Crimes e «bolas de berlim»

No passado dia 6 li, no Público, que «ter máquinas de bolas com chocolates pode ser crime» e que, por essa razão, «o proprietário de um armazém foi recentemente detido e todo o material foi apreendido pela ASAE (...) com a justificação de que não era possível ao cliente perceber qual o chocolate a que teria direito antes de introduzir a moeda de 50 cêntimos». Lembrei-me, então, de ser miúda, e de existirem por todos os cafés, pastelarias, «lugares» ou tabernas deste país uns cartões que as crianças furavam, e que tinham lá dentro umas bolas, cuja cor ditava o tipo e o tamanho do chocolate que lhes cabia, em troca de uma moeda de cinco, dez, vinte e cinco tostões, o preço variando à medida que os anos passaram. E há quem, agora, entenda que isto pode ser crime? Pasmei...

Depois fui passar os olhos sobre as notícias do Correio da Manhã e descobri que, no dia anterior, um rapaz de 27 anos ficou sem o respectivo Mercedes quando o estacionava à porta de casa, em Odivelas. O carro foi levado por «quatro jovens, com 16, 17 e dois com 19 anos», que o ameçaram com uma faca de mato, e que acabaram por ser «apanhados pela polícia em flagrante delito». «Cadastrados e considerados extremamente perigosos pelas autoridades, os detidos foram ontem libertados pelo Tribunal de Loures. Ficaram somente obrigados a fazer apresentações periódicas nas esquadras da zona de residência». Emudeci...

Aos que, ao lerem o que agora escrevo, partilhem a minha ignorante estupefacção recomendo a leitura da notícia que encontrei aqui.

Há muito que se sabe que a manipulação dos códigos de valores em função de conveniências políticas, sociais ou económicas, vem minando a lógica natural desses códigos, mas nunca como agora isso entrou, desta maneira, pelos olhos dentro. A continuar assim, um dia destes damos conta que é menos grave assaltar transeuntes com facas de mato que ir para a praia vender bolas de Berlim...

«Comentadores de alheias decisões»

«(...) Quanto aos comentadores de alheias decisões , acho bem que se lhes sejam impostas restrições em nome do dever de reserva. Numa grande parte dos casos, esses comentadores de serviço a certos órgãos de comunicação social que existem em todas as profissões não pretendem senão a sua própria projecção e, frequentemente, como o mostrou o sociólogo Pierre Bourdieu, buscam através dos “media” o reconhecimento que não encontram no seio do grupo profissional a que pertencem. Se querem opinar sobre decisões, que assumam abertamente a posição de críticos judiciais e que se especializem nisso, mas que deixem então de ser magistrados» ( Juiz-Conselheiro Artur Costa, blog «Sine Die»)

Obrigatório ler

O texto que Alice Vieira escreveu sobre «a história da professora agredida pela aluna, numa escola do Porto», publicado aqui.

«Que picuinhas!» disse ela

«Na semana passada, Hillary Clinton contou que foi recebida por tiros de franco-atiradores numa visita à Bósnia em 1996. O actor cómico Sinbad - que viajava na comitiva da então primeira dama - ouviu a descrição e disse que a única vez que sentiu medo nessa visita foi antes de saber onde ia jantar.(...)» [Público]
Sinbad a Presidente! :-)

Que má educação! Literalmente.

«Ao primeiro toque, o telemóvel deveria voar pela janela e o seu proprietário ser posto na rua.(...) .» Acontece que a história poderá não ser bem assim: «'Era uma aula livre e a professora autorizou o uso do telemóvel e toda a gente os tinha em cima da mesa.(...)'». Será? E o que é isso de «aula livre»?

«Depois, como no caso visionado, o energúmeno levaria duas competentes bofetadas no focinho só podendo sair da sala com elas bem dadas». Ou seja, para disciplinar um energúmeno de quinze anos arranje-se outro, mais corpulento, quiçá um daqueles «gorilas» que em tempos se passeavam pelos estabelecimentos de ensino. Que óptimo. Que edificante!

Num aspecto concedo: que má educação a de certas criancinhas, como esta, que aos quinze anos faz birras como se ainda tivesse cinco; que má educação a de certos paizinhos, que nem sequer reparam que os filhos estão a crescer desta maneira; que má educação a de certos professores [não querendo afirmar que é o caso desta] que «facilitam» e «contemporizam», na esperança de agradar aos meninos, a ver se assim eles ficam mais quietinhos; que má educação a daqueles governantes, que acreditam que tudo se resolve com um pedido de desculpas do energúmeno ao professor; que má educação a daqueles cidadãos que, não fazendo a menor ideia de como se educa uma criança, oferecem pancada aos filhos dos outros. Que má educação. Literalmente.

