Manifesto de Álvaro de Campos

Ora porra!
Nem o rei chegou, nem o Afonso Costa morreu quando caiu do
carro abaixo!
E ficou tudo na mesma, tendo a mais só os alemães a menos...
E para isto se fundou Portugal!

27-6-1916
Álvaro de Campos - Livro de Versos . Fernando Pessoa. (Edição crítica. Introdução, transcrição, organização e notas de Teresa Rita Lopes.) Lisboa: Estampa, 1993. - 20 [Arquivo Pessoa]

«Circo de feras», aí vem outro ano!

São uns rapazes um bocadinho mais velhos que eu, meia dúzia de anos, apenas. Começaram a tocar nos tempos em que a diferença de idades entre nós tinha alguma importância. Hoje já não tem. Subi, algumas vezes, com eles, no mesmo elevador, os andares de um certo prédio que fica na Rodrigo da Fonseca, eu na minha descaracterizada fardamenta profissional, eles nas habituais gangas e t-shirts pretas. Ficou-me a imagem de uns rapazes amáveis e discretos, de trato simples, gentis, o oposto da ideia que os «Xutos e Pontapés» - o nome do grupo - sugerem. Se já apreciava a música, depois de me cruzar com eles a simpatia passou a incluir as suas pessoas. Li aqui que o Zé Pedro, o guitarrista, está muito doente. Lembrei-me, imediatamente, do António Sérgio, que este ano nos deixou, por ter sido nos programas dele que ouvi esta música pela primeira vez. A horas de ir virar mais uma folha do calendário, aqui deixo uma canção que já é um hino, com votos de rápidas melhoras para o Zé Pedro, e de um Óptimo Ano para todos.


Cameron, Pandora e a caixa de «aliens»

O que antes era uma estrela, e se desintegrou numa enorme bola de fogo, está hoje presente em tudo o que existe, no ar que respiramos, na água que bebemos, nas plantas e animais que comemos, nos tecidos que vestimos, no próprio corpo em que existimos, foi o que ouvi, hoje, num daqueles programas do canal «National Geographic» que,  em doses inteligíveis, servem aos leigos, como eu, vagos conhecimentos sobre ciências fundamentais. Em suma, toda a matéria que existe, já existiu sob outra forma, e assumirá uma nova forma, quando desaparecermos, o Universo mais não é que uma enorme máquina recicladora, em permanente movimento, os seres humanos uma parte ínfima do todo.
Vem isto a propósito de ontem à noite a minha filha mais nova me ter convencido a ir até a um centro comercial da periferia de Lisboa para assistir à sessão da meia noite do «blockbuster» deste Natal, Avatar, o último filme do realizador James Cameron. Chegámos uma hora antes do início,  bilhetes disponíveis apenas na primeira fila. Antecipei três intermináveis horas a olhar um ecrã grande demais,  uma dor no pescoço, uma sala cheia de gente barulhenta, a comer pipocas, emporcalhando o chão e os assentos, soltando comentários alarves, a despropósito. Mas ser mãe exige alguns sacrifícios, e depois de resmungar um pouco, acabei por me conformar com a minha sorte. Fiquei. Descobri que um filme em 3D deve ser visto mais próximo do ecrã e por isso não lamentei os lugares. E constatei que,  neste caso, nem se dá conta que o filme dura três horas. No mais, foi tal e qual como antecipei, mas ainda assim, não lamento a decisão. Explico porquê.
Dizem que Cameron é «half scientist, half artist»,  «um visionário que, de cada vez que filma, expande as fronteiras do que a tecnologia permite» e que «o que filmou, na realidade, é a história de uma viagem iniciática numa outra cultura dobrada de redenção e redescoberta». Talvez seja como dizem.  O que eu vi, no entanto, foi a cena de caça do «The Last oh the Mohicans» filmada de uma outra maneira, variantes do enredo dos livros «Dragonriders of Pern» da Anne McCaffrey, à mistura com costumes e ritos das tribos índias das duas América. Reminiscências de Camelot e de Lancelot do Lago. Tudo isto e mais ainda: máquinas e robots inspirados nos clássicos «Star Wars», muitas delas  protótipos melhorados das actualmente em uso por organismos como a Nasa, outras pelas forças americanas nos cenários de guerra, e que o próprio Cameron já filmou, noutros filmes, como o «Aliens», de 1986. Registei, porém, uma significativa diferença: no «Aliens», protagonizado por Sigourney Weaver, no papel da tenente Ripley,  os extraterrestes eram uma ameaça mortal, a sua destruição um imperativo inultrapassável. Vinte e três anos depois, Cameron volta a filmar Weaver, recorrendo aos mesmos antigos arquétipos,  mas para que esta nos transmita a mensagem oposta, ou seja, que, afinal, o futuro estará em Pandora, e na sua caixa de «aliens». Estranho. E mais estranho ainda constatar que a mole humana que se entusiasma com a fantasia tecnológica sobre o maravilhoso que só pode ser encontrado numa plena comunhão com a natureza, na qual avatares de tranças, semelhantes a portas USB, se conectam, de uma forma para-umbilical, a todos os seres vivos daquele planeta, é precisamente a mesma que vive enfiada entre quatro paredes e tem de recreação a ideia de que tal equivale a enfiar-se numa sala às escuras, a comer pipocas e a assistir às aventuras de seres virtuais num mundo virtual, depois de uma volta ou duas pelos corredores do consumo. Equilíbrio nas escolhas, moderação no uso dos recursos disponíveis, respeito pelos outros, quer pertençam ou não à nossa espécie, são conceitos que, a meu ver, não fazem parte das preocupações da pequena multidão que estava comigo naquela sala. Se Cameron é, como dizem, o «half scientist» visionário da indústria do cinema, e se «Avatar» é a imagem aproximada do futuro que nos espera, ao pensar naquela mole resta-me a consolação de saber que na lógica maior do Universo, o primeiro princípio é o da reciclagem de toda a matéria. Afinal, e como em tempos me ensinaram, «nada se perde, nada se cria, tudo se transforma» [Lavoisier].

O direito à informação na Ordem dos Advogados

Esta semana foi notícia a demissão, em bloco, da Comissão Nacional de Estágio e Formação, depois de tomar conhecimento do teor das alterações ao Regulamento Nacional de Estágio e ao Regulamento da Comissão de Avaliação, aprovadas pelo Conselho Geral, e recentemente publicadas em Diário da República. A informação sobre a demissão partiu da Lusa, e foi amplamente desenvolvida, depois, pelo Ionline, pelo Diário de Notícias e pelo Público. No entanto, e como vem sendo habitual, o comunicado da CNEF pode ser lido, na íntegra, apenas nos sites dos Conselhos Distritais.
Não venho aqui pronunciar-me sobre as alterações recentemente aprovadas pelo Conselho Geral, por dever de reserva, tendo em consideração a minha qualidade de membro do actual Conselho Superior. Julgo, no entanto, que a minha qualidade de vogal em exercício de funções não impede que publicamente chame a atenção para o facto do texto integral do comunicado da CNEF ter sido publicado, exclusivamente, nos sites dos Conselhos Distritais (cfr.  aqui, aqui, aqui, aqui, e aqui) uma vez que, à  semelhança do que tem sido a prática deste Bastonário e Conselho Geral, relativamente aos comunicados e decisões do Conselho Superior, também a este comunicado da CNEF não foi dado qualquer destaque no portal da OA,  ao arrepio do que era a prática comum e pacífica na OA, em todos os triénios que precederam este.
Admito que não deve ser agradável, ao Bastonário, ler que: «todo o trabalho desenvolvido por esta Comissão, no exercício das suas competências, ao longo de quase dois anos de mandato e os contributos concretos remetidos ao Conselho Geral foram sistematicamente ignorados por este, sem qualquer reacção ou articulação; (...) uma alteração desta natureza no modelo de estágio e formação careceria sempre de prévia, global e profunda análise e discussão a todos os níveis institucionais da OA, muito menos se compadecendo com as abordagens públicas, superficiais, demagógicas e infundadas a que se assistiu; A profunda discordância da CNEF quanto ao modelo agora preconizado para o estágio e formação, bem como para o próprio acesso à profissão, revelador, aliás, de profundo desconhecimento quanto aos pressupostos reais em que o estágio hoje pode assentar, a CNEF, reunida com os membros signatários em 22 de Dezembro de 2009, e contando com a solidariedade expressa dos membros ausentes (...) apresenta a sua demissão em bloco.» Ainda assim, face ao tratamento que o assunto teve, ao nível da comunicação social, parece-me que a ausência de informação no portal  é, além de intolerável, cada vez mais, confrangedoramente... caricata.

