pelos séculos das Ideias


«Pelos Séculos d'O SÉCULO» é o título de uma exposição organizada, em 2002, pelo Instituto dos Arquivos Nacionais/Torre do Tombo. Dessa exposição ficou um catálogo, que encontrei uns dois anos depois, numa Feira do Livro, arrumado entre um «bric à brac» de velharias em saldo. Ao vê-lo, esquecido no meio de livros velhos, lembrei-me da minha avó Nicolina, de ser criança e das muitas tardes que passei, sozinha, na arrecadação onde ela guardava pilhas de exemplares do «Século Ilustrado», a folhear revistas cheias de pó. Através do índice descobri um texto do meu então Presidente, João Pereira da Rosa, no qual ele recorda o Século e o avô, o carismático proprietário e director do jornal, cujo nome herdou, tal como eu herdei o nome da minha avó. Achei piada à coincidência - ou seja, à associação da memória do jornal aos nossos homónimos avós - e comprei o catálogo. Depois li o texto, no qual ele se propõe falar do «meu Século. Com parcialidade, sem o menor sentido de rigor, sem preocupações de ordem histórica, apenas, pura e simplesmente, com paixão». Retive, em particular, este excerto:







O Século era uma ideia que morreu, pensei, ou será que não? Será possível manter viva uma ideia, da qual apenas resta um espólio de fotografias e publicações, tombado num Arquivo Nacional? Mais importante ainda: será possível evitar que uma instituição que é, muito mais que um edifício com pessoas, poderes e «penachos», uma ideia, fique reduzida a um espólio destinado a um museu?

Voltando a um passado mais recente, volto a citar, uma vez mais, agora de memória, o meu antigo Presidente João Pereira da Rosa, a propósito do primeiro triénio do Conselho de Deontologia de Lisboa, sobre o funcionamento de um órgão eleito pelo método de Hondt: «qualquer homem é capaz de ganhar umas eleições; mas, para as saber perder é preciso ser-se um grande Senhor». Referia-se - como expressamente declarou - ao candidato por ele «derrotado», o nosso Vice Renato Ivo da Silva, que ele - o «ganhador» - quis que fosse o primeiro dos Vices, procurando garantir, desde o início do mandato, a coesão entre os membros do órgão, eleitos em listas concorrentes, sabendo que tal era essencial para o bom funcionamento do colectivo, ciente que a a Ordem é/deverá ser, antes de mais e acima de tudo, uma ideia comum a todos os Advogados. Esta é a minha convicção. Não tenho qualquer dúvida que é, também, a dele.

«Outros agentes»?!...

É sabido que só em 1984 foi publicado o primeiro diploma legal dedicado, exclusivamente, aos advogados e à sua Ordem profissional, o Decreto Lei n.º 84/84 de 16 de Março. Até essa data, as regras legais sobre a advocacia encontravam-se no velho Estatuto Judiciário [Decreto n.º 44278 de 14 de Abril de 1962] que, conforme se diz no preâmbulo do primeiro diploma, "no que se refere ao mandato judicial revelava uma manifesta inadequação à realidade presente (...)".

Dispunha o art.º 535.º do Estatuto Judiciário que o mandato judicial só podia ser conferido a «advogados, candidatos à advocacia, inscritos na Ordem e solicitadores». No EOA/84, esta regra passou a ter a seguinte redacção: « Só os advogados e advogados estagiários com inscrição em vigor na Ordem dos Advogados podem, em todo o território nacional e perante qualquer jurisdição, instância, autoridade ou entidade pública ou privada, praticar actos próprios da profissão e, designadamente, exercer o mandato judicial ou funções de consulta jurídica em regime de profissão liberal remunerada» (cfr. art.º 53.º - 1 do EOA/84).

Em anotação a este art.º 53.º escreveu Alfredo Gaspar [«Estatuto da Ordem dos Advogados (e legislação complementar)», Jornal do Fundão, 1985] : «A designação de advogado - (...) - está generalizada, quer na lei, quer na linguagem comum; já a designação de advogado estagiário vem substituir, e com vantagem, a anterior expressão "candidato à advocacia" (cfr. art.º 550.º a 554.º do E.J.)». A ideia subjacente a esta anotação sempre me pareceu óbvia: o advogado estagiário é um advogado, ainda que as suas competências estejam limitadas pelo disposto no art.º 164.º do mesmo EOA e por isso «as disposições deste Estatuto, com as necessárias adaptações» sempre lhe foram aplicáveis, «excepção feita às que se referem a(o) exercício de direito de voto» (cfr. art.º 159.º - 1 do EOA/84).