«A reboque» do You Tube? - cont.

«Oitenta por cento dos casos de indisciplina são resolvidos com um pedido de desculpa dos alunos aos professores e o aviso de que se a situação se repetir os pais serão chamados à escola. 'Os alunos são obrigados a fazer um relatório que depois é confrontado com a versão do professor. Registámos que os alunos geralmente não mentem.'Os reincidentes são obrigados a fazer limpezas na escola e fichas de trabalho acompanhados até ficar solucionada a situação», li hoje no CM

Ainda do mesmo artigo daquele jornal:
'INCENTIVOS À DENÚNCIA' (João Grancho, responsável da Linha SOS Professor)
Correio da Manhã – Qual é a finalidade da linha SOS?
João Grancho – A linha serve para apoiar os professores que sejam alvo de actos de violência, indisciplina e situações análogas. Há também ajuda em matérias burocráticas. Há muitas situações em que existe apenas a necessidade de desabafar e outras em que quem telefona pretende auxílio no que concerne a estratégias a aplicar em casos de conflito.
– Por que é que a professora não apresentou queixa ao Conselho Executivo ?
Isso aconteceu com esta professora, mas não é caso único. Muitas vezes, não querem prejudicar os alunos porque se sentem como segundos pais. Outras vezes, pode ser a vergonha e a surpresa que uma situação destas provoca. Nós incentivamos a que os casos sejam denunciados, porque só assim podemos actuar sobre as situações.
–Uma situação com esta gravidade pode levar um docente a abandonar a profissão?
– Não tenho dados que respondam que há uma relação de causa/efeito. Alguns professores ficam com certeza constrangidos depois de uma situação destas. Em muitos casos são pessoas com vários anos de profissão que são confrontadas com uma situação que é inconcebível. A escola é um lugar em que as hierarquias deviam estar muito bem definidas.
– Como é que ajudam os professores nestas situações?
Colocamos à disposição todos os nossos serviços. Ajudamos até ao ponto que o professor pretender. Se necessitar de apoio psicológico com certeza que o damos, tal como apoio jurídico.

Finalmente, a reacção das protagonistas:

«Patrícia, de 15 anos, consciente da gravidade do que fez, teme agora a 'suspensão ou a expulsão'. 'Era uma aula livre e a professora autorizou o uso do telemóvel e toda a gente os tinha em cima da mesa. Pedi a uma amiga para ouvir uma música no telemóvel, mas o som estava baixinho', contou.»

«A professora de Francês (...) que ontem viu divulgado um vídeo na internet em que uma aluna luta com ela pela posse de um telemóvel, tem estado em casa recolhida e sem querer falar sobre o assunto (...). Face à repetição constante das imagens na abertura dos telejornais, a professora da escola Carolina Michaelis, Porto, disse a colegas que "não está habituada a andar na ribalta e que já está enojada de ver o vídeo"». Agora compreendo-a...

«A reboque» do You Tube?

«Os números mais recentes sobre a violência na escolas, compilados pelo Observatório da Segurança em Meio Escolar e divulgados no final do ano passado, davam conta de 185 agressões participadas contra professores em 2006/2007. Ou seja, em média, a cada dia que passa há um docente agredido (o ano lectivo tem cerca de 180 dias de aulas)» lê-se aqui, a propósito deste inqualificável episódio ocorrido numa escola portuguesa.

O assunto tem vindo a ser comentado nas televisões, nos jornais e na blogosfera, mas há um aspecto - a meu ver bizarro - que, tanto quanto me parece, ainda ninguém valorizou. Refere a notícia que «contactada pelo PÚBLICO, a escola escusou-se a responder a qualquer pergunta e informou apenas que tinha sido aberto um “processo de averiguações”. E disse ainda que tinha tomado conhecimento do caso ontem, quando foi avisada de que o vídeo tinha sido colocado na Internet. De acordo com o assessor de imprensa do Ministério da Educação a professora apenas apresentou queixa hoje.» Leio e não entendo. Por que razão a professora brutalizada só participou a ocorrência depois do vídeo ter sido divulgado no You Tube? Terá tido receio de represálias? Terá entendido que não valia a pena participar o ocorrido? E porque será que, perante uma aluna manifestamente descontrolada e com uma maior envergadura física, não optou por entregar-lhe o telemóvel e suspender a aula, até que a mesma saísse da sala? Em suma, por que razão aceitou o confronto físico? Se as averiguações fossem comigo, acho que começava por aqui...