«Plano Inclinado» sobre a Justiça





Apenas uma nota:
Numa das raras conversa sensatas e equilibradas sobre o sistema de Justiça foi pena ouvir o Dr. Medina Carreira louvar o antiga sistema de registo da prova, as famigeradas «deprecadas» de má memória, pelo menos para mim, que advogo sobretudo nos juízos cíveis. Não tenho dúvida que apesar das dificuldades técnicas com o registo e das introduzidas pela jurisprudência que, entretanto, se formou, ao nível dos tribunais superiores, as gravações áudio representam uma substancial melhoria relativamente ao anterior sistema de registo da prova. E também o CITIUS, no que respeita à entrega das peças processuais e consulta do processo pelos mandatários, constitui uma inovação a todos os títulos louvável. Os problemas situam-se, tanto quanto me parece, ao nível do funcionamento do sistema nos próprios tribunais. Em qualquer caso, valeu a pena assistir até ao fim do programa, o que nos dias que correm - há que reconhecer - é cada vez mais raro.

Os Mortos

Os mortos mais do que os vivos, estão vivos.
Surgem, fortes, intensos, aparecem
depurados e cheios de motivos.
Visitam-nos e acham que merecem
todo o rigor da nossa atenção.
A morte deu-lhes, pensam, nova vida:
vê-se neles uma concentração
de virtudes - de vida reflectida.
Os mortos ensinam-nos a viver:
dão um valor novo ao que nos rodeia,
dão ao quotidiano acontecer
um brilho vivo que nos incendeia.
Os mortos acendem, em nós, a chama
de uma nova vida. Julgo que pedem
que olhemos fundo a luz que se derrama.
Exigem. Clamam. Os mortos não cedem.

Eugénio Lisboa

Boas Festas!



[Postal electrónico de Natal realizado no âmbito da cadeira de Projecto II, do curso Design da Universidade de Aveiro]

E não se pode dar corda aos sapatos deles?...

Alguém estimou que este ano cada português gastará, em média,  390 euros em prendas de Natal, num país onde o salário mínimo é de 450 euros e o salário médio não ultrapassará os 1.000 euros. É igualmente público que no terceiro trimestre deste ano, a taxa de desmprego atingiu, de acordo com números oficiais, os 9,2 por cento, um máximo histórico desde 1986. Neste contexto, o governador do Banco de Portugal [ e candidato a vice-presidente do Banco Central Europeu ]  pediu ao Governo «um plano credível de redução do défice orçamental até 2013, desejavelmente com o compromisso de todos os órgãos de soberania».

Pois é, Senhor Governador, olhando para isto:



ninguém diria ...

Mobilar as estantes

Hoje, às voltas no centro comercial, preparando-me para as obrigatórias compras de Natal, deparei com um acervo considerável de livros antigos expostos em novíssimas estantes de uma ultra moderna loja de móveis. Entrei, atraída pelos livros. Descobri um exemplar do «Voltar atrás para quê?» da Irene Lisboa, editado na velhinha colecção Unibolso, este, mais precisamente. Retirei o livro da estante, abri-o para ver o preço, e como não o encontrei no lugar do costume, perguntei «quanto custa?» a um empregado, que por ali andava. «Não está à venda», respondeu-me. «Como não está à venda?!», perguntei, já irritada. «Os livros não estão à venda», insistiu ele, «são da nossa decoradora e estão aqui para "mobilar" as estantes». «Mas como é possível ter um livro como este aqui, apenas para encher uma  estante? A vossa decoradora faz ideia do que aqui tem?» perguntei eu, mais para mim que para ele. O homem mirou-me de alto a baixo, com ar de quem está a pensar «logo hoje, com tanto para fazer, havia de me calhar esta louca!». Conformei-me. Coloquei o livro no lugar e voltei costas. Ouvi um suave gargalhar. Era a minha filha mais nova. « Ó mãe! só tu mesmo...» Pois...

Imaculada Conceição

Li aqui que, de acordo com os resultados de um estudo europeu, as mulheres portuguesas são, na Europa, as que mais valorizam de forma igual a profissão e a família. Ocorreu-me que há precisamente um ano alguém - um homem - escreveu, e eu li: «Antigamente era este o dia da mãe. Depois mudaram o dia. Não mudou a ideia de mãe.» É o que ele julga. Talvez um dia acorde...

Há vida além da Ordem...

... é uma frase que ouço com alguma frequência, nem sempre pelas melhores razões. Felizmente, há quem consiga demonstrar que assim é, escrevendo livros. Temos um antigo Bastonário, António Osório de Castro,  que em tempos o fez,  aliás brilhantemente. Chegou, agora, a vez do actual Presidente do Conselho Superior, José António Barreiros. Li aqui que no próximo dia 15 de Dezembro, pelas 18.30 horas, no Espaço Chiado, vão estar juntos, por causa de um romance, com um título sábio: «Não se brinca com facas». Se eu desejar um «break a leg» ao Presidente do Conselho Superior, será que me arrisco a um processo disciplinar? :-)

de leitura obrigatória...

... o «Errar nem sempre é humano»,  da Ana Vidal, no «Delito de Opinião».
Porque o «direito à informação» não é absoluto...

A quem interessar...

Amanhã, dia 30 de Novembro, é dia de reunião da Assembleia Geral da Ordem dos Advogados, convocada para deliberar sobre os orçamentos do Conselho Geral e Consolidado da Ordem (cfr. convocatória e proposta de orçamento).
Em 20 de Novembro passado foi divulgada, no Portal, uma deliberação do Conselho Geral introduzindo condicionamentos à intervenção dos advogados na Assembleia através de mandatário, da qual foi interposto recurso, pelo Presidente do Conselho Distrital de Évora, para o Conselho Superior. O recurso foi admitido, com efeito suspensivo, pelo Presidente do Conselho Superior. Não obstante o efeito fixado, e ignorando o pedido de urgente publicitação no Portal, o Bastonário entendeu tomar posição através deste despacho. Presentemente o despacho do Presidente do Conselho Superior, que admitiu o recurso, já figura na página deste Conselho (cfr. aqui), mas ainda assim dificilmente será identificado, uma vez que se encontra «linkado» sob a designação «comunicado». Aqui fica a nota para os Colegas que me têm solicitado  que esclareça «o que se passa, porque não estão a entender nada»...

Em sede de informações, apenas uma última nota: apesar do Presidente do Conselho Superior ter solicitado a divulgação da cópia da decisão, proferida em sede de recurso, interposto pelo Bastonário, da sentença que em primeira instância indeferiu a providência cautelar, que o mesmo havia requerido, em ordem a suspender a eficácia da deliberação do Conselho Superior, que convocara uma Assembleia Geral para o passado mês de Setembro, tal decisão não consta do Portal e é do conhecimento público apenas e tão somente por ter sido divulgada nos sites dos Conselhos Distritais de Lisboa e Faro.

  

A vingança dos fracos

A propósito de ontem se comemorar o Dia Internacional para a Eliminação da Violência sobre a Mulher, li no Jornal de Notícias que desceu para cerca de metade, relativamente a 2008, o número de mulheres assassinadas, em Portugal, pelos namorados/companheiros/maridos (vinte e seis), «mas há um novo dado alarmante: as portuguesas vítimas da violência de género são cada vez mais novas». A juventude da maioria das vítimas (sete das mulheres mortas tinham menos de 22 anos, dezassete menos de 35 anos) e também dos agressores, e ainda a circunstância de muitos deles - vítimas e agressores - serem jovens universitários (ou seja, jovens cujo grau de escolaridade pressupõe uma cultura cívica supostamente superior à do cidadão médio)  têm-me deixado perplexa. A título de exemplo cito um caso recente, ocorrido em Mangualde, descrito nesta notícia do Correio da Manhã. E porque se aproxima o Natal ocorreu-me, também, que há mais ou menos um ano, na Grécia, os estudantes da Universidade de Atenas deram início a uma revolta que depois se transformou em motim popular, causando séria devastação. Na altura citei aqui as palavras do então reitor da Universidade, que por altura da sua demissão afirmou existir «um divórcio entre a juventude e o sistema» e pediu aos partidos que «de uma vez por todas, cheguem a acordo quanto a medidas que permitam salvar a educação e impedir que se acumule mais raiva». Antes, em França, algo mais ou menos semelhante já tinha acontecido em Paris, na Sorbonne, e em Rennes, era então ministro do interior o actual Presidente Sarkozy. Também no final do ano passado, a agitação estudantil, em Espanha, se fez sentir, neste caso dirigida expressamente contra a reforma de Bolonha. Ao ler agora os registos do aumento de violência doméstica envolvendo portugueses jovens e universitários, e ao constatar a inexistência de manifestações semelhantes às ocorridas na Grécia, em França e na vizinha Espanha, fiquei a pensar se a frustração que um pouco por toda a Europa dá lugar a revoltas de rua, não estará, em Portugal, a exprimir-se, individualmente, através de violência doméstica. Se assim for, a conclusão que daqui podemos retirar quanto ao carácter dos portugueses é francamente desmoralizadora, e talvez isto seja uma pista para se entender o que está a acontecer no país a outros níveis...