Esta ideia que o advogado estagiário é um advogado foi, a meu ver, reforçada no EOA vigente - Lei n.º 15/2005, de 26 de Janeiro - de duas formas: em primeiro lugar, através da substituição da expressão "advogados e advogados estagiários com inscrição em vigor", que constava do art.º 53.º-1 do EOA/84, pela expressão "licenciados em Direito com inscrição em vigor" do actual art.º 61.º - 1 do EOA/05, cuja redacção passou, assim, a corresponder ao disposto no art.º 1.º de ambos os diplomas [«Denomina-se Ordem dos Advogados a associação pública representativa dos licenciados em Direito que, em conformidade com os preceitos deste Estatuto e demais disposições legais aplicáveis, exercem a advocacia», ao qual o EOA/05 apenas aditou o «profissionalmente»]; em segundo lugar, determinando que «obtida a cédula profissional como advogado estagiário» - ou seja, após a aprovação nas «provas de aferição» - o advogado estagiário pode exercer, com autonomia, a profissão, ainda que sob a orientação do patrono (cfr. art.ºs 188.º - 3 e 189.º do EOA/05).

Vem isto a propósito de ter lido aqui que «na Constituição o patrocínio forense é missão própria do advogados e não de outros agentes, incluindo os estagiários de advocacia». Fez-me pensar que comentário tal afirmação suscitaria ao meu querido e saudoso Presidente do Conselho Distrital de Lisboa, Alfredo Gaspar, que conheci era ainda estagiária e que sempre me tratou por «querida Colega». Em honra e memória dele, aqui fica registada a minha lembrança, na esperança que outros recordem o que eu não esqueci. Bem haja, meu Presidente Alfredo Gaspar!

«O» prefácio

Há uns dias atrás descobri, num alfarrabista de Campo de Ourique, este pequeno livro, editado em 1947, que contém excertos dos «Pensamentos» do imperador romano e filósofo estóico Marco Aurélio. Dei por ele cinco euros.

Começa assim o prefácio, escrito por António Sérgio:

«Eis-nos no limiar de uma nova Idade, nos momentos aurorais de uma revolução profunda. Mas, revolução de que espécie? Revolução com que intuitos? Com o objectivo de construir uma sociedade justa; com o de fazer-nos transitar da escravidão actual às necessidades imperiosas da vida física - para a assegurada liberdade em relação a elas; com o de lançar os alicerces de uma organização económica que nos permita prosperar sem competir com os demais, sem que um bem para um indivíduo seja um mal para outros; com o de erguer a estrutura de um regime social em que se torne possível a aplicação de um facto (e em todos os actos do nosso existir comum) das máximas de fraternidade e de amor do próximo, removendo os obstáculos à santificação das almas, desprendendo os indivíduos das preocupações pelo futuro, libertando-os do receio, assegurando a paz.

A empresa, porém, leva visos talvez de não poder ultimar-se sem esbarrar com resistências que a tornarão impura, por se lhe oporem os que crêem que perderão com ela; e é de temer que não poucos dos seus melhores servidores se vão deixando contaminar pelas paixões da luta, pela obsessão da violência, pela superstição da força; sobretudo que confundam certas condições da justiça (as da organização social, as do regime económico) com a justiça em si mesma e propriamente dita, que é um estado mental e uma disposição do íntimo, uma atitude da consciência, uma harmonização do espírito: e ocorreu-nos a ideia (que muitos capitularão de quimérica, absurdamente ingénua) de que alguns dos seduzidos por esse sonho humano se deveriam consagrar a realizar em si, e em torno de si, o ambiente moral para a sociedade nova, auxiliando a acção dos reformadores políticos por um trabalho modesto de apostolado puro: e como as atitudes morais que cada um adopta estão na estrita dependência de uma orientação filosófica, considerámos oportuna uma colecção de textos a que se desse com propriedade este sobretítulo comum: "manuais de iniciação na vida do espírito". Tal a interpresa que se enceta agora, com uma antologia dos pensamentos de Marco Aurélio»
.