«Depreciating assets»

Recebi hoje, enviado por mão amiga, este recorte de jornal:



À medida que o lia vieram-me à memória outras leituras, sobre matérias aparentemente muito distintas daquela que é objecto da notícia, mas que suscitaram em mim a mesma sensação de desconforto. Por muito irrepreensível que seja, ao nível técnico, a ciência que a usa, esta «abordagem financeira» da vida é, para mim, deveras «urticante». Aqui fica outro exemplo:

«Dentro da literatura económica (sobre o Direito), é bem conhecida a metáfora da auto-estrada avançada por Richard Posner (e também a lei de Say), segundo a qual quando se constrói uma auto-estrada, apesar desta suportar mais carros a uma velocidade média superior e portanto descongestionar o trânsito a curto prazo, a longo prazo, o número de carros irá aumentar porque se está a sinalizar os “utentes” que o sistema tem mais capacidades e responderá melhor verificando-se o agravamento do congestionamento. (...) no artigo de Nuno Garoupa, Ana Maria Simões e Vítor Silveira “é apresentado um estudo econométrico para mostrar que o crescimento contínuo do sistema judicial tem seriamente contribuído para o colapso da justiça portuguesa”. De facto, os autores identificam a expansão da “procura” da justiça com a expansão das profissões legais e judiciais, pondo em causa a habitual explicação da alteração das condições económico sociais como sustentado, por exemplo, pelo OPJP.»

Publicidade SIMPLEX - quem nos defende?

«1. O serviço “Divórcio na Hora” é um serviço privado criado através de iniciativa privada sem a colaboração ou a intervenção de serviços públicos do Ministério da Justiça. 2. Apesar da existência de serviços públicos como a “Empresa na Hora” ou a “Associação na Hora” que foram criados ao abrigo do programa SIMPLEX e do Plano Tecnológico e que entraram em funcionamento em 2005 e 2007, respectivamente, o “Divórcio na Hora”, assim como a “Procuração na Hora”, não têm qualquer relação com estes serviços nem com nenhuma iniciativa pública (...)», explica o Gabinete de Imprensa Ministério da Justiça aqui.

Curioso! Há uns meses atrás escrevi isto, convencida que o serviço "Procuração na Hora" era da responsabilidade do Governo, fazendo fé no que li aqui:



Fiz mal, está visto...

«A Arte de Calar»

Hoje, pela hora do almoço, numa livraria chamada «Pó dos Livros», que fica ali para os lados da Marquês de Tomar, encontrei um pequeno tratado sobre «A Arte de Calar», que um tal Abade Dinouart escreveu e fez publicar no lonjínquo ano de 1771 [ed. Martins Fontes, Colecção Breves Encontros, São Paulo, 2002].

Escreveu o Abade, no prefácio:
«O Cardeal Le Camus dizia ao padre Lamy de l'Oratoire, quando ele lhe ofereceu uma de suas obras, cujo título é 'A Arte de Falar'. "Eis, sem dúvida, uma excelente arte; mas quem nos dará a arte de calar?" Seria prestar um serviço essencial aos homens dar-lhes os princípios dessa arte e fazê-los convir que é de seu interesse saber colocá-los em prática. Quantos se perderam pela língua ou pela pena! Ignora-se que muitos devem a uma palavra imprudente, a escritos profanos ou ímpios, sua expatriação, sua proscrição e que seu infortúnio não pôde ainda corrigi-los?
O furor de falar, de escrever sobre a religião, sobre o governo, é como uma doença epidêmica, que contamina um grande número de cabeças entre nós. Os ignorantes, como os filósofos atuais, caíram numa espécie de delírio. Que outro nome dar a essas obras que nos sobrecarregam, das quais a verdade e o raciocínio estão proscritos, e que só contêm sarcasmos, zombarias, contos mais ou menos escandalosos? A licença é levada a tal ponto que só se pode ser considerado erudito, filósofo, desde que se fale ou escreva contra a religião, os costumes e o governo.
(...) Seja qual for o sexo e a condição dos que venham a ler esta instrução, cada um poderá tomar, do que se diz em geral, a parte que lhe toca. Não cabe a mim fazer tal aplicação e, ainda que eu tivesse essa liberdade, não poderia servir-me dela sem pecar, talvez, contra as regras do silêncio que proponho aos outros.
Como há dois meios para se explicar, um pelas palavras e outro pelos escritos e pelos livros, há também duas maneiras de calar; uma contendo a língua, outra contendo a pena. Isso me dá oportunidade de fazer as observações sobre a maneira como os escritores devem permanecer em silêncio ou se explicar em público por seus livros, segundo esta advertência ao sábio: "Há um tempo de calar e um tempo de falar"
»

Há pouco, quando dava a minha volta pelos «sítios» que diarimente visito, constatei que ainda há quem pratique esta arte. Bem haja por isso!

