O DN de hoje voltou ao "assunto Bragaparques" num artigo sobre a utilização de agentes infiltrados na investigação criminal, indicando a lei aplicável e a posição de alguma jurisprudência e doutrina sobre este problema.
Uma das decisões judiciais aí citadas foi objecto do Acórdão do STJ, que se encontra disponível aqui, e do qual consta a distinção entre os conceitos de "agente provocador" e "agente infiltrado", que passo a transcrever, conforme segue:
"(...) o agente provocador é definido como o membro da autoridade policial ou um terceiro por esta controlado que dolosamente determina outrem à comissão de um crime, o qual não seria cometido sem a sua intervenção, movido pelo desejo de obter provas da prática desse crime ou de submeter esse outrem a um processo penal e à condenação; como "aquele que induz outrem a delinquir com a finalidade de o fazer condenar" , sendo que também pode estar subjacente, no caso do tráfico de estupefacientes, o intuito de apreensão da droga.
Já o agente infiltrado - polícia ou terceiro por si comandado - é o que se insinua nos meios em que se praticam crimes, com ocultação da sua qualidade, de modo a ganhar a confiança dos criminosos, com vista a obter informações e provas contra eles mas sem os determinar à prática de infracções.
A distinção encontra-se entre o provocar uma intenção criminosa que ainda não existia, das situações em que o sujeito já está decidido a delinquir e a actuação do infiltrado apenas acompanha ou, no limite, põe em marcha uma decisão previamente tomada.
Enquanto o agente infiltrado trabalha num meio em que os crimes já foram praticados, estão em execução ou na iminência de ocorrerem, o agente provocador incita, instiga outrem à prática do crime, torna-se autor mediato do crime.
Devendo reconhecer-se que é por vezes difícil distinguir entre o modo de actuação de um agente provocador e o do agente infiltrado, importa reter que, enquanto o agente provocador fez nascer ou reforçar a resolução criminosa, a acção do agente infiltrado não suscitou a infracção, limitando-se a introduzir-se na organização com objectivo de descobrir e fazer punir o criminoso, não actuando, pois, para dar vida ao crime, mas com uma pretensão de descoberta, de revelação.
Lembra-se, a propósito, no douto acórdão que ordenou o reenvio, o modo como os anglo-saxónicos lidam com a questão do undercover agent e o entrapment. Salienta-se que o polícia (encoberto) não deve encorajar (causalmente), por isso não deve "armadilhar" inocentes, não deve incitar através de oferta de ganhos excepcionais, sendo importante conhecer os antecedentes do suspeito, da sua predisposição ou não para a prática do crime. Insiste-se particularmente no "due process", na legalidade dos meios e fins da actividade policial, apelando à lealdade na administração da Justiça , enfatizando a necessidade da intervenção de um magistrado independente no controlo do processo.
Pode surpreender-se consenso na doutrina sobre a distinção entre as duas figuras: o agente meramente infiltrado não determina outrem à prática de crimes, como o agente provocador, sendo as dificuldades práticas transportadas para o plano da determinação se um determinado crime já tinha sido cometido ou estava para ser cometido e se a intervenção do "infiltrado" foi ou não inócua para ao seu cometimento."
Refere a notícia do DN que "o professor Germano Marques da Silva é peremptório: 'Sou contra este meio de obtenção de prova. Fere os valores que o Estado deve defender', disse ao DN. Na óptica de Costa Andrade, 'trata-se de um meio enganoso'. Carlos Pinto de Abreu, da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados [e, actualmente, também vogal do Conselho Geral da OA] , admite a existência de agentes infiltrados para certos tipo de crime, mas adverte para a necessidade de 'ser muito controlado', pois 'há o risco de se tornar agente provocador, por interesse ou até por vingança'".
P.f. leia, agora, e por ordem cronológica, esta notícia, e depois esta, e ainda mais esta.
A mais recente veio no Público de ontem, sábado, dia 10, e diz o seguinte:
"Sócio da Bragaparques acusa Sá Fernandes de violar segredo profissional
Domingos Névoa quer que as gravações das conversas que manteve com Ricardo Sá Fernandes sejam anuladas.No requerimento de abertura de instrução, o administrador da Bragaparques alega que os contactos estavam abrangidos pelo segredo profissional do advogado. "Os actos praticados pelo advogado com violação do segredo profissional não podem fazer prova em juízo", lembra.
Em causa está o facto de Ricardo Sá Fernandes, à data das conversas, ser o advogado de seu irmão, José Sá Fernandes, na acção popular intentada para anular a permuta de terrenos do Parque Mayer com a Feira Popular. Nessa altura, a advogada de Névoa era Rita Matias, sócia do mesmo escritório.
O principal diferendo reside em saber-se a que título foram feitos os contactos. Névoa garante que foi um acordo com a parte contrária, o que está previsto e pode prever pagamentos, ao passo que o Ministério Público (MP) sustenta tratar-se de corrupção. "O que o arguido pretende comprar é um acto de vontade de um responsável político eleito (...) com um especial valor, por provir de um vereador da autarquia envolvida no negócio", diz o procurador.
Artur Marques, advogado da Bragaparques, defende a tese contrária. Explica que a acção foi interposta pelo cidadão José Sá Fernandes (na altura não era vereador) e argumenta que a ilicitude não se define pela motivação mas sim pelo conteúdo. E abre já caminho à intervenção do Tribunal Constitucional, ao alegar a inconstitucionalidade da lei que permite a "actuação como agente encoberto de um advogado, com violação do segredo profissional".
Outra questão levantada tem a ver com o enquadramento jurídico da actuação de Ricardo Sá Fernandes. O MP sustenta que actuou como "agente encoberto", enquanto Artur Marques argumenta que agiu como "provocador". Em declarações ao PÚBLICO, Ricardo Sá Fernandes é taxativo: "Não falei como advogado, mas na condição de irmão de um vereador a quem queriam comprar a consciência. E informei previamente o bastonário Rogério Alves".
A polémica sobe de tom e ontem Névoa avançou com uma queixa-crime contra Ricardo Sá Fernandes. Alega gravação ilegal numa primeira conversa que ficou gravada sem autorização judicial. O diálogo consta de um mini-CD entregue por Ricardo Sá Fernandes, após o seu primeiro contacto com Névoa. Este diz que a gravação terá servido para "convencer" o MP e sustenta que o processo começou com uma "grosseira nulidade"."
Confesso que não entendo:
Se o Dr. Ricardo Sá Fernandes afirma que não agiu na qualidade de advogado, mas antes na de "irmão de um vereador" [não obstante ser o mandatário desse irmão/vereador na acção que este último intentou, enquanto cidadão, contra a sociedade Bragaparques, cujo representante legal é o Sr. Domingos Póvoa], então a que título e para que efeito "informou previamente o bastonário Rogério Alves"?
E a ser verdade que o bastonário foi "informado" (ainda que não se perceba bem porquê nem para quê) o que será que lhe respondeu?
Será que o bastonário, sempre tão disponível para prestar esclarecimentos à opinião pública sobre os mais variados temas, podia esclarecer também este assunto, que além do mais o envolve directamente?
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