Li os primeiros parágrafos do prefácio e apaixonei-me pelo livro. Tenho andado com ele na mala, para ler nos «intervalos», rendida à quimera absurdamente ingénua que ele encerra, feliz por descobrir que antes de eu ser nascida existiram homens que assumiram o ridículo propósito de mudar o mundo. Faz-me sentir menos só, e tudo por uns míseros cinco euros.

Haja respeito!

Julgar a conduta de alguém, designadamente de um dos nossos pares, é uma actividade penosa, difícil, impõe a quem julga cuidado, escrúpulo, ponderação, reserva, contenção, impõe respeito por quem se queixa, respeito por quem é julgado, respeito pela própria função. Respeito.

Se hoje quebro o silêncio a que voluntariamente me remeti nos últimos tempos, saibam que é, também, por respeito.

Respeito pela estagiária que já fui, pelos extraordinários Advogados que nessa altura conheci e me tratavam como se eu fosse a advogada que ainda não era, e dessa forma me ensinavam a sê-lo, e assim me mostraram como se é merecedor de respeito. Recordo em particular, e com muita saudade, o meu Bastonário Ângelo d'Almeida Ribeiro, mas também o meu Bastonário Adelino da Palma Carlos, cujo escritório foi o primeiro escritório de advogados que pisei, o ambiente de fraterna camaradagem entre colegas de várias gerações que aí encontrei, e cuja memória guardarei até ao fim dos meus dias.

Respeito pelas largas centenas de advogados estagiários que ao longo da minha vida ajudei a formar, alguns deles já com mais de uma década de exercício da profissão, que me ouviram com atenção, que aturaram os meus reparos, que se esforçaram por corresponder às minhas exigências e expectativas, que volta e meia encontro pelos tribunais, que me lembram tudo isto, de uma forma amiga, simpática, gentil.

Respeito por mim própria, que há um ano atrás senti necessidade de escrever isto, por respeito por todos aqueles jovens que, mau grado as enormes dificuldades, alimentam o sonho de, um dia, serem advogados e cuja realidade se encontra cruamente descrita aqui.

Para todos, a minha homenagem, o meu respeito.

E viva o «progresso»!

«Não vou repetir o que aqui afirmei o ano passado», referiu o Presidente da República, na 34ª Sessão Comemorativa do 25 de Abril. «Apenas direi que me impressiona que muitos jovens não saibam sequer o que foi o 25 de Abril, nem o que significou para Portugal».

Comentando este discurso há quem escreva sobre a «revolta silenciosa dos jovens cidadãos» e entenda que o Presidente «acertou na mouche ao dedicar ao alheamento dos jovens portugueses da coisa política o seu discurso comemorativo de mais um aniversário do 25 de Abril».

Mas também há quem lembre os «dez anos em que governou esta democracia, pelo dinheiro que recebeu para o fazer e pelos tostões que então investiu na educação dessa gente jovem. Parece que ficaram todos enterrados debaixo de betão ou nas malas dos jipes dos agricultores portugueses que estacionam em cima dos passeios.»

Ingratos! Se é verdade que os jovens não fazem ideia de como era nos tempos «da outra senhora», é igualmente verdade que sem o betão, o alcatrão e os jipes, produto desses dez anos de governação, terras recônditas como Vila Real nunca chegariam a figurar nas notícias de última hora a propósito da actividade nacional emergente, o «carjacking». E viva o «progresso»!

Crimes e «bolas de berlim»

No passado dia 6 li, no Público, que «ter máquinas de bolas com chocolates pode ser crime» e que, por essa razão, «o proprietário de um armazém foi recentemente detido e todo o material foi apreendido pela ASAE (...) com a justificação de que não era possível ao cliente perceber qual o chocolate a que teria direito antes de introduzir a moeda de 50 cêntimos». Lembrei-me, então, de ser miúda, e de existirem por todos os cafés, pastelarias, «lugares» ou tabernas deste país uns cartões que as crianças furavam, e que tinham lá dentro umas bolas, cuja cor ditava o tipo e o tamanho do chocolate que lhes cabia, em troca de uma moeda de cinco, dez, vinte e cinco tostões, o preço variando à medida que os anos passaram. E há quem, agora, entenda que isto pode ser crime? Pasmei...