Saudades do futuro

(...) A abertura do novo ano judicial foi um exercício tautológico, o que legitima a dúvida sobre a sua utilidade.
Acusar uma profissão da morosidade da Justiça é irrealista, bem como afirmar que uma delas não terá qualquer responsabilidade não corresponde à realidade quotidiana dos tribunais.
Inovar sem envolver os agentes é contraproducente.
Rejeitar, sem mais, todo e qualquer movimento de inovação é retrógado.(...)
[Posição da ANJAP face à abertura solene do ano judicial]

Quem diz que já não há jovens inteligentes, hein?

Evitando o diz que disse...

Esta noite, em Évora, o Presidente do Conselho Superior da Ordem dos Advogados disse isto. Convém ler o que ele disse, antes de retirar conclusões.

Concretizando...

«O advogado que patrocinou uma acção não poderá, finda esta, intervir noutro pleito com íntima conexão com aquele outro, e no qual defenda interesses opostos ao do seu antigo constituinte», lê-se no sumário de um Acórdão do Conselho Superior, de 12.10.1979. Não podia em 1979, e continua a não poder [cfr. art.º 94.º-1 do EOA]. Foi do que me lembrei quando li isto, mais precisamente que talvez fosse conveniente tornar a dita regra obrigatória para outras categorias de pessoas, se é que ainda não é [e pelos vistos, parece que não] e pela mesma ordem de razões, de natureza ética.

Constatei, depois, que além de mim outros poderão ter lido a mesma notícia e concluído mais. A ver vamos...

Ele há...

«Estado e Lusoponte já estão a negociar indemnização»
(...)
«De um lado está o Governo, assessorado pela Vieira de Almeida (VdA)que vai alegar que o Estado está apenas obrigado a indemnizar a concessionária, no caso de futuras travessias rodoviárias acarretarem uma perda de receita para a Lusoponte. Do outro, a empresa liderada por Ferreira do Amaral (o ex-ministro responsável por este contrato), assessorada pela MLGTS a reclamar o direito à concessão da Terceira Travessia do Tejo. »

Ele há títulos...

«Ex-director nacional da PJ especializa-se em crime económico»

Justiça em números

Li aqui que durante a passada semana foi divulgado o estudo sobre “A Justiça Cível em Portugal: uma perspectiva quantitativa”, da autoria de Sofia Amaral Garcia, Nuno Garoupa e Guilherme Vasconcelos Vilaça.

Neste estudo os autores começam por «fazer um balanço do estado da arte relativo aos estudos e trabalhos realizados em Portugal nos últimos anos que, directa ou indirectamente, versam a quantificação da justiça cível», ao qual se segue «um estudo técnico exaustivo das bases de dados produzidas pelo Ministério da Justiça, as Estatísticas da Justiça».

Pelo meio encontrei uma citação, que retive:

«(...)Pierre Bourdieu, no ensaio em que aplica os seus conceitos campo, habitus e homologia ao Direito, avança a tese que “the constitution of the juridical field is inseparable from the institution of a professional monopoly over the production and sale of the particular category of products’ legal services”. O referido autor salienta ainda, que as profissões jurídicas determinam a procura jurídica através de meios muito variados, inclusive pressionando os poderes públicos no sentido de poderem contribuir para a definição do que se entende por procura jurídica. Por outro lado, reconstrói criativamente o aparecimento e expansão de novos ramos do Direito e de tendências de juridificação, entendendo-os do seguinte modo: “a process of circular reinforcement goes into action: every step toward the “juridicization” of a dimension of practice creates new “juridical needs”, and thus new juridical interests among those who, possessing the specific qualifications necessary (knowledge of labor law in this case), find in these needs a new market. Through their intervention,such practitioners cause an increase in the formalism of legal procedures, and thereby contribute to increasing the need for their own services and products, to the practical exclusion of laypeople. Laypeople are obliged to have recourse to the advice of legal professionals, who little by little will come to replace the complainants and defendants. The latter in their turn become nothing more than a group of individuals who have fallen under the jurisdiction of the courts.»