FICHA DO DIA

Hoje é sábado, 21 de Novembro, tricentésimo vigésimo quinto dia do ano, Dia Mundial da Televisão. Faltam 40 dias para o final de 2009. Neste dia comemora-se a apresentação de Nossa Senhora no Templo. É  também o dia dos Santos Gelásio I, Alberto de Lovaina e Celso. A semana é de Lua Nova e aproxima-se o Quarto Crescente, dia 24, às 21:39. O Sol nasce às 07:13 e o ocaso regista-se às 17:21. No porto de Lisboa, a preia-mar verifica-se às 05:29 e 17:52, a baixa-mar, às 11:28 e 17:52. Os nascidos nesta data pertencem ao signo Escorpião, destacando-se Voltaire, filósofo, o Papa Bento XV e o pintor belga René Magritte. Em 1877, Thomas Edison anunciou ao mundo a invenção do fonógrafo. Faleceram nesta data João Carlos Gregório Domingos Vicente Francisco de Saldanha Oliveira e Daun, 1.° conde, 1.° marquês e 1.° duque de Saldanha, e Jorge Ferreira, Advogado de profissão, líder parlamentar do CDS-PP entre 1996 e 1998, vice-presidente deste partido durante a presidência de Manuel Monteiro, com quem, em Novembro de 2003, fundou o PND, autor do blogue “Tomar Partido”.



Um beijo, Jorge, e até um dia.

Uma questão de fé? Então...

... e este?

Quando estava grávida de mim, a minha mãe decidiu não tomar a talidomida que lhe receitaram para os enjoos matinais. Curiosamente,  houve alguém que hoje também se lembrou do que aconteceu às grávidas que seguiram tal prescrição... 

Uma questão de fé? Afinal...

... há outros factos a considerar.

Já agora, valia a pena pensar nisto...

«Ele [José Barata Feyo] disse-me que eu era a pessoa indicada para escrever um romance», afirmou, em entrevista publicada na edição de hoje do Correio da Manhã, o dr. Marques Vidal, antigo magistrado do Ministério Público, juiz jubilado do Supremo Tribunal Administrativo, director-geral da PJ entre 1985 e 1991, pai de dois magistrados. “O sistema da Justiça está roto por todo o lado” é o título da entrevista.
Talvez por se sentirem vítimas desta «concorrência desleal», nos últimos tempos os «Da Literatura» escrevem, sobretudo, sobre o Estado de Direito e temas afins.
E no meio de tudo isto, por onde andará o público? pergunto. A resposta encontrei-a aqui, no site criado por um polaco, destinado à partilha do "onde e como" da actividade sexual de qualquer cidadão anónimo. Parece que «no ranking dos países com maior actividade sexual partilhada online, o primeiro lugar era ontem de Portugal». E desta maneira se vingam os portugueses de quem anda a f... o juízo...

Miss neurónio de plástico

Houve um tempo, logo a seguir ao 25 de Abril de 1974, em que por cá se acabou com os concursos de beleza, qualificados «reaccionários», «burgueses» e «fascistas». Não consigo recordar se esta posição era uma imposição da ortodoxia marxista, e por isso comum aos países da Europa do Leste,  ou se foi uma inovação dos revolucionários cá do burgo.  Vem isto a propósito de ter lido hoje que na Hungria alguém se lembrou de organizar um concurso de beleza visando promover as cirurgias plásticas, no qual foi eleita uma «Miss plastic». Se esta moda dos concursos de beleza «odd» pega, não é de admirar que um dia destes alguém se lembre de organizar um concurso para eleger uma «Miss neurónio de plástico», aproveitando a existência de candidatas como uma tal Carrie Prejean, admiradora da antiga governadora do Alasca, Sarah Palin,  que no passado dia 11  foi ao programa do Larry King. Ora vejam:



Let´s look at the booktrailer

Circulam por aí, nas televisões e nos jornais, rumores de uma trapalhada qualquer, com políticos, polícias e tribunais, gente que fala, gente que escuta, gente que só fala e não escuta, gente que era melhor ficar calada. Desculparão os meus desprevenidos leitores, mas hoje não me apetece escrever sobre o que quer que seja vagamente relacionado com tais rumores. Estou farta de trafulhices e trapalhadas. Hoje vou escrever sobre livros, para mim artigos de primeira necessidade, amados companheiros desde a minha mais tenra infância. Ora, não sei se terão dado conta, escolher um livro, nos dias que correm, é uma tarefa complicada. São muitos os escritores, muitas as editoras, as novidades não param de chegar às livrarias. Há uns com capas lindíssimas, outros com títulos chamativos, e haverá, muito provavelmente, quem consiga orientar-se seguindo o apelo dos títulos e a beleza das capas. Não é o meu caso. Como escolhê-los então? Através do já best-seller «Caim», do José Saramago, descobri, há pouco tempo, que além de excertos de filmes sublimes, videoclips na moda e disparates caseiros, no You Tube também há videos sobre livros, os «booktrailers». É caso para dizer, «let's look at the trailer». Uma capa amarelo solar, um nome bíblico, um tema de inspiração religiosa, um autor nobelizado, um «trailer» no You Tube, é possível fazer melhor? Acho que sim, desde que o tema seja sexo. Duvidam? Veremos, então, nos próximos meses, qual será a tiragem deste, o último da autora que em vinte anos escreveu vinte livros, a escritora Rita Ferro.

Matemática, eu ??!!

Hoje, porque é domingo, resolvi seguir a sugestão do Ionline e fui até à Veja, verificar se estou na profissão certa. Descobri que não. A fazer fé no resultado do teste on-line, na minha juventude devia ter optado pela escrita. Mas o que me deixou verdadeiramente perplexa foi constatar que até a Física, a Matemática e a Astronomia teriam sido, para mim, uma opção preferível à Advocacia. Na mesma Veja encontrei este outro artigo, relativo ao curso de Direito, através do qual fiquei a saber que «no Brasil, nem os médicos são tão "doutores" quanto os advogados. As origens dessa deferência remontam ao período colonial, quando os ricos enviavam seus filhos para estudar direito na Universidade de Coimbra, em Portugal.» Descobri, também, que «a remuneração de advogados de grandes empresas privadas alcança 40 000 reais mensais», e que «o salário de um juiz pode chegar a 25 700 reais». Os vencimentos e o status justificam a proliferação de faculdades de Direito mas, infelizmente, a qualidade da maioria delas é péssima, pelo que «os alunos que se formam nessas faculdades mambembes nem sequer conseguem ser aprovados no exame da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), exigido para quem vai exercer a profissão. Para se ter ideia de como a situação é calamitosa, só um quarto dos candidatos é aprovado a cada prova.» Na competição «leva vantagem quem faz estágio em escritórios renomados», vocacionados para prestar serviços a empresas, e assim sendo, não admira que no «sobe e desce do Direito», as especialidades Tributário e Concorrência estejam em crescimento, o contrário do que acontece com Trabalho e Penal, a primeira por ser uma área onde as remunerações são baixas, a segunda porque é pouco procurada pelas empresas. Ora, a defesa em processo penal é, sem sombra de dúvida, o tirocínio que está na génese do paradigma de Advocacia próprio dos Estados de Direito. Não há como o patrocínio de um arguido em processo penal para se entender, claramente, o que é ser advogado, pelo que, a generalizar-se a preferência dos jovens pela advocacia empresarial, antecipo grandes dificuldades em manter este paradigma. Dou por mim a pensar que a expressão «the end of lawyers», título de um livro recente, sobre a advocacia no Reino Unido, prenuncia, de facto, uma realidade bem mais global, e vista a questão por este ângulo, o resultado do meu teste vocacional talvez não seja, afinal, desprovido de sentido...

A Voz da Frente

Eu gosto de rádio. Muito. Em tempos estudei a ouvir rádio, hoje trabalho a ouvir rádio, dias inteiros ligada, sempre na mesma estação. No princípio era a RDP, que mais tarde passou a  Rádio Comercial. Foi aí  que me «viciei». Depois a  Rádio Comercial alterou o rumo,  os meus programas preferidos  desapareceram. Durante uns tempos mudei-me para a RFM, mas rapidamente me cansei de ouvir sempre as mesmas músicas, regra geral as mais vendidas. Um dia, no rádio do carro, a minha filha mais velha gravou a Radar e eu deixei ficar. Foi aí que, uns tempos depois, descobri, com alegria, a voz de alguém que, durante anos a fio,  educou o meu gosto musical. A partir de então os meus serões de trabalho passaram a ter, como banda sonora, um programa chamado «Viriato 25» e o inconfundível som da voz do António Sérgio. Infelizmente, esse tempo acabou hoje e, desta vez, o silêncio é definitivo. Foram 30 anos a ouvi-lo. Perdi uma voz amiga. Estou triste.

Surpresas

«Primeira edição de ‘Caim’ quase esgotada», não é, para mim, uma surpresa, como certamente irá concluir quem leu o que escrevi aqui , mas esta aqui, confesso, foi uma surpresa e tanto, pela qual, obviamente, estou grata ao «Delito de Opinião» e ao Pedro Correia.