Depois fui passar os olhos sobre as notícias do Correio da Manhã e descobri que, no dia anterior, um rapaz de 27 anos ficou sem o respectivo Mercedes quando o estacionava à porta de casa, em Odivelas. O carro foi levado por «quatro jovens, com 16, 17 e dois com 19 anos», que o ameçaram com uma faca de mato, e que acabaram por ser «apanhados pela polícia em flagrante delito». «Cadastrados e considerados extremamente perigosos pelas autoridades, os detidos foram ontem libertados pelo Tribunal de Loures. Ficaram somente obrigados a fazer apresentações periódicas nas esquadras da zona de residência». Emudeci...

Aos que, ao lerem o que agora escrevo, partilhem a minha ignorante estupefacção recomendo a leitura da notícia que encontrei aqui.

Há muito que se sabe que a manipulação dos códigos de valores em função de conveniências políticas, sociais ou económicas, vem minando a lógica natural desses códigos, mas nunca como agora isso entrou, desta maneira, pelos olhos dentro. A continuar assim, um dia destes damos conta que é menos grave assaltar transeuntes com facas de mato que ir para a praia vender bolas de Berlim...

«Comentadores de alheias decisões»

«(...) Quanto aos comentadores de alheias decisões , acho bem que se lhes sejam impostas restrições em nome do dever de reserva. Numa grande parte dos casos, esses comentadores de serviço a certos órgãos de comunicação social que existem em todas as profissões não pretendem senão a sua própria projecção e, frequentemente, como o mostrou o sociólogo Pierre Bourdieu, buscam através dos “media” o reconhecimento que não encontram no seio do grupo profissional a que pertencem. Se querem opinar sobre decisões, que assumam abertamente a posição de críticos judiciais e que se especializem nisso, mas que deixem então de ser magistrados» ( Juiz-Conselheiro Artur Costa, blog «Sine Die»)

Obrigatório ler

O texto que Alice Vieira escreveu sobre «a história da professora agredida pela aluna, numa escola do Porto», publicado aqui.

«Que picuinhas!» disse ela

«Na semana passada, Hillary Clinton contou que foi recebida por tiros de franco-atiradores numa visita à Bósnia em 1996. O actor cómico Sinbad - que viajava na comitiva da então primeira dama - ouviu a descrição e disse que a única vez que sentiu medo nessa visita foi antes de saber onde ia jantar.(...)» [Público]
Sinbad a Presidente! :-)

Que má educação! Literalmente.

«Ao primeiro toque, o telemóvel deveria voar pela janela e o seu proprietário ser posto na rua.(...) .» Acontece que a história poderá não ser bem assim: «'Era uma aula livre e a professora autorizou o uso do telemóvel e toda a gente os tinha em cima da mesa.(...)'». Será? E o que é isso de «aula livre»?

«Depois, como no caso visionado, o energúmeno levaria duas competentes bofetadas no focinho só podendo sair da sala com elas bem dadas». Ou seja, para disciplinar um energúmeno de quinze anos arranje-se outro, mais corpulento, quiçá um daqueles «gorilas» que em tempos se passeavam pelos estabelecimentos de ensino. Que óptimo. Que edificante!

Num aspecto concedo: que má educação a de certas criancinhas, como esta, que aos quinze anos faz birras como se ainda tivesse cinco; que má educação a de certos paizinhos, que nem sequer reparam que os filhos estão a crescer desta maneira; que má educação a de certos professores [não querendo afirmar que é o caso desta] que «facilitam» e «contemporizam», na esperança de agradar aos meninos, a ver se assim eles ficam mais quietinhos; que má educação a daqueles governantes, que acreditam que tudo se resolve com um pedido de desculpas do energúmeno ao professor; que má educação a daqueles cidadãos que, não fazendo a menor ideia de como se educa uma criança, oferecem pancada aos filhos dos outros. Que má educação. Literalmente.

«A reboque» do You Tube? - cont.