Seguida de uma interrogação:

«Porque não pegou ninguém na afirmação de Nuno Garoupa et al., segundo a qual, foi o aumento explosivo das profissões jurídicas que induziu o aumento da procura judiciária entre 1970-2004?»

Enganam-se os autores. O Ministério da Justiça já está a tratar disso.

It's the economy...

(...)
O funcionamento do sistema de justiça ainda é um obstáculo ao progresso económico e social do País.
No ano que terminou, foram aprovadas importantes reformas legislativas, fruto de um entendimento político na Assembleia da República, bem como algumas medidas de modernização dos serviços de justiça.
Mas os cidadãos e as empresas ainda não sentiram melhorias significativas na resposta do sistema judicial e continuam, legitimamente, a reclamar uma administração da justiça mais eficiente e mais célere.
Exige-se a todos os intervenientes neste processo que contribuam para o reforço da confiança da sociedade no sistema de justiça.
(...)
(mensagem de Ano Novo do Presidente da República - excerto relativo à Justiça)

Em suma:
a) «sistema de justiça» = acção executiva
b) menos pendência = mais progresso.

Que bom que é ter um Presidente economista! :-)

Simplex ou Plagiex ?

Em Junho de 2006 o «Observatório do Algarve» informava que o Projecto "Tribunal XXI" iria ter início nesse mês, no Tribunal de Faro, resultado de uma parceria entre a Microsoft Portugal e a Associação Sindical dos Juizes Portugueses. O Dr. Jorge Langweg, Juiz-Presidente do Circulo Judicial de Faro, referiu, então, "que o projecto [do qual é coordenador], pioneiro a nível internacional, vai ser objecto de análise pelo Instituto das Tecnologias de Informação na Justiça (ITIJ) e pela Direcção Geral da Administração da Justiça (DGAJ)".

Em meados deste mês - ou seja, ano e meio depois - o ministro da Justiça inaugurou, com pompa e circunstância, um novo palácio da justiça, em Vila Nova de Famalicão, onde foi "dar a conhecer aquilo que considera um "novo conceito": o 'Tribunal XXI'" integrado no programa "Modernizar a Justiça". Sobre o projecto de Faro nem uma palavra...

Antes já houve aquele episódio, com a Ordem dos Notários, sobre o «Casa Simples, Casa Segura», que o governo "reformatou" sob a designação «Casa Pronta».

O que é que se seguirá, em 2008? A invenção do conceito de Justiça? :-)

E é desta que me vou mesmo. Até para o ano!

Procurações simplex

O Portal do Cidadão informa os incautos que já podem fazer "procurações na hora" . Resolvi experimentar, para ver o que saía. O resultado foi este:
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PROCURAÇÃO

Maria Silva, doméstica, Solteira, residente em Rua Torta, em 9000-000 Alguidares de Baixo, contribuinte n.º 123456789, constitui seu bastante procurador o Ex.mo Senhor Dr. José Martins, Advogado, com escritório sito em Rua Direita, em 9000-000 Alguidares de Cima, contribuinte n.º 987654321, a quem confere os mais amplos poderes forenses em Direito permitidos, em quaisquer pleitos ou recursos em que seja por qualquer forma interessado.-----

Alguidares de Baixo, 30 de Dezembro 2007,

[Assinatura electrónica qualificada, nos termos conjugados dos artigos 18.º, n.º 7, da Lei 7/2007, e artigo 3.º, n.º 1, do Decreto-Lei 290-D/99, com as subsequentes alterações, satisfazendo o requisito legal de forma escrita porque o seu conteúdo é susceptível de representação como declaração escrita.]
____________________________________________________

Este país está cada vez mais fantástico! :-)
Com esta me vou.
Bom Ano!

O descabelo mediático

Ontem, no Jornal de Negócios, a propósito do «caso, assaz tumultuoso, de dois ex-bastonários da Ordem dos Advogados [ ou mais precisamente, um ex-bastonário e o actual] a digladiar-se em público a propósito da eleição de um terceiro» Leonel Moura escreveu, citando José Luis Borges, que mais pareciam «dois carecas, à luta por um pente», para, depois, concluir:

«Com os juízes bastante mal vistos e o ministério público ocupado em permanente luta sindical, faltava portanto uma crise no mundo da advocacia para que a justiça em Portugal pudesse ser declarada em definitivo estado de catástrofe. Com esta borgiana novela dos bastonários a operação está portanto concluída.