A tentação de Saramago

Passei hoje o dia a encalhar no vídeo com as declarações do nobelizado Saramago, a propósito de Deus e da Bíblia, no lançamento de «Caim», o seu último livro. Fizeram-me lembrar outra figura pública, com o mesmo tipo de discurso sobre outras questões, quase tão sérias como a religião. Depois recordei-me que Saramago tem, sobre essa pessoa, a vantagem de não ter de ser levado a sério. Afinal de contas, o homem é, apenas e tão somente, um escritor de romances, e Portugal não é o Irão. E enquanto estava nisto ouvi-o dizer: «nós somos manipulados e enganados desde que nascemos». E não é que ele tem razão? pensei, lembrando-me de ter lido, há umas semanas, algures, a propósito da edição em Espanha do seu anterior livro, «A Viagem do Elefante», alguém comentar que acabava de ser colocada à venda uma nova edição do livro apesar de serem muitos os exemplares disponíveis das edições anteriores, só para dar a ideia que o livro foi um sucesso de vendas quando, na verdade, foi um fiasco. Googlei em busca do comentário esquecido e lá encontrei o post em causa, da autoria de Pedro Martins, no blog «Cadernos de Filosofia Extravagante». Ora, a seguir ao livro que "narra uma viagem de um elefante que estava em Lisboa, e que tinha vindo da Índia, um elefante asiático que foi oferecido pelo nosso rei D. João III ao arquiduque da Áustria Maximiliano II (seu primo)", cuja acção decorre "no século XVI, em 1550, 1551, 1552", haverá melhor que este livro sobre um tema bíblico para se ter um sucesso de vendas, sobretudo após estas declarações do autor? Que Saramago é ateu já toda a gente sabia. Não admira, por isso, que ninguém (cristão ou judeu) dê importância por aí além ao que lhe ocorra dizer sobre Deus. Interessante, mesmo, é vê-lo assim, rendido ao desejo de lucro, subserviente às imposições do capital e ao jogo do mercado. Disgusting...

António Osório de Castro

É um ilustre Advogado e antigo bastonário. Guardo a sua bela assinatura, manuscrita, na minha cédula (a primeira de todas, a verdadeira, de cartão branco e com letras vermelhas). Lembro-me de vê-lo entrar e sair do antigo gabinete dos bastonários, hoje convertido na belíssima sala Adelino Palma Carlos. Um gentleman. É também poeta, de verso livre. Li aqui que tem um livro novo - «Luz Fraterna - poesia reunida» - onde, provavelmente, figurará um poema que muito aprecio. Este:      

Os Loucos

Há vários tipos de louco.

O hitleriano, que barafusta.
O solícito, que dirige o trânsito.
O maníaco fala-só.

O idiota que se baba,
explicado pelo psiquiatra gago.
O legatário de outros,
o que nos governa.

O depressivo que salva
o mundo. Aqueles que o destroem.

E há sempre um
(o mais intratável) que não desiste
e escreve versos.

Não gosto destes loucos.
(Torturados pela escuridão, pela morte?)
Gosto desta velha senhora
que ri, manso, pela rua, de felicidade.


«O melhor escritor português vivo»

A frase é de Paulo Teixeira Pinto, actual proprietário da editora Guimarães, sobre Agustina Bessa-Luís. Descobri-a hoje, dia em que completa 87 anos, num extenso artigo sobre  o escritor, publicado no blogue «Ler». «O maior escritor vivo» porque, conforme refere Eduardo Lourenço, no mesmo artigo, a escrita de Agustina é «mais feminina do que feminista, (...) porque Agustina tinha demasiado humor para ser feminista». Humor, essa bendita característica, que imediatamente associo ao marido de Agustina, Alberto Luís, notável Advogado que, entre muitas outras actividades ao serviço da advocacia e da Ordem, foi director da ROA (Revista da Ordem dos Advogados) durante o triénio 2002-2004 e membro da Comissão que elaborou o projecto de revisão do EOA. Foi, aliás, nas pausas dos trabalhos dessa Comissão, frequentemente à mesa do almoço, em agradáveis tertúlias, que fiquei a conhecê-lo melhor e soube, pelo próprio, algo que, tempos depois, vi referido aqui: «Agustina Bessa-Luís não revê os textos. Enche páginas e páginas de letra apertada e quase sem margens. Depois, mais tarde, o marido passa-as à máquina, lê-lhas, ela, ao ouvir, mete uma ou outra emenda, e toca para a tipografia.». Refere, ainda, o artigo da «Ler» que há dois anos Agustina sofreu um acidente vascular cerebral. «"Fisicamente está bem, agora o resto...", desabafa, conformado,o marido Alberto Luís». Lendo-o, aqui e agora, recordo a figura desse extraordinário conversador, possuidor de uma inteligência acutilante, e o brilho que vi nos seus olhos quando me confidenciou que a mulher escrevia à mão, cobrindo toda a extensão do papel com uma letrinha miúda, sem quaisquer margens, e enquanto me explicava isto, sorria e desenhava amorosamente com os dedos a letrinha dela na toalha da mesa. Em 2003, numa entrevista, perguntaram a Agustina: «De toda a sua vida, qual é o instante, o fragmento, o pontinho de luz que mais vezes lhe ocorre para dizer que viver vale a pena?», e a resposta foi «Ter a capacidade de amar alguém ou algo na vida. Ser capaz de pôr nisso todas as forças, toda a capacidade que, no fim de contas, é a capacidade para viver.» Li, aqui, que escolheu o marido por um anúncio de jornal e por ter sido o primeiro que a beijou. Que sorte a dela ele ser atrevido!

Os dislates da loura Maitê

Chegou-me hoje, via email, por várias vezes, o link para um vídeo onde uma tal Maitê Proença - que eu recordo vagamente dos tempos gloriosos das telenovelas da Globo - debita umas opiniões cretinas sobre Portugal e os portugueses. A ideia era levar-me a subscrever um abaixo assinado contra a senhora e há pouco vi notícia que a SIC deu ao assunto honras de telejornal em horário nobre.  Não tive paciência para ver o filme até ao fim, e palavra que gostava de saber quem foi o idiota que resolveu dar tempo de antena a uma actriz de novelas que escreve assim:
«Um monte de coisa boa.
Queridos/as,
Cheguei do Tahiti. É o lugar mais lindo que já vi nesta vida de andanças. Um Eden! Para amanhã prometo fotos na seção Estrada com um diário detalhado dos momentos que passei por lá (de quebra farei o mesmo com recente viagem à Barcelona: fotos e diário).Ainda virada/fusada fui gravar o Saia Justa na terça. Gravamos dois programas, inclusive o que vai ao ar nesta quarta, 7/10. Deus sabe como, acho até que ficaram bons. Segui pra Campinas ao lançamento de As Meninas. A estréia foi cheia de amigos de infância. Choramos todos e muito já que o berço da história de minha peça se deu ali mesmo naquela cidade. As Meninas não é uma realidade vivida por mim, mas germinou de uma história forte e experimentada, e floresceu, fantasiou-se. Da forma que ficou, tocou a todos provocando acessos de riso e de choro; porque a tristeza não anula o humor, a meu ver um precisa do outro, e minha peça é feita disso, da risada e da lágrima superpostos.
»
Não acredita? Então queira fazer o favor de espreitar aqui.
Haja paciência!

«E os advogados por que não fazem nada?»

Este Governo, mais do que qualquer outro, tentou controlar o poder judicial?
Eu acho que Alberto Costa está de parabéns. Impôs o que quis e quando quis. As pessoas berraram contra ele, mas as reformas dele cá estão, até o mapa judiciário. Ele fez o que quis e impôs - e agora aí estão todos, em alegres jantaradas com o senhor ministro. Coitados dos ingénuos que acreditaram que a gritaria de protestos que para aí houve teria algum efeito. Estão todos hoje à mesma mesa e sabe porquê? Porque são políticos ou agem como tal - entendem-se!

E tentou-se subjugar os magistrados?
O primeiro-ministro definiu uma estratégia: combate às corporações. Alberto Costa, obediente, fez tudo para criar dificuldades às magistraturas. Isto era expectável porque as começaram a ser um contra-poder, a interrogar ministros e políticos. Portanto, teriam de estar preparadas para a retaliação política. Vários governos gostariam de ter feito isto, mas o do PS tem uma vantagem: é que em certos dirigentes das magistraturas existe uma grande dificuldade em hostilizar o PS. Este ministro fez gato-sapato de quem quis e muitos dos que mais vociferaram foram os que mais calaram.

Mas o que poderiam ter feito?
Tanta coisa: pararem, ameaçarem fazer grave, decretarem a inconstitucionalidade das leis, sei lá, tudo menos esta complacência resignada…

E os advogados por que não fazem nada?
O problema dos advogados é que é uma classe que foi perdendo o espírito gregário.

Parece mesmo que quer ser bastonário…
Não, não quero ser nada mais na vida pública. Hoje, as minhas preocupações são outras: advocacia e escrita. Não estou é seguro de que a Ordem dos Advogados possa resistir às forças que se juntam neste momento, no sentido da sua extinção. Primeiro, há um pensamento sindical crescente: muitos advogados por conta de outrem acham que precisam de alguém que os defenda face aos patrões e aos escritórios grandes, de que são assalariados; por outro lado, um certo sector à esquerda convive mal com a ideia de Ordem e não sindicato. E ainda temos os sectores liberais, que dizem que a Ordem é algo passadista, fora de moda. É uma mistura explosiva.