«Oitenta por cento dos casos de indisciplina são resolvidos com um pedido de desculpa dos alunos aos professores e o aviso de que se a situação se repetir os pais serão chamados à escola. 'Os alunos são obrigados a fazer um relatório que depois é confrontado com a versão do professor. Registámos que os alunos geralmente não mentem.'Os reincidentes são obrigados a fazer limpezas na escola e fichas de trabalho acompanhados até ficar solucionada a situação», li hoje no CM

Ainda do mesmo artigo daquele jornal:
'INCENTIVOS À DENÚNCIA' (João Grancho, responsável da Linha SOS Professor)
Correio da Manhã – Qual é a finalidade da linha SOS?
João Grancho – A linha serve para apoiar os professores que sejam alvo de actos de violência, indisciplina e situações análogas. Há também ajuda em matérias burocráticas. Há muitas situações em que existe apenas a necessidade de desabafar e outras em que quem telefona pretende auxílio no que concerne a estratégias a aplicar em casos de conflito.
– Por que é que a professora não apresentou queixa ao Conselho Executivo ?
Isso aconteceu com esta professora, mas não é caso único. Muitas vezes, não querem prejudicar os alunos porque se sentem como segundos pais. Outras vezes, pode ser a vergonha e a surpresa que uma situação destas provoca. Nós incentivamos a que os casos sejam denunciados, porque só assim podemos actuar sobre as situações.
–Uma situação com esta gravidade pode levar um docente a abandonar a profissão?
– Não tenho dados que respondam que há uma relação de causa/efeito. Alguns professores ficam com certeza constrangidos depois de uma situação destas. Em muitos casos são pessoas com vários anos de profissão que são confrontadas com uma situação que é inconcebível. A escola é um lugar em que as hierarquias deviam estar muito bem definidas.
– Como é que ajudam os professores nestas situações?
Colocamos à disposição todos os nossos serviços. Ajudamos até ao ponto que o professor pretender. Se necessitar de apoio psicológico com certeza que o damos, tal como apoio jurídico.

Finalmente, a reacção das protagonistas:

«Patrícia, de 15 anos, consciente da gravidade do que fez, teme agora a 'suspensão ou a expulsão'. 'Era uma aula livre e a professora autorizou o uso do telemóvel e toda a gente os tinha em cima da mesa. Pedi a uma amiga para ouvir uma música no telemóvel, mas o som estava baixinho', contou.»

«A professora de Francês (...) que ontem viu divulgado um vídeo na internet em que uma aluna luta com ela pela posse de um telemóvel, tem estado em casa recolhida e sem querer falar sobre o assunto (...). Face à repetição constante das imagens na abertura dos telejornais, a professora da escola Carolina Michaelis, Porto, disse a colegas que "não está habituada a andar na ribalta e que já está enojada de ver o vídeo"». Agora compreendo-a...

«A reboque» do You Tube?

«Os números mais recentes sobre a violência na escolas, compilados pelo Observatório da Segurança em Meio Escolar e divulgados no final do ano passado, davam conta de 185 agressões participadas contra professores em 2006/2007. Ou seja, em média, a cada dia que passa há um docente agredido (o ano lectivo tem cerca de 180 dias de aulas)» lê-se aqui, a propósito deste inqualificável episódio ocorrido numa escola portuguesa.

O assunto tem vindo a ser comentado nas televisões, nos jornais e na blogosfera, mas há um aspecto - a meu ver bizarro - que, tanto quanto me parece, ainda ninguém valorizou. Refere a notícia que «contactada pelo PÚBLICO, a escola escusou-se a responder a qualquer pergunta e informou apenas que tinha sido aberto um “processo de averiguações”. E disse ainda que tinha tomado conhecimento do caso ontem, quando foi avisada de que o vídeo tinha sido colocado na Internet. De acordo com o assessor de imprensa do Ministério da Educação a professora apenas apresentou queixa hoje.» Leio e não entendo. Por que razão a professora brutalizada só participou a ocorrência depois do vídeo ter sido divulgado no You Tube? Terá tido receio de represálias? Terá entendido que não valia a pena participar o ocorrido? E porque será que, perante uma aluna manifestamente descontrolada e com uma maior envergadura física, não optou por entregar-lhe o telemóvel e suspender a aula, até que a mesma saísse da sala? Em suma, por que razão aceitou o confronto físico? Se as averiguações fossem comigo, acho que começava por aqui...

