Li aqui que o socialistas franceses escolheram Ségolène Royal para disputar com o polémico ministro Nicolas Sarkozy a presidência da França.
No Público encontrei aqui o seguinte artigo:
Ségolène Royal
PONTO DE VISTA JORGE ALMEIDA FERNANDES
Os socialistas franceses escolheram uma candidata que o aparelho acusou de ser de direita, populista ou não ter quaisquer ideias. Ela venceu porque mudou as regras do jogo e fez história. O seu "louco" desígnio é mudar a França.
1.O ex-ministro britânico Denis MacShane (trabalhista) escreveu no Guardian que a "esmagadora vitória" de Ségolène Royal abre "uma nova era na política europeia (...) e começa também a escrever um novo capítulo na história da esquerda", quebrando "todas as regras do partido político tradicional do século XX". Outro britânico, o politólogo John Crowley, afirmou no Libération que Ségolène "é talvez o primeiro líder francês pós-ideológico". É "uma ideia nova em França", onde ser socialista é aderir "a uma ideologia, às suas referências, aos seus valores e ao seu vocabulário".
No discurso de vitória, Ségolène não evocou os pais fundadores do socialismo francês, parafraseou Kennedy - "perguntai-vos o que podeis fazer pelo vosso país" - e apelou: "Imaginemos em conjunto uma França que tenha coragem de afrontar as mutações sem renunciar ao seu ideal de liberdade, igualdade e fraternidade." Se o mundo mudou, "então a política tem de mudar".
Qual é a sua França? A dos "milhões de operários, de empregados, de assalariados, mas também de artesãos, de comerciantes, de pequenos agricultores, e também de reformados, que formam a esmagadora maioria do povo." Apelou aos jovens "cujas famílias vieram do estrangeiro e são hoje franceses de corpo inteiro, embora sempre submetidos às discriminações".
2. Tudo foi estranho na campanha. Até Setembro de 2005, Ségolène era uma figura pública prestigiada mas de segundo plano. Quando, em tom casual, admitiu poder ser candidata, uma sondagem colocou-a imediatamente à frente dos "elefantes" socialistas, que então se vigiavam uns aos outros. O lema passou a ser: "Tudo menos Ségolène".
Foi acusada de populismo, por apelar a uma dose de "democracia participativa" e à avaliação do trabalho dos políticos por "júris de cidadãos"; de não ter programa e ser mero produto das sondagens; de "blairismo", por reconhecer o êxito do Labour na reorganização dos serviços públicos e no desemprego juvenil. E, sobretudo, de não ser de esquerda. Ela evoca temas tradicionais da direita, como a segurança pública ou a família, e critica alguns efeitos perversos da "jóia da coroa" do governo Jospin, as 35 horas de trabalho semanais.
O seu sucesso foi favorecido pelo facto de ser mulher e pelo seu uso dos novos meios de comunicação, sobretudo a Internet. Mas não só: soube estar sempre no centro do debate - para o bem ou para o mal, era dela que se falava -, o que indicia algum génio político.
3. O debate eleitoral foi uma sucessão de equívocos. Laurent Fabius aplicou a regra de ouro da tradição socialista: o partido conquista-se à esquerda e depois governa-se ao centro. Assim, passou da "esquerda moderna", de tom liberal, a arauto da "ortodoxia" pura e dura.
Dominique Strauss-Kahn (DSK) procurou romper com a tradição "socialista" encarnada por Fabius e impor uma nova tradição "social-democrata" pragmática, inspirada nos países nórdicos. Lionel Jospin, que se propôs salvar o partido contra o "perigo Ségolène", teve de desistir de forma humilhante.
Fabius e DSK jogaram no plano das doutrinas e dos programas, a que os militantes são mais sensíveis do que os eleitores. Explica Stephane Rozès, director de um instituto de opinião: "Ségolène Royal não se situa neste eixo. Ela disse-o: a sua concepção de presidência é antes de mais encarnar valores." O trabalho, a disciplina, uma ordem pública "justa" ou a família, num desafio ao politicamente correcto dominante no PSF. Estas ideias têm uma receptividade forte nas classes populares, acentuada pelo seu combate às discriminações sociais, em particular em relação aos jovens e à escola. Ela tenta "aproximar o partido das classes populares", diz o politólogo Henri Rey.