José António Barreiros, excerto da entrevista ao SOL [ versão integral aqui]

Literatura, Direito, Bolonha e Cª Lda

É possível recorrer à Literatura para ensinar Direito? A resposta é sim, o exemplo está aqui. Leiam e descubram como Iago, o temível intriguista da peça «Othello», de Shakespeare, cometeu o crime perfeito. Mas será que os estudantes de Direito portugueses ainda sabem quem é Iago, Othello, Shakespeare? Será que tem razão quem defende que está na «altura de invertermos a pirâmide do nosso sistema educativo remetendo muitos dos nossos licenciados para os saberes da antiga 4.º classe» [expressão que retirei de um comentário ao post Bolonha, o paradigma perdido, de Rui Baptista, que encontrei no De Rerum Natura]? E se a resposta for sim, no que aos Advogados concerne, será que esta é a melhor solução? I wonder...

«Olho no blog»

A Maria Josefa Paias, do Restolhando, gentilmente fez saber ao mundo que «vale a pena ficar de olho» neste Ângulo. Eu agradeço, está claro, e desta vez retribuo, porque não tenho dúvida que o Direito e Avesso, da mesma Autora, é que merece mesmo ser seguido.

E quais são os blogs que eu tenho sempre debaixo de olho?
Há uns que leio com regularidade mas que vou abster-me de nomear, por já estarem «na mira» da blogosfera inteira. Outros, na minha modesta opinião, igualmente bons, talvez não tanto. São eles:

- O Defensor Oficioso, o Horizonte Jurídico, o Blog de Informação, o Forum Familiae , o Cartilha Jurídica e o Iureamicorum na modalidade «blawgs»;

- O Escrita em dia e o Portadaloja;

- O Ma-schamba e o Diário de um Sociólogo.

Podia aditar uns quantos mais, mas acho que já excedi a «quota»... :-)

O desgoverno das mudanças

Em tempos idos, algures entre os anos de 1982 e 1987, escreveu o Embaixador José Cutileiro, sob o pseudónimo A.B. Kotter, a propósito das «Mudanças de Governo» portuguesas: «O mal é vocês mudarem tantas vezes de Governo», atalhou o Lowater. «Desde 25 de Abril de 1974 este país teve dez primeiros-ministros. São primeiros ministros a mais». «A mais ou a menos», contrariou o senhor J. Fonseca, metendo-se na conversa. Todos nós nos virámos para ele, espantados com a impertinência. Sem se perturbar, o ex-comando esclareceu. «Depende do intervalo que o senhor professor considerar para o cômputo. É verdade que, se contar desde Abril de 1974 até agora, chega a dez chefes de Governo, o que é de mais, mas se contar desde 1932 não passa de doze, o que é de menos. Doze primeiros-ministros em cinquenta e três anos não me parece ofender os padrões europeus». [«Bilhetes de Colares, 1982-1998», Assírio & Alvim, p.68]
Tenho uma teoria, só minha, segundo a qual a vida é como os crepes: tem sempre dois lados. Lembrei-me dela ao ler este «bilhete», tão actual, do Embaixador Cutileiro, nesta semana em que vou ter de me virar do avesso para ver se descubro, esquecido nalguma prega de mim mesma, um resquício de vontade de exercer o meu direito de voto...

Notas de leitura

Carlos Narciso, no «Escrita em dia»:
«(...) É raro um jornalista ter tempo para apurar uma história, certificar-se de que não deixou pontas soltas, encontrar todas as respostas possíveis para a questão. É mesmo muito raro. Investigar leva tempo, tempo é dinheiro do patrão e há cada vez menos tempo para essas coisas. Além disso, nem sempre a história caminha na direcção pretendida. (...)» Não admira que alguém tenha achado que estava a mais na RTP...
[Errata: hoje, dia 22, dei conta que escrevi RTP quando devia ter escrito SIC, mas desconfio que para o caso é irrelevante, porque o efeito seria sempre o mesmo...]


Lembraram-me hoje que para a semana há eleições, ou seja, vou ter de ir votar.



Pois... isto está bonito...

Conversas em família - cont.

Para aqueles que, eventualmente, se interroguem sobre a finalidade das reuniões entre as «figuras cimeiras da Justiça» neste final de legislatura, as últimas notícias têm sido bastante esclarecedoras. O bastonário da Ordem dos Advogados esclarece que se tratou de «discutir e analisar "os principais problemas e bloqueios da Justiça"» [cfr. aqui]. Tal explicação causou estranheza, na medida em que não se percebe bem o que há para discutir com um governo que já não legisla. Perguntado o procurador geral da República sobre o mesmo, eis a resposta: «Acertou-se que se irá propor ao Governo que vier, seja de que partido for, que antes (de se aprovarem) as leis que traçam as grandes linhas haja uma reunião entre o poder politico, o presidente do Supremo Tribunal de Justiça, o procurador geral da República e o bastonário da Ordem dos Advogados"» [cfr. aqui]. Desta vez a minha perplexidade resulta da circunstância do ministro pertencer ao governo cessante e não ao governo eleito, pelo que sempre faria mais sentido que, a terem lugar agora, estas conversas envolvessem os líderes de todos os partidos e não o ministro que está de partida. Ou não? Enfim... Pelas minhas contas, só falta mesmo saber o que responderá o presidente do Supremo Tribunal de Justiça, dr. Noronha do Nascimento. Desconfio que a resposta dele é bem capaz de ser esta: o objectivo da reunião foi permitir aos co-autores autografar os exemplares do livro que irão ser gentilmente oferecidos pelo ministro da Justiça :-)

Notas soltas

Nos Cadernos de Filosofia Extravante [um dos blogs onde, ultimamente, tenho encontrado refúgio, cansada que estou de ler comentários sobre comentários de comentários, numa nauseante espiral de manipulação de factos e ideias que parece ter infectado, de forma irremediável, a blogosfera portuguesa] encontrei hoje um texto de Pedro Sinde sobre «a facilidade do mal». Foi dele que, ainda há pouco, me lembrei quando, ao passar os olhos pelos títulos dos jornais, encontrei, no jornal Ionline, esta peça sobre uma das notícias que durante a semana que agora finda mais comentada foi pela intelligentia [como se constata, por exemplo, aqui ]. A excelência do artigo não assenta, como é evidente, na história em si, mas antes na quantidade de informação que disponibiliza e na forma como é «servida» ao leitor. Fez-me vir à memória o que Irene Lisboa explicou aqui, a propósito das suas «Crónicas», designadamente, que nelas se havia subordinado à «observação desinteressada e a uns laivos de crítica». E não será isso o que se espera da Imprensa, seja ela oral ou escrita? Relatar factos, aditando ao relato uns laivos de crítica q.b., apenas o estritamente necessário para induzir o leitor a reflectir sobre o narrado, não é esta a função do jornalista? Perguntarão os entendidos que sei eu para poder dar palpites sobre um mister que não é o meu, para o qual não fui treinada, e de facto assim é. Mas será que algum deles me explica por que razão este foi o único artigo que me fez vislumbrar a realidade que existe para lá das palavras? E que realidade! O mal mais absurdo, na sua forma mais desvairada...

Conversas em família

Parece que «durante um ano, e mais ou menos uma vez por mês, Alberto Costa, Noronha do Nascimento, Pinto Monteiro e Marinho e Pinto jantaram juntos e discutiram o estado da Justiça», a convite do primeiro. Destas conversas informais terá resultado um livro, em co-autoria, que «é para oferta e não vai ser posto à venda». Que pena! Não tenho a menor dúvida que seria um best-seller e em ano de eleições sempre seria uma contribuição positiva para a diminuição do défice...

Taxitramas

Mauro Edson Santana Castro tem  42 anos, é taxista em Porto Alegre e autor de um dos seis mais populares blogs do Brasil, descobri hoje, aqui.  Mauro escreve crónicas, o seu género literário preferido. Diz ele que o escritor que mais admira é «o David Coimbra, que é o editor de esportes do Jornal Zero Hora.» E acrescenta: «Não sou um cara que lê autores clássicos. Já compararam meus textos com Tchekhov, Nelson Rodrigues e um monte de outros escritores que, infelizmente, nunca li.»  Mauro prefere escrever crónicas porque «A ficção precisa ser verossímil, a realidade, não.» Identifica-se como «um taxista/blogueiro. Nessa ordem.» Regressada na passada sexta feira ao ram-ram do meu dia-a-dia, tentei hoje passar os olhos sobre os registos bloguísticos da season eleitoral mais silly de que guardo memória, mas acabei fugindo para a esquina da rua Saldanha Marinho com a avenida Getúlio Vargas, onde peguei o «Taxitramas» do Mauro, para descobrir que «a corrida perfeita acontece em um dia de sol. Mas não um sol escaldante de verão. A corrida perfeita acontece em meados de agosto, quando o sol aquece o táxi apenas o suficiente para lembrar que o inverno está acabando (...)». Fiquei aqui a pensar que além de inverosímil, a realidade não impede um homem de sonhar. Grande Mauro!