«Depreciating assets»

Recebi hoje, enviado por mão amiga, este recorte de jornal:



À medida que o lia vieram-me à memória outras leituras, sobre matérias aparentemente muito distintas daquela que é objecto da notícia, mas que suscitaram em mim a mesma sensação de desconforto. Por muito irrepreensível que seja, ao nível técnico, a ciência que a usa, esta «abordagem financeira» da vida é, para mim, deveras «urticante». Aqui fica outro exemplo:

«Dentro da literatura económica (sobre o Direito), é bem conhecida a metáfora da auto-estrada avançada por Richard Posner (e também a lei de Say), segundo a qual quando se constrói uma auto-estrada, apesar desta suportar mais carros a uma velocidade média superior e portanto descongestionar o trânsito a curto prazo, a longo prazo, o número de carros irá aumentar porque se está a sinalizar os “utentes” que o sistema tem mais capacidades e responderá melhor verificando-se o agravamento do congestionamento. (...) no artigo de Nuno Garoupa, Ana Maria Simões e Vítor Silveira “é apresentado um estudo econométrico para mostrar que o crescimento contínuo do sistema judicial tem seriamente contribuído para o colapso da justiça portuguesa”. De facto, os autores identificam a expansão da “procura” da justiça com a expansão das profissões legais e judiciais, pondo em causa a habitual explicação da alteração das condições económico sociais como sustentado, por exemplo, pelo OPJP.»

Publicidade SIMPLEX - quem nos defende?

«1. O serviço “Divórcio na Hora” é um serviço privado criado através de iniciativa privada sem a colaboração ou a intervenção de serviços públicos do Ministério da Justiça. 2. Apesar da existência de serviços públicos como a “Empresa na Hora” ou a “Associação na Hora” que foram criados ao abrigo do programa SIMPLEX e do Plano Tecnológico e que entraram em funcionamento em 2005 e 2007, respectivamente, o “Divórcio na Hora”, assim como a “Procuração na Hora”, não têm qualquer relação com estes serviços nem com nenhuma iniciativa pública (...)», explica o Gabinete de Imprensa Ministério da Justiça aqui.

Curioso! Há uns meses atrás escrevi isto, convencida que o serviço "Procuração na Hora" era da responsabilidade do Governo, fazendo fé no que li aqui:



Fiz mal, está visto...

«A Arte de Calar»

Hoje, pela hora do almoço, numa livraria chamada «Pó dos Livros», que fica ali para os lados da Marquês de Tomar, encontrei um pequeno tratado sobre «A Arte de Calar», que um tal Abade Dinouart escreveu e fez publicar no lonjínquo ano de 1771 [ed. Martins Fontes, Colecção Breves Encontros, São Paulo, 2002].

Escreveu o Abade, no prefácio:
«O Cardeal Le Camus dizia ao padre Lamy de l'Oratoire, quando ele lhe ofereceu uma de suas obras, cujo título é 'A Arte de Falar'. "Eis, sem dúvida, uma excelente arte; mas quem nos dará a arte de calar?" Seria prestar um serviço essencial aos homens dar-lhes os princípios dessa arte e fazê-los convir que é de seu interesse saber colocá-los em prática. Quantos se perderam pela língua ou pela pena! Ignora-se que muitos devem a uma palavra imprudente, a escritos profanos ou ímpios, sua expatriação, sua proscrição e que seu infortúnio não pôde ainda corrigi-los?
O furor de falar, de escrever sobre a religião, sobre o governo, é como uma doença epidêmica, que contamina um grande número de cabeças entre nós. Os ignorantes, como os filósofos atuais, caíram numa espécie de delírio. Que outro nome dar a essas obras que nos sobrecarregam, das quais a verdade e o raciocínio estão proscritos, e que só contêm sarcasmos, zombarias, contos mais ou menos escandalosos? A licença é levada a tal ponto que só se pode ser considerado erudito, filósofo, desde que se fale ou escreva contra a religião, os costumes e o governo.
(...) Seja qual for o sexo e a condição dos que venham a ler esta instrução, cada um poderá tomar, do que se diz em geral, a parte que lhe toca. Não cabe a mim fazer tal aplicação e, ainda que eu tivesse essa liberdade, não poderia servir-me dela sem pecar, talvez, contra as regras do silêncio que proponho aos outros.
Como há dois meios para se explicar, um pelas palavras e outro pelos escritos e pelos livros, há também duas maneiras de calar; uma contendo a língua, outra contendo a pena. Isso me dá oportunidade de fazer as observações sobre a maneira como os escritores devem permanecer em silêncio ou se explicar em público por seus livros, segundo esta advertência ao sábio: "Há um tempo de calar e um tempo de falar"
»

Há pouco, quando dava a minha volta pelos «sítios» que diarimente visito, constatei que ainda há quem pratique esta arte. Bem haja por isso!