A justiça em Portugal parece um daqueles filmes negros onde não há heróis, mas só maus. Num meio em que toda a gente fica indignada e ofendida por qualquer coisinha, cada interveniente parece muito interessado em contribuir para o problema e nada para a solução. E o problema está aí bem à vista de todos numa justiça que perde credibilidade a cada dia que passa. Nos juízes é a percepção pública da impunidade de muita incompetência, expressa em decisões incoerentes em casos emblemáticos que chocam o país e o bom senso. Na magistratura do ministério público são as constantes reivindicações de direitos e garantias, mas nenhuma disposição para discutir deveres; nos advogados temos agora estas disputas descabeladas, numa calvície que não pára de alastrar, derivadas dos efeitos perversos da feroz concorrência do crescente mercado.

A mediatização da justiça gerou um novo tipo de advogado. Mais presente na televisão do que no tribunal é aí que ele ganha prestígio e clientes. E é ver como certos advogados correm para o tipo de processos que dá mais tempo de antena, tantas vezes na certeza de que pouco ganharão directamente, mas muito beneficiarão na área do marketing.

Essa corrida ao ecrã tem os seus efeitos na própria comunidade. Os últimos três bastonários são estrelas da televisão. O que leva a crer que a maioria dos advogados também se deixou convencer de que mais importante do que o saber é o aparecer. Só que isso tem as suas consequências. A Ordem dos Advogados está transformada num "reality show", cuja audiência está garantida tendo em conta o talento burlesco dos principais protagonistas.»

É um facto que os três últimos bastonários [o actual, Rogério Alves, o eleito, Marinho e Pinto, e o anterior, José Miguel Júdice] apreciam a televisão: o actual reconheceu publicamente que foram os comentários na SIC que fizeram dele uma figura pública; o eleito lembrou aos eleitores que entre 2003 e 2004 foi comentador da SIC e da SIC-Notícias para assuntos jurídicos; recentemente, ficámos a saber que a estreia do anterior, como comentador da SIC, está agendada para a data em que o eleito será empossado.

Não faço ideia se o facto de aparecer na televisão atrai clientes para o advogado em causa ou se, pelo contrário, os afasta. De qualquer forma, e a julgar pelo que escreve o próprio cronista, custa a acreditar que tamanho "descabelo mediático" prestigie quem quer que seja.

Para saber o que é sucesso em termos de imagem e marketing, há que procurar noutros lugares, como bem refere Manuel António Pina, no Jornal de Notícias, a propósito do lifting nacional que, recentemente, transformou Portugal na "West Coast of Europe". Isto sim, é imagem!

LawyerPower

"A Ordem dos Advogados deu parecer favorável ao site www.advogadosnahora.pt, que elenca uma lista de advogados disponíveis para prestar serviços a clientes", refere o DN.

Eis as conclusões do Conselho Geral:
I. O Estatuto da Ordem dos Advogados permite aos advogados divulgar informação, desde que a mesma seja digna, verdadeira, objectiva e relacionada com o exercício da advocacia, apenas se proibindo a publicidade de carácter propagandístico, enganoso e comparativo; II. O actual quadro normativo em matéria deontológica deve ser interpretado, nomeadamente no âmbito da publicidade, de acordo com as normas do Direito da Concorrência, constituindo-se assim em restrições legítimas à livre concorrência no mercado europeu; III. Enquanto restrição à concorrência, as normas deontológicas são admissíveis na medida dos interesses e direitos que tutelam, nomeadamente, os direitos dos consumidores, a dignidade da profissão e o acesso ao Direito; IV. O recurso, enquanto meio publicitário, a directórios de pesquisa de advogados, desde que não ofenda os princípios gerais em matéria deontológica ou corresponda a um acto ilícito de publicidade (cfr. artigo 89.º, n.º 4), deverá ser entendido como um exercício legítimo do direito à divulgação das informações pessoais de que todo o Advogado é titular, assim como enquanto contributo para a satisfação do direito de todos os consumidores à informação. (cfr. Parecer N.º 06/07)

"Num mercado cada vez mais competititivo, os escritórios de pequena dimensão voltam-se agora para novos formatos", li no DN. Parece-me que é mais o contrário, isto é, as empresas de "ManPower" descobriram, agora, que existe um mercado com cerca de 30.000 advogados...

Infelizmente, ninguém se lembrou desta opção