Advogar no séc.XXI : a consulta jurídica on-line

Em 16 de Dezembro de 2006, em resposta a alguns comentários ao meu post sobre um artigo então publicado no jornal Expresso, nos quais se questionava a adequação do EOA às novas realidades da advocacia, escrevi o seguinte: serão as regras do EOA que estão a ficar obsoletas, ou o problema é a forma como se estão a interpretar e aplicar essas regras? Designadamente, e no que concerne ao princípio da confiança advogado/cliente, será que a regra constante do EOA impede, em abstracto, as consultas on-line, como parecem sugerir os comentários de alguns colegas? Ou isso dependerá da forma como, em concreto, essas consultas se realizarem? Ou, de forma ainda mais directa, o problema está nas regras ou em quem as aplica? Pois bem, volvidos quase três anos sobre essa data, é com alegria que constato que foi aprovado pela 1ª Secção do Conselho Superior um parecer onde, tanto quanto recordo, pela primeira vez se aborda o problema da consulta jurídica on-line como eu sempre desejei ver abordado. Sinto-me perfeitamente à vontade para o afirmar na medida em que não tive a mais leve intervenção, quer na sua elaboração, quer na sua aprovação, o que me é particularmente grato, por tornar evidente que não estou sozinha quando afirmo não me sentir tolhida pelas regras estatutárias no enquadramento deontológico das novas realidades da advocacia, nomeadamente as decorrentes das inovações tecnológicas. O Parecer, da autoria do Dr.Pedro Alhinho, está publicado na Revista da Ordem dos Advogados de Janeiro/Março/Abril/Junho 2009, recentemente distribuída, mas apenas aí, já que a única jurisprudência do Conselho Superior que, presentemente, se encontra disponível no site da OA respeita aos triénios 2002-2007. O interesse da matéria e a superior qualidade do Parecer (e não estou a referir-me à natureza do órgão) impunham, a meu ver, outro tratamento, mas manda quem pode... Por isso decidi chamar a atenção para a sua existência e facultar o acesso on-line à versão integral, que passa a estar disponível aqui. Eis o sumário:

1. A disponibilização por sociedade de advogados do serviço de prestação de consulta jurídica online, a título oneroso, não constitui forma ilícita de angariação de clientela.
2. A referência ao preço do serviço de consulta jurídica online, pelo qual é prestada resposta a questões jurídicas, com indicação do direito aplicável e das orientações jurisprudenciais, sem análise de documentação ou intervenção de advogado, constituí um elemento objectivo de informação de divulgação permitida.
3. A pré-fixação do preço do serviço com as características indicadas, por delimitado o campo da consulta ao esclarecimento de questões jurídicas, é conforme às disposições estatutárias em matéria de honorários.

OA - Assembleia Geral

Por concordar com a necessidade de se proceder à divulgação do Comunicado do Presidente do Conselho Superior sobre a Assembleia Geral, convocada para o dia 10 de Setembro de 2010, passo a transcrever o texto do comunicado, já disponível nos sites de alguns Conselhos Distritais.


Exmos. Senhores
Presidentes dos Conselhos Distritais de
Açores
Coimbra
Évora
Faro
Lisboa
Madeira
Porto
da Ordem dos Advogados

Lisboa, 10.08.09

Meus Exmos. Colegas

Na sua reunião plenária, de 3 de Julho do corrente, o Conselho Superior deliberou, ao abrigo de disposições legais que indicou no respectivo acto, convocar uma Assembleia Geral dos Advogados com a seguinte ordem de trabalhos: «apreciar a proposta de alteração do Estatuto da Ordem dos Advogados apresentada ao Governo». Na verdade, como é facto público e notório, o Senhor Bastonário havia submetido ao Governo, sem prévio conhecimento da classe e discussão pela mesma um projecto de alteração ao Estatuto que procedia a significativas modificações do mesmo.

Nos termos estatutários [artigo 35º, n.º 1 do EOA] tal convocação teria de ser publicada no portal da Ordem dos Advogados e num jornal diário com âmbito nacional de circulação até trinta dias antes da data fixada para a efectivação da mesma.

Dado que o Conselho Superior não tem autonomia de meios, solicitei ao Senhor Bastonário que ordenasse a execução da deliberação do Conselho Superior na parte respeitante a esta publicação, o que integra aliás encargo a que se encontra adstrito por força do estatuído na alínea e) do n.º 1 do artigo 39º do EOA.

Até ao dia de hoje o Senhor Bastonário não só não deu satisfação ao solicitado como não deu qualquer resposta aos pedidos de informação que lhe dirigi, por email e por carta, com o propósito de indagar o que se passava a tal propósito: assim nem sequer na página privativa do Conselho Superior a deliberação do mesmo está publicada, o que traduz óbvio acto censório quanto mais no portal da Ordem e nada surgiu em qualquer periódico. O conhecimento que se conseguiu foi a informação amavelmente prestada através dos Conselhos Distritais.

Importa, aliás, que se saiba que o acesso pelo Conselho Superior à sua própria página no portal da Ordem está neste momento dependente de pedido casuístico ao Senhor Bastonário, por decisão sua. E todo o expediente e correio que é dirigido ao Conselho Superior ou ao seu Presidente é recebido em serviços que não são privativos do Conselho Superior, chegando-se ao limite de a própria notificação que referimos ter recebido, como entrada, a única que o Senhor Bastonário consente que exista, a do «Conselho Geral».

Sucedeu foi que no dia 28 de Julho recebeu-se no Conselho Superior uma notificação, oriunda do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, segundo a qual o Senhor Bastonário, declarando agir em representação da Ordem dos Advogados, propunha uma providência cautelar que visava fazer decretar judicialmente a suspensão da eficácia da deliberação de convocação da Assembleia Geral a qual, como resulta do acima exposto, está privada de eficácia, por acto seu, visto ter decorrido o prazo em que tinha de ser formalizada a publicação da convocação sem que a mesma tivesse sido intencionalmente efectuada.

Através de Colega «pro bono» que para o efeito se mandatou o Conselho Superior entregou já a sua resposta em juízo na passada sexta-feira e aguarda serenamente decisão judicial e a evolução do caso. Abstemo-nos, por compreensível impossibilidade de o fazer, de dar qualquer informação sobre o conteúdo das providências.

Serve assim a presente para, em nome do interesse público, informar os Exmos. Colegas desta pendência judicial e da medida em que a mesma compromete, por facto consumado, a realização da Assembleia Geral que se encontrava convocada. Nenhum outro comentário nos é permitido fazer nem o faríamos nesta sede.

Rogo pois a Vossas Excelências, Senhores Presidentes, a gentileza de circularem pelos Colegas, nomeadamente através da sua publicação nas páginas de que dispõem no portal da Ordem dos Advogados, esta minha comunicação, de modo a que toda a classe possa ter acesso ao que julgamos de conhecimento relevante.

Com os melhores cumprimentos

José António Barreiros
Presidente do Conselho Superior

Encontro de «Blawggers» Bogotá 2009

No próximo dia 12 vai ter início, na Universidad del Externado de Bogotá, o «Encuentro de Blawggers Bogotá 2009», a que já me referi aqui. Respondendo ao convite do professor Gonzalo Ramírez Cleves para participar no debate do primeiro tema - ¨Cibercultura ¿De qué se trata esto?¨ - aqui deixo a minha modesta contribuição:

Há uns tempos, no site da Oxford University Press, encontrei um livro cujo título prendeu, de imediato, a minha atenção. Chama-se «The End of Lawyers? Rethinking the Nature of Legal Services» e o seu autor é o Honorary Professor of Law at Gresham College, em Londres, Richard Susskind. Ainda não tive tempo para uma leitura aprofundada, mas tanto quanto me parece, no essencial, o autor considera que a internet veio tornar obsoleto o modelo tradicional de prestação de serviços de consulta jurídica, ao garantir um acesso cada vez mais fácil e directo ao conhecimento do Direito. Ou seja, a internet veio transformar radicalmente a actividade dos «solicitors» e fazer o mesmo que as máquinas automáticas fizeram, há anos, aos empregados bancários: cada vez são necessários menos. Aumentando a oferta disponível é mais que previsível uma descida no preço dos serviços e aqui temos, finalmente, as profissões jurídicas a funcionar dentro de uma lógica de mercado, os serviços que prestam a ser tratados como meros bens de consumo. Os cidadãos passarão a estar, seguramente, mais informados sobre os seus direitos, mas será que estarão melhor informados? Tenho as minhas dúvidas. Ou seja, estamos en la sociedad de la información pero no del conocimiento?… Veremos...
Neste contexto, que papel devem ter os blawgs, em particular os blawgs de advogados? Reproduzir a lei, informar sobre o conteúdo, esclarecer a interpretação? Parece-me muito pouco. Julgo que será muito mais proveitoso se, nos blawgs, os advogados se mantiverem fiéis à sua matriz, isto é, se procurarem reflectir, analisar, e fomentar o debate sobre tudo o que os rodeia, ou seja, desenvolver actividades que não estão ao alcance duma base de dados, por melhor que seja. Se tiene todos los medios, pero se conoce solo fugazmente la red [ e se não reflectimos sobre a informação que ela nos proporciona] puede volvernos unos ciberidiotas… A meu ver, há que ser efervescente e agitar as consciências. Afinal, ao longo dos séculos, não tem sido essa a função dos Advogados?