Saudades do futuro

(...) A abertura do novo ano judicial foi um exercício tautológico, o que legitima a dúvida sobre a sua utilidade.
Acusar uma profissão da morosidade da Justiça é irrealista, bem como afirmar que uma delas não terá qualquer responsabilidade não corresponde à realidade quotidiana dos tribunais.
Inovar sem envolver os agentes é contraproducente.
Rejeitar, sem mais, todo e qualquer movimento de inovação é retrógado.(...)
[Posição da ANJAP face à abertura solene do ano judicial]

Quem diz que já não há jovens inteligentes, hein?

Evitando o diz que disse...

Esta noite, em Évora, o Presidente do Conselho Superior da Ordem dos Advogados disse isto. Convém ler o que ele disse, antes de retirar conclusões.

Concretizando...

«O advogado que patrocinou uma acção não poderá, finda esta, intervir noutro pleito com íntima conexão com aquele outro, e no qual defenda interesses opostos ao do seu antigo constituinte», lê-se no sumário de um Acórdão do Conselho Superior, de 12.10.1979. Não podia em 1979, e continua a não poder [cfr. art.º 94.º-1 do EOA]. Foi do que me lembrei quando li isto, mais precisamente que talvez fosse conveniente tornar a dita regra obrigatória para outras categorias de pessoas, se é que ainda não é [e pelos vistos, parece que não] e pela mesma ordem de razões, de natureza ética.

Constatei, depois, que além de mim outros poderão ter lido a mesma notícia e concluído mais. A ver vamos...

Ele há...

«Estado e Lusoponte já estão a negociar indemnização»
(...)
«De um lado está o Governo, assessorado pela Vieira de Almeida (VdA)que vai alegar que o Estado está apenas obrigado a indemnizar a concessionária, no caso de futuras travessias rodoviárias acarretarem uma perda de receita para a Lusoponte. Do outro, a empresa liderada por Ferreira do Amaral (o ex-ministro responsável por este contrato), assessorada pela MLGTS a reclamar o direito à concessão da Terceira Travessia do Tejo. »

Ele há títulos...

«Ex-director nacional da PJ especializa-se em crime económico»

Justiça em números

Li aqui que durante a passada semana foi divulgado o estudo sobre “A Justiça Cível em Portugal: uma perspectiva quantitativa”, da autoria de Sofia Amaral Garcia, Nuno Garoupa e Guilherme Vasconcelos Vilaça.

Neste estudo os autores começam por «fazer um balanço do estado da arte relativo aos estudos e trabalhos realizados em Portugal nos últimos anos que, directa ou indirectamente, versam a quantificação da justiça cível», ao qual se segue «um estudo técnico exaustivo das bases de dados produzidas pelo Ministério da Justiça, as Estatísticas da Justiça».

Pelo meio encontrei uma citação, que retive:

«(...)Pierre Bourdieu, no ensaio em que aplica os seus conceitos campo, habitus e homologia ao Direito, avança a tese que “the constitution of the juridical field is inseparable from the institution of a professional monopoly over the production and sale of the particular category of products’ legal services”. O referido autor salienta ainda, que as profissões jurídicas determinam a procura jurídica através de meios muito variados, inclusive pressionando os poderes públicos no sentido de poderem contribuir para a definição do que se entende por procura jurídica. Por outro lado, reconstrói criativamente o aparecimento e expansão de novos ramos do Direito e de tendências de juridificação, entendendo-os do seguinte modo: “a process of circular reinforcement goes into action: every step toward the “juridicization” of a dimension of practice creates new “juridical needs”, and thus new juridical interests among those who, possessing the specific qualifications necessary (knowledge of labor law in this case), find in these needs a new market. Through their intervention,such practitioners cause an increase in the formalism of legal procedures, and thereby contribute to increasing the need for their own services and products, to the practical exclusion of laypeople. Laypeople are obliged to have recourse to the advice of legal professionals, who little by little will come to replace the complainants and defendants. The latter in their turn become nothing more than a group of individuals who have fallen under the jurisdiction of the courts.»

Seguida de uma interrogação:

«Porque não pegou ninguém na afirmação de Nuno Garoupa et al., segundo a qual, foi o aumento explosivo das profissões jurídicas que induziu o aumento da procura judiciária entre 1970-2004?»

Enganam-se os autores. O Ministério da Justiça já está a tratar disso.