arredados os juízos de apreciação e valoração críticas vertidos sobre realizações científicas, académicas, artísticas, profissionais, inclusive, como não pode deixar de ser, o desempenho técnico do advogado, isto porque, em regra, não atingem a honra pessoal do cientista ou profissional". "A crítica objectiva, não directa e imediatamente dirigida à pessoa, é um acto criminalmente atípico."
Para fundamentar o arquivamento da queixa de João Peres, os conselheiros citam excertos de Costa Andrade, professor da Faculdade de Direito de Coimbra, no seu livro O Direito à Honra e a Sua Tutela Penal. Afirma o catedrático que a "atipicidade da crítica objectiva pode e deve estender-se a outras áreas, aqui se incluindo as instâncias públicas, com destaque para os actos da administração pública, as sentenças, os despachos dos juízes, as promoções do Ministério Público, as decisões e o desempenho político de órgãos de soberania como o Governo e o Parlamento".
António Arnaldo Mesquita, no Público
Jurisprudência a ter em consideração nos processos disciplinares instaurados contra advogados, por declarações proferidas no exercício do patrocínio, e nos quais os participantes são magistrados.
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
2 comentários:
Discordo absolutamente do ultimo parágrafo do seu post. Só uma atitude de rigor e de absoluta urbanidade deve ser apanágio dos advogados. Seria mau se, vendo juizes tratarem os advogados de forma menos correcta, os próprios advogados se desculpassem quando um ou outro trata juizes de forma menos urbana.
A tais atitudes responde-se com correcção. É uma jurisprudência que não deve ser seguida.
Meu Caro Efe,
Eu também sou apologista do rigor e da absoluta urbanidade no tratamento entre magistrados e advogados.
A questão aqui parece-me ser outra.
O que está em causa é punir alguém por expressões usadas no exercício de uma função. Ora, quando é isso que está em causa, eu perfilho a orientação que defende que são admissíveis todas as expressões desde que se demonstre que elas são adequadas à defesa da causa.
Infelizmente, os magistrados de hoje em dia tendem a não ter isso em consideração e participam situações que, há uns anos atrás, se entendia que eram absolutamente normais e aceitáveis.
Por essa razão, acho que a fundamentação deste Acórdão (porventura mais "benevolente" do que aquilo que se esperaria, e na linha da orientação perfilhada pelo Conselho Superior da Magistratura, relativamente ao uso, numa sentença, da expressão "comentários asnáticos") deve ser equacionada quando os Conselhos de Deontologia têm de apreciar as condutas dos advogados, tanto mais que estes - ao contrário dos juízes - usam essas expressões na defesa de uma causa (naturalmente, desde que se demonstre ser esse o caso).
Era isto que eu queria dizer no meu último parágrafo e que, porventura, não terá ficado suficientemente claro.
Enviar um comentário