Bom trabalho e um óptimo Encontro!
De Lisboa, abraços a todos.

Um minuto de silêncio... (esclarecimento)

Quando ouvi a notícia do passamento de Raul Solnado lembrei-me de um texto que escreveu para o Projecto «Um minuto de silêncio» e que, em 15 de Abril de 2007, encontrei precisamente aqui. Para honrar a sua memória nada me pareceu mais adequado que as suas palavras, e por isso as «reeditei». Para quem eventualmente tiver dúvidas sobre a autoria da frase que, então, reproduzi no post, bastará confrontá-las com o original, que se encontra aqui. Aliás, o próprio destaque foi, amavelmente, registado no site do Projecto e por lá continua, para quem quiser ver.
Hoje, ao ler esta notícia do Público, fiquei a saber que a frase que então me encantou terá sido retirada de um texto. Como é óbvio, sobre este último nada sei e por isso nada posso dizer.

Singularidades nuas - 2

Na «Introdução» do seu livro «Esta Cidade!» escreveu Irene Lisboa: «O romance e a novela têm os seus limites, e classe. Isto é, o romance classifica-se, toma o nome de romance quando a sua anedota apresenta um determinado desenvolvimento; um âmbito e uma compilação, uma ordenação e um desfecho que o aparentam com a já longa série de romances que a literatura universal comporta. E a novela tal qual! Uma novela tem sempre parentesco literário com outra: há uma medida no seu jogo ideal (efabulação se quiserem) e nos seus passos que a incluem no número de obras da mesma espécie. Ora eu não pretendi desta vez cultivar a novela nem o romance. Esquivei-me ao formalismo da sua composição e subordinei-me ao da observação desinteressada e a uns laivos de crítica. Assim, contrariei a básica orientação romanesca: armar e tornar lógico para despertar o interesse; embelezar ou afeiar para impressionar.(...)» Uns dias depois de ter encalhado nesta singularidade, eis que finalmente descubro, pela mão da mesma escritora, uma justificação simples e lógica para a circunstância de há uns anos a esta parte ler cada vez menos romances e, muitas vezes, desistir da leitura a meio, por me parecer estar a ler o já lido, escrito de maneira diferente, o que é cansativo. É que na vida vivida há pouca ou até mesmo nenhuma lógica e a capacidade que a realidade tem de nos impressionar vai muito além do contraste entre o feio e o belo. Para se chegar a esta conclusão basta ter vivido, como eu, um número de anos suficiente para olhar para o passado com ângulo. Aqui fica um exemplo: em Jette [subúrbio de Bruxelas] foram ontem encontrados, no quarto da casa onde viviam, os esqueletos de mãe e filho. O «(...) correio e os alimentos encontrados dentro da casa (...) permitiram determinar que a mãe e o filho morreram em 2004. Desde então, as persianas da casa permaneceram fechadas. Os mesmos jornais indicaram que uma vizinha tentou por diversas vezes alertar as autoridades para uma eventual situação de morte ou de desaparecimento, mas ninguém entrou na casa. A descoberta foi feita finalmente durante uma visita de um juiz, no âmbito de um processo de sucessão relativo à morte do pai desta família.» [cfr. aqui e ainda aqui]. Que romancista é capaz de encontrar uma lógica para esta anedota?

Um minuto de silêncio...

... em memória de Raul Solnado.

... e dura, dura...

Acidentes de viação como este, ocorrido ontem, em França, dão, normalmente, causa a processos judiciais, nos quais intervêm um número de partes muito superior às duas que são a regra. Na minha vida profissional recordo, em particular, um acidente ocorrido na madrugada de uma noite de Ano Novo, numa estrada entre o Alentejo e o Algarve,  que esteve na origem de dois processos judiciais, e no qual tiveram intervenção uma dezena de advogados. Ficou-me na memória, em especial, a dificuldade na compatibilização das agendas, para efeitos de marcação de diligências, porque havia sempre um ou outro colega que, na data proposta, estava impedido de comparecer em tribunal em virtude de outro serviço.
Vem isto a propósito do demagógico debate que alguns teimam em alimentar sobre o estafado tema das férias judiciais. Recentemente ouvi insistir na ideia que as ditas deviam ser pura e simplesmente abolidas, porque daí resultariam benefícios para os cidadãos [designadamente para os que estão presos e que por via das férias judiciais vêem protelada a sua libertação (?!)]. Quanto ao problema de acautelar o legítimo direito ao descanso dos «profissionais liberais» [leia-se advogados], o opinante também tem uma proposta: conceda-se-lhes a faculdade de gozarem tal direito, a pedido, na altura que lhes seja mais conveniente. Que fantástica, que luminosa ideia! Como é que ainda ninguém se havia lembrado disso? Passemos, então, ao concreto.  Imagine-se, por exemplo, que num dado processo, o advogado do autor é do Algarve e gosta de fazer férias em Dezembro, mas o advogado do réu, alfacinha de gema, entende imprescindível, para a sua sanidade mental, pelo menos uma semana na praia, em Agosto. A preferência das testemunhas, contudo, vai para o período da Páscoa, mais ameno, enquanto que o juiz (também tem direito, coitado!) não perde um Carnaval em Veneza. Pense-se, agora, num processo como aqueles que acima refiro e há que multiplicar esta operação por 2, 4, 6 ou mais, e só então ficamos, verdadeiramente, com uma ideia aproximada das reais vantagens da «engenhosa» medida ora proposta. A conclusão de tudo isto parece-me óbvia: quem fala assim ou não sabe do que fala, ou então visa impressionar quem não percebe. Só pode!...

Singularidades nuas - 1

Numa madrugada da semana passada, no caminho para casa, reparei que, estacionado numa das principais avenidas de Lisboa, estava um «Skoda Felicia» de matrícula recente, e no banco do condutor, deitado, alguém a dormir. Pareceu-me ver um homem ainda novo, mas estava sozinha, era de noite, e não parei para olhar melhor. Fui para casa a matutar uma justificação para o que acabara de ver e ocorreram-me várias, sendo a mais perturbadora de todas a ideia de que se tratava de alguém que ficou sem emprego e, por via disso, sem casa, em qualquer caso alguém que eu não estava à espera de encontrar ali, a dormir, dentro do carro. Esta memória tem andado comigo até agora, e hoje ficou ainda mais presente quando li aqui que, «segundo o Eurostat, cerca de 100 mil jovens lusos não tinham emprego no início do ano, número que fica acima da média europeia». Será que por estas bandas alguém ainda se lembra do último Natal grego? Infelizmente, não creio. A dois meses das eleições legislativas, e no que toca a desemprego, as actuais preocupações dos políticos portugueses aparentam ser outras... Queira Deus que em Dezembro ninguém se lembre de ir até S. Bento desejar-lhes um Feliz Natal «à maneira grega»...

Essa Mulher chamada Irene Lisboa

Não lembro exactamente a primeira vez que tive consciência que o facto de pertencer ao género feminino comportava desvantagens. Tenho uma vaga impressão que terá sido por volta dos meus nove anos, quando me disseram que as meninas não brincam na rua, ou seja, mais ou menos pela altura em que descobri que queria ser advogada. Quando, em 1979, fui admitida na Faculdade de Direito constatei que, por pouco, escapei à sujeição à norma constitucional que previa que “A igualdade perante a lei envolve o direito de ser provido nos cargos públicos, conforme a capacidade ou serviços prestados, e a negação de qualquer privilégio de nascimento, raça, sexo, religião ou condição social, salvas quanto ao sexo, as diferenças de tratamento justificadas pela natureza (...)”. Vem isto a propósito de ter encontrado, há uns dias, um post, nesse fantástico blog chamado «Rua dos Dias que Voam», sobre um artigo publicado, em 1944, na revista «Eva», no qual várias «individualidades» se pronunciaram sobre a questão "A mulher, especialmente a casada, deve ter uma profissão?". Um dos entrevistados é a escritora Irene Lisboa, nascida em 1892, falecida em 1958, que «usou o tempo de vida, a trabalhar como professora e a escrever sob o seu nome, como Manuel Soares, João Falco e Maria Moira uma obra hoje quase esquecida». Confesso que não fujo à regra. Conheço muito mal a sua obra, e talvez por isso não estava à espera de ler este «Para mim não há função da mulher como não há função do homem, moralmente» e ainda que «Para muitas mulheres o ambiente doméstico é insuficiente(...)» . Sendo, como sou, filha de uma mulher para quem o destino natural era ser «mãe de família», e, simultaneamente, mãe de uma jovem adulta, a quem nunca foi imposto qualquer constrangimento relacionado com o género, «entalada», como estou, entre estes dois universos, é reconfortante descobrir o testemunho de alguém que, apesar de ter falecido um par de anos antes de eu ter vindo ao mundo, era mulher de uma forma estranhamente semelhante à minha, aparentemente sem dramas ou «guerras de sexos», sem sentimentos de superioridade ou inferioridade, alguém que discorria sobre a sua identidade de forma simples, natural. É que por mais que eu tente «actualizar-me» em matéria de condição feminina - e admito que tenho tentado, cansada deste viver entre mundos - nunca consegui deixar de me sentir alienígena relativamente a quem aborda a sua feminilidade assim. Hélas!