"Vota-se sobretudo num homem ou numa mulher que suscita confiança, que encarna esperanças, e, certamente, que é portador de um projecto. Este projecto presidencial deve ser muito mais do que um catálogo de promessas, característico dos programas de muitos partidos políticos. Deve ser uma verdadeira encenação do futuro dos franceses", resume o politólogo Pascal Perrineau.
A surpreendente inovação de Royal foi ter feito na pré-campanha do partido a campanha que deverá fazer nas presidenciais contra a direita. Rompeu com a lógica partidária, falando para o exterior e pondo a ênfase no concreto, em questões do quotidiano ou fazendo propostas arriscadas, como o apelo à descentralização e à redução do Estado jacobino. E convenceu os militantes.
No entanto, o demógrafo Emmanuel Todd admite que Royal vá provocar a derrota da esquerda, porque será incapaz de a unir com um "discurso muito à direita". Não é evidente.
4. "Face ao discurso dominante para quem a morte das ideologias erige o interesse em protagonista único da vida política, é preciso afirmar precisamente o contrário: o desaparecimento dos sistemas ideológicos fechados abre um espaço para as ideias, ou seja, para a política enquanto actividade inteligente", escreveu no Monde, no contexto de uma polémica teórica, o filósofo espanhol Daniel Innerarity. "O realismo é de esquerda", diz.
"Não se ganha uma batalha invocando vagamente um mundo possível, mas lutando por descrever a realidade de uma maneira nova." Innerarity evoca o livro de Alain Bergougnioux e Gérard Grunberger (L"Ambition et le Remords, 2005) sobre o eterno impasse do socialismo francês: a sua recusa de renovação ideológica e a má consciência no exercício do poder. "É a questão fundamental: saber se a esquerda é capaz de compreender a política como actividade inteligente, renovando os seus conceitos e as suas práticas políticas."
5. Falta a Ségolène ganhar a fantástica batalha com o provável candidato da direita, Nicolas Sarkozy. São dois "irregulares", com demasiados inimigos no seu próprio campo, o que aumenta a incerteza. A "esquerda da esquerda", de trotskistas a comunistas, está desorientada: é hostil a Royal e teme o efeito do seu discurso sobre o seu próprio terreno. O clã Chirac faz os últimos esforços para "assassinar" a candidatura de Sarkozy.
Ségolène é enigmática. Dizem-na herdeira de Mitterrand e Delors. Fascinada pelo modelo social nórdico, assumiu a "loucura" de mudar a França. Escamoteou, por cálculo político, as suas posições sobre a Europa e a cena internacional. É uma pragmática e, sobretudo, uma mulher de acção a quem, tal como a Sarkozy, o destino colocou no centro de uma situação histórica, observa no Figaro o liberal Alain-Gérard Slama, evocando Hegel. Nada detém os "heróis involuntários".
Conclui o Le Monde: "No termo de um processo democrático exemplar, uma mulher está portanto, pela primeira vez, em medida de aceder ao Eliseu. (...) Ganhou a batalha socialista. Incumbe-lhe doravante construir um projecto para a França."
Se Ségolène ganhar, pela primeira vez na sua história a Europa terá, simultâneamente, duas mulheres na presidência da França e da Alemanha.
Esse facto, a verificar-se, é apenas uma coincidência ou, pelo contrário, será a manifestação de uma verdadeira mudança?
E a ser uma mudança, será que as mulheres conseguem fazer melhor?
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3 comentários:
Cara Colega,
Apesar de não conhecer nada sobre o percurso da candidata do PS Françês, espero que ganhe as eleições e que seja o início de um movimento que chegue a Portugal e coloque no Governo ou na Presidência da República mais mulheres.
Pode ser que com a sua sensibilidade e sexto sentido consigam inverter o estado das coisas.
Cumprimentos
Porque não?Duvida?
Não tenho dúvida que será diferente.
Mas diferente não é, necessariamente, melhor... :-)
E eu procuro não ter "ideias feitas" realtivamente a nada, incluindo esta história das diferenças entre homens e mulheres e as formas que cada um dos géneros tem de fazer as coisas.
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