PS. Este fica com dedicatória, à minha querida professora Lourdes Mano. Obrigada. Um bj

Os «bons alunos»

Avelino de Jesus, Director do ISG - Instituto Superior de Gestão, faz, no Jornal de Negócios,«Um balanço realista do Processo de Bolonha». Li-o e constatei que também ele acha que as partes boas da reforma não são originais e as que são originais não são boas. Neste balanço ficam, ainda, por explicar as razões da passividade das universidades portuguesas perante as imposições de Bruxelas e do Governo, quando este até seria um daqueles casos em que ser «mau aluno» teria compensado. Talvez um dia...

«Brutti, Sporchi e Cattivi»

«A., de 73 anos, vivia com a nora na sua casa, na Maia. Alegadamente, não se davam bem. A tal ponto que a nora terá decido livrar-se da idosa, com a colaboração de quatro familiares que, a 19 de Dezembro, irromperam pela casa, a assaltaram e espancaram até a julgarem morta. Só que a vítima não morreu, permitindo à Polícia Judiciária identificar, ontem, os cinco suspeitos, que esta sexta-feira estiveram durante o dia a ser ouvidos em primeiro interrogatório judicial.(...)» [texto integral aqui]


Estado de «citius»

Leio que a ASJP afirma que a maioria dos juizes não confia no Citius, e interrogo-me se o problema das notificações electrónicas não justificaria mais que os dois parágrafos que encontro aqui. Tendo em consideração as implicações parece-me curto... A ver vamos. Por ora, mudemos de assunto.

«Super-juizes» em paredes de vidro

Há jornais que falam em certas figuras como se de heróis de banda desenhada se tratasse, e sempre que me acontece deparar com títulos como este fico à espera de encontrar, na fotografia ao lado, uma daquelas musculadas figuras, em «maillots» reluzentes, exibindo os mais mirabolantes super-poderes. O pensamento é absurdo, como é evidente, mas ainda assim, às vezes, a imagem consegue surpreender-me, como aconteceu neste caso. Um juiz de instrução a trabalhar num gabinete, situado num rés do chão, com acesso directo para a rua, entre paredes de vidro? Homessa! Se se entende que não há perigo, para quê, então, a segurança pessoal? No mínimo é bizarro...

Há ofícios assim

«Passei este fds com a cabeça dentro de dossiers vermelhos, a analisar guias de transporte. Eram para um caso que me acompanha há seis anos e em que eu acreditava piamente no Autor. Exacto, acreditava. Pelas guias percebo que ele mente. Primeiro, fico furiosa e, num ataque extremo de energia, dou banho à cadela. Agora, estou bastante triste...», escreveu a Xaxão, aqui. Como eu a entendo! Confiar ou não, «eis a questão» quando se é advogado. Nos primeiros tempos, é a decepção e a tristeza quando descobrimos que alguém nos enganou. Então passamos a confiar apenas no que entendemos. Depois descobrimos que há realidades que nunca conseguimos entender, e ainda assim optamos por confiar. Esta escolha, com o tempo, vem a revelar-se mais amarga. Há quem diga que, mais tarde ou mais cedo, todos acabamos por desistir da confiança. Por ora tento não pensar muito nisso. Ainda não estou mentalmente preparada para assumir o estado de «morta-viva».



uan5j3kvf2

Umbigos portugueses

Há dias li num blog, algures, um comentário em que alguém se afirmava afastado do blogumbiguismo. Fixei a palavra blogumbiguismo. Pareceu-me adequada para definir muito do que por aí se vê, net fora, e ponderei em que medida se aplica a mim. Hoje li que alguém andou a fazer perguntas a 937 incautos cidadãos para depois concluir que os portugueses estão «mais individualistas, não morreriam por nada, nem por ninguém, senão pela sua própria família». Acrescenta a notícia que «se fosse há dez anos, para oito em cada dez pessoas fazia sentido morrer para salvar a vida de alguém. Hoje, apenas 46 por cento respondem que morreriam nessas circunstâncias». Ora, morrer para salvar a vida de alguém é sinal de altruísmo, ou seja, o oposto de egoísmo. E o que é que isto tem a ver com individualismo? O autor do tal estudo esclarece: «é a noção de individualismo na sociedade e não o egoísmo que faz os portugueses responderem que concordam em parte ou totalmente que "cada qual cuide de si"». Entendi. Os portugueses, não só estão mais egoístas, como sabem menos português. Bate certo. Depois fiquei a pensar se para mim ainda faz sentido morrer para salvar a vida de alguém que não seja da minha família e cheguei à conclusão que sim. Aliás, para ser franca, não tenho assim em tão grande conta a generalidade dos parentes. No que respeita a alguns deles, sou até capaz de preferir um estranho. Portanto, talvez o meu caso integre os 2,75 de margem de erro do estudo. E se me parece possível concluir que não sou «individualista», então talvez escape ao blogumbiguismo. Talvez. Sempre vou para a cama menos infeliz. Vivam os portugueses!

O valor das ideias



O professor Carlos Santos certamente não levará a mal que lhe «roube» o título do  blog, de que é o autor, para publicamente agradecer esta amabilidade, que me surpreendeu. Há quem escreva muito mais e bem melhor sobre assuntos tão ou mais interessantes. Assim sendo, porquê eu?

De acordo com as regras do prémio, cabe-me, agora, designar outros sete blogs. O «selo» já está lá em cima, segue o «texto oficial»:


"O blog «O Valor das Ideias» atribuiu ao «Ângulo Recto» o Prémio Lemniscata. “O selo deste prémio foi criado a pensar nos blogs que demonstram talento, seja nas artes, nas letras, nas ciências, na poesia ou em qualquer outra área e que, com isso, enriquecem a blogosfera e a vida dos seus leitores."
Sobre o significado de LEMNISCATA:LEMNISCATA: “curva geométrica com a forma semelhante à de um 8; lugar geométrico dos pontos tais que o produto das distâncias a dois pontos fixos é constante.”
Lemniscato: ornado de fitas Do grego Lemniskos, do latim, Lemniscu: fita que pendia das coroas de louro destinadas aos vencedores(In Dicionário da Língua Portuguesa, Porto Editora)
Acrescento que o símbolo do infinito é um 8 deitado, em tudo semelhante a esta fita, que não tem interior nem exterior, tal como no anel de Möbius, que se percorre infinitamente."
[Texto da editora de “Pérola da cultura”]

Por ordem cronológica (a minha), aqui vão as 7 nomeações:

«A Revolta das Palavras»
[por todas as razões em geral, e em particular por ter sido aquele que me fez ter vontade de escrever]

«Incursões»
[por muitas razões, e em particular pelos textos do MCR]

«Defensor Oficioso»
[pelo serviço público]

«Diário de um sociólogo»
[por ser uma janela aberta para outros mundos]

«Imenso, para sempre, sem fim»
[pela excelência humana]

«Fazer para aprender»
[pela meritória causa, defendida com muito mérito]

«Walter-Ego»
[por ser diferente]

Citação do dia

Às vezes são afirmações desrazoáveis, outras vezes aquelas para as quais não descortino fundamento, ou me parecem aleivosas, ou ainda absurdas, normalmente são essas que prendem a minha atenção e depois aqui «afixo». Hoje «apeteceu-me algo», tipo «bombom moralizador», algo que me faça ter vontade de continuar, porque nesta vida que eu levo, fazendo o que faço, há dias em que é particularmente difícil manter recto o ângulo. Vagueando na net, um pouco à deriva, fui ter à definição de «carácter» que abaixo transcrevo. Não li o livro, não sei se reproduz o que foi escrito de forma fidedigna, mas ainda assim, aqui fica:

«Obedecer aos próprios sentimentos? Arriscar a vida ao ceder a um sentimento generoso ou a um impulso de momento... Isso não caracteriza um homem: todos são capazes de fazê-lo; neste ponto, um criminoso, um bandido, um corso certamente superam um homem honesto. O grau de superioridade é vencer em si esse elã e realizar o acto heróico, não por um impulso, mas friamente, razoavelmente, sem a expansão de prazer que o acompanha. Outro tanto acontece com a piedade: ela há-de ser habitualmente filtrada pela razão; caso contrário, é tão perigosa como qualquer outra emoção. A docilidade cega perante uma emoção - tanto importa que seja generosa ou piedosa como odienta - é causa dos piores males. A grandeza de carácter não consiste em não experimentar emoções; pelo contrário, estas são de ter no mais alto grau; a questão é controlá-las e, ainda assim, havendo prazer em modelá-las, em função de algo mais.»[Friedrich Nietzsche, in 'A Vontade de